Sem previsão de voltar à normalidade e com número de passageiros reduzido ao mínimo, estação rodoviária de Bento Gonçalves se readequou para enfrentar a crise provocada pelo coronavírus

Muitos setores da economia – tanto a indústria quanto comércio e serviços – sofreram fortemente o impacto provocado pela Covid-19, o coronavírus, a partir da imposição do isolamento social, ou quarentena, como medida recomendada pelas autoridades de saúde do mundo todo como necessária para evitar o contágio e conter a expansão da doença. Um termômetro das consequências das medidas restritivas está na estação rodoviária de Bento Gonçalves.

O complexo está praticamente às moscas, mesmo durante esta semana quando a movimentação de pessoas pelas ruas praticamente dobrou em relação às duas últimas semanas. O imenso saguão que costuma reunir centenas de pessoas à espera dos ônibus que as levarão aos seus destinos, na manhã de quarta-feira, 15, quando a reportagem do Jornal Semanário esteve no local, só tinha três passageiros.

Antes da pandemia que fez quase todo mundo se esconder do coronavírus dentro de casa, passavam pela estação rodoviária de Bento Gonçalves uma média diária de mais de 1 mil passageiros, número que poderia bater na casa dos 1,5 mil em ocasiões especiais. Eram em torno de 40 linhas partindo e chegando diariamente no terminal, principalmente para Porto Alegre e Caxias do Sul, os destinos mais procurados.

De acordo com Andreissi Siega, emissora de passagens na rodoviária e chamada entre colegas e amigos como Cissa, atualmente o número de linhas que foram mantidas não chega a 15, uma redução de 60%. Já o volume de passageiros sofreu uma redução bem maior, drástica até. Hoje, não supera a marca de 100 pessoas o número de passageiros que passa, por dia, no local. Ou seja: 90% menos do que antes do coronavírus.

Para fazer frente à realidade do momento, a direção concedeu férias a funcionários e reduziu a carga horária dos que continuaram trabalhando. Das três atendentes dos guichês de emissão de passagens, apenas uma está trabalhando com carga horária reduzida para, no máximo, seis horas por dia. “Dependendo do movimento havia dias em que a gente chegava a trabalhar 10 horas no dia”, conta a funcionária.

Apenas três passageiros esperando ônibus no saguão da rodoviária: reflexo da crise

Interestadual e queixas

Outro reflexo da pandemia do coronavírus foi a suspensão das viagens para fora do Rio Grande do Sul, tanto pelas limitações impostas pelos governos de outros estados quanto pela falta de passageiros. Foram suspensas linhas para Santa Catarina, Paraná e São Paulo, e de acordo com Cissa não há previsão de retomada. “Talvez no mês que vem, em maio, se essa situação toda se acalmar”, projeta.

As alterações – redução no número de linhas e horários – também provocaram queixas de alguns usuários do sistema de transporte coletivo intermunicipal que desejavam continuar utilizando o serviço da forma pré-pandemia. “São casos em que havia ônibus a cada hora como para Garibaldi, por exemplo. Na atual circunstância, para Garibaldi só tem dois horários, às 8h e às 12h”, conta a funcionária.

Andreissi conta que movimento de passageiros caiu 90% por causa da pandemia

Daer estabeleceu normas para o transporte coletivo

Além de viajarem com 50% de sua capacidade, os ônibus intermunicipais devem transportar os passageiros somente na poltrona da janela para evitar a disseminação do coronavírus. A decisão é do Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer) – vinculado à Secretaria de Logística e Transportes (Selt) – e foi adotada na forma de ordem de serviço ainda na primeira quinzena de março.

De acordo com o diretor-geral do Daer, Luciano Faustino, “as alterações no transporte intermunicipal são fundamentais para combater a pandemia e minimizar os prejuízos ao Rio Grande do Sul. Por essa razão, decidimos, mais do que reduzir a lotação dos ônibus, determinar que as pessoas sentem na poltrona da janela, onde os riscos de contaminação são menores devido a circulação de ar”, afirmou o dirigente.

