Governantes de todos os quadrantes não raro costumam escolher Deus como escudo. A história está pontilhada de referências a Deus. Em seus 40 anos de reinado, o ditador general Franco, “caudillo da Espanha pela Graça de Deus” referia-se sempre à Providência Divina, conforme passagens de seus discursos, como esta de 1937: “Deus colocou em nossas mãos a vida de nossa Pátria para que a governemos”. Os estatutos da Falange Espanhola o declaram “responsável perante Deus e perante a história”. Lembrete: a Falange Espanhola, criada em 1933 por José Antônio Primo de Rivera, foi um movimento e um partido político inspirado no fascismo.
Por estas plagas, eleva-se aos céus a figura de Jair Bolsonaro. A quem um pastor evangélico do Congo, Steve Kunda, assim se refere: “Na história da bíblia, houve políticos que foram estabelecidos por Deus. Um exemplo quando falam do imperador da Pérsia Ciro. Antes do seu nascimento, Deus fala através de Isaías: ‘Eu escolho meu sérvio Ciro’. E senhor Bolsonaro é o Ciro do Brasil. O nosso Messias não teve dúvidas: jogou o vídeo nas redes sociais. E entoou: “Brasil acima de tudo; Deus acima de todos”.
O fato é que os governantes em países atrasados culturalmente (e até em mais desenvolvidos) costumam organizar seu próprio culto. Agem para que a imprensa cultive sua imagem que pode ser uma destas: herói, Salvador da Pátria, Super-Homem, Pai dos Pobres ou Enviado dos Céus. .
Esses governantes tendem a assumir comportamento autoritário, criando estruturas próprias de comunicação, formando alas sociais (amigas e inimigas), fustigando a imprensa, vista como a tribuna dos perdedores. Não aceitam que a mídia tradicional exerça as funções clássicas de apurar os fatos, que seja vigilante dos poderes públicos ou que faça cobranças.
Cortam volumosos investimentos publicitários na mídia tradicional, extinguem empregos e inauguram o ciclo do “achismo” ao expandirem a quantidade de julgadores e intérpretes do cotidiano.
Os efeitos brotam: perda de credibilidade na informação; perda de qualidade informativa; formação de “exércitos” para “guerra da informação e da contra-informação”; apartheid social com a polarização discursiva; e expansão do Estado-Espetáculo.
Gaudêncio Torquato
Jornalista e professor da USP