Número de linhas caiu de cerca de 40 por dia para apenas 15, por causa da panedemia

Lauro Hagemann, da diretoria de Transportes Rodoviários da autarquia, explica que tanto as empresas quanto o Daer estão adotando os protocolos necessários para combater o Covid-19. “Temos a ciência da importância do sistema de transporte, muitas vezes a única forma de deslocamentos que as pessoas dispõem. Por isso, estamos trabalhando no sentido de torná-lo o mais seguro possível”, sintetiza.

Os cuidados para o transporte intermunicipal

  • O Daer emitiu ordem de serviço permitindo que as empresas ajustem as frotas e os horários das viagens de acordo com a demanda
  • Os veículos estão equipados com álcool gel e foram ampliadas as medidas de higiene no início e no final das viagens, além de limpezas realizadas durante trajetos longos
  • As medidas de higiene foram reforçadas nas estações rodoviárias
  • A autarquia começou a monitorar a movimentação de passageiros nas principais estações rodoviárias do estado por meio de boletins estatísticos
  • Foi prorrogado por 30 dias o vencimento das licenças dos veículos de fretamento e turismo e autorizações de uso de veículos de terceiros.
  • As empresas também podem usar esse prazo que, em princípio, se expira no próximo dia 19, para estender o pagamento de boletos e multas.

Uma cardíaca rumo à casa dos sogros

A auxiliar de cozinha Sabrina, com o filho Kayron, estava viajando para Guaporé

Entre os três passageiros da manhã de quarta na estação rodoviária de Bento Gonçalves estava Sabrina Gonçalves Meira. Temporariamente afastada de suas funções como auxiliar de cozinha em uma escola da rede municipal de ensino de Bento Gonçalves, ela estava esperando o ônibus para viajar, na companhia do filho Kayron, de quatro anos, para a casa dos sogros, em Guaporé.

Ambos estavam protegidos com máscaras na tentativa de evitar o contágio com o coronavírus. Mas Sabrina tinha uma razão a mais para se preocupar e utilizar a proteção recomendada pelas autoridades de saúde. “Eu sou cardíaca, inclusive fiz cirurgia para correção de problemas no coração”, contou, assegurando que em casa também adota medidas protetivas por causa da sua baixa condição imunológica.

A opinião do motorista

Valtoir Ceconi, motorista de uma empresa de ônibus que tem atuação em várias cidades do Rio Grande do Sul, passou a ter a rodoviária de Bento Gonçalves no seu roteiro de trabalho em razão da crise do coronavírus.

Segundo ele, foram muitas as alterações feitas pela direção da empresa para se adequar às dificuldades do momento. “Fazia muito tempo que eu não passava por Bento”, contou, enquanto assinava o manifesto que relatava o embarque de apenas um passageiro com destino à capital, Porto Alegre, na quarta pela manhã, 15.

Valtoir, que é morador de Caxias do Sul, concorda com os números citados pela funcionária da rodoviária quanto à redução do número de passageiros: na ordem de 90%. Ele para um pouco, pensa e completa: “se não for mais”.

Sobre o futuro, o motorista profissional acha que vai demorar ainda para que a situação se normalize e, principalmente, para que o transporte coletivo volte a ter o número de passageiros de antes. “Isso vai levar tempo. Acho que voltar ao normal, mesmo, só depois do inverno”, projetou.

Atenção

1 – No período anterior ao coronavírus eram cerca de 40 linhas normais. Atualmente este número não passa de 15 linhas com chegadas e saídas.

2 – O número médio de 1 mil passageiros em situação normal caiu cerca de 90%, passando para cerca de 100 pessoas, por dia.

3 – As cinco linhas interestaduais para Santa Catarina, Paraná e São Paulo estão suspensas e não há previsão de retomada.

Fotos: Silvestre Santos