SINDISERP, Sitracom e SEC-BG apresentam um panorama das condições trabalhistas da cidade, desafios e conquistas, em meio às mudanças no mercado de trabalho

A realidade local, incrustada no coração da Serra Gaúcha, com sua pujante economia impulsionada pela vitivinicultura, pelo setor moveleiro e pelo crescente turismo, apresenta nuances particulares no que tange ao mundo do trabalho. Se por um lado, a região demonstra um dinamismo econômico invejável, gerando empregos e oportunidades, por outro, persistem desafios relacionados à sazonalidade de algumas atividades, a necessidade de qualificação profissional contínua e a garantia de direitos trabalhistas em um cenário de crescente informalidade nacional.

SEC-BG

Orildes Maria Lottici, presidente do SEC-BG

Para entender a visão do Sindicato dos Empregados no Comércio de Bento Gonçalves (SEC-BG) sobre este momento crucial, conversamos Orildes Maria Lottici, Presidente da entidade. “Estamos convivendo com uma escassez de mão-de-obra sem precedentes e vemos muito desinteresse por qualificação. Além disso, a robotização dos sistemas em alguns setores, necessária, de certa forma, também poderá trazer severos problemas, que precisarão ser sanados se não pensados com antecedência. No comércio, especificamente, vemos uma escassez imensa, com inúmeras vagas a serem preenchidas. Há dificuldade em contratação devido ao desinteresse por trabalho aos sábados, domingos, feriados, pela exaustiva carga horária e pela dificuldade em conquistarmos mais benefícios para os empregados”, detalha.
Diante deste quadro, o SEC-BG tem buscado ativamente soluções para a geração de emprego e a melhoria da qualidade do trabalho no município, lutando por benefícios importantes referentes a auxílio-creche e vale-transporte, por exemplo. Reconhecendo a urgência da questão da qualificação, a entidade tem estabelecido parcerias estratégicas. “Hoje sentimos uma grande necessidade de qualificação e sofremos com a carência de mão-de-obra. Desta forma, desenvolvemos uma parceria com o Senac, na oferta de cursos, e estamos trabalhando internamente a criação de um banco de currículos, visando a recolocação dos comerciários interessados no mercado de trabalho”, explica.

Empreendedorismo e vagas de emprego
A avaliação do SEC-BG sobre o atual cenário do mercado de trabalho em Bento Gonçalves revela uma dualidade. “Se formos analisar friamente, nosso Município tem muitos motivos para se orgulhar, afinal, temos seis CNPJs ativos para cada 10 habitantes. Isso é característica de um povo empreendedor, visionário, que tem vontade de trabalhar e vencer. Porém, por outro lado, isto causa uma grande preocupação para a classe empregatícia, pois a cada novo empreendimento que se forma, é um empregado a menos para mão-de-obra. Talvez este motivo de comemoração também seja o símbolo da escassez, o sinônimo da dificuldade e o sentido da busca incessante de trabalhadores fora de Bento Gonçalves para se preencher estas vagas”, analisou Orildes.
Quanto aos setores com maior demanda, o comércio ainda figura no topo da lista, mas a indústria e até mesmo a prestação de serviços também enfrentam dificuldades. “Creio que o crescimento exponencial da cidade, e do interior, com a abertura de inúmeros estabelecimentos e a explosão do turismo tenham ocasionado essas brechas”, explica.
A busca por um ambiente de trabalho mais justo e equitativo esbarra em negociações complexas. “Infelizmente ainda temos dificuldade nas negociações em busca de melhores condições de salário e trabalho, e não é somente em Bento Gonçalves, e negociamos com inúmeros sindicatos patronais, sejam eles do comércio varejista, de gêneros alimentícios, comércio de autopeças, funerárias, farmácias, entre outros setores. Só para exemplificar, demoramos mais de um ano para chegar a um consenso com um sindicato patronal de uma cidade da região, e por valores irrisórios. Com o sindicato patronal local, tivemos dificuldade em negociar por uma diferença salarial de pouco mais de R$ 6. O que compramos hoje com esse valor? Vivemos um período de alta constante nos preços, principalmente no que diz respeito à alimentação, que é o necessário e básico para sobrevivência e sustento da família, porém, os salários não acompanham tamanhos reajustes. Precisamos repensar o que queremos realmente, pois se os salários não forem condizentes com a realidade do mercado, a roda da economia para e todos serão prejudicados”, alertou.

Futuro do mercado
Para preparar os trabalhadores locais para o futuro do trabalho, marcado pela digitalização e novas tecnologias, o SEC-BG aposta na parceria com o Senac e em iniciativas de conscientização. “Estamos atuando juntamente com o Senac, que é o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial, criado especificamente para treinar trabalhadores para esta área. Lá existem inúmeros cursos profissionalizantes, inclusive gratuitos. Também realizamos com frequência palestras, paineis e outros eventos em nossa Sede, para os quais toda a categoria é convidada, visando trabalhar a conscientização da importância da qualificação, entre outros assuntos de interesse geral”, explica.

Sitracom

Adriana Machado de Assis, presidente do Sitracom

Em Bento Gonçalves, onde o aroma da madeira e o erguer de novas estruturas ecoam o ritmo da economia local, o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção e do Mobiliário de Bento Gonçalves (Sitracom) desempenha um papel crucial na defesa dos direitos e na busca por melhores condições de vida para milhares de profissionais. Ao longo dos últimos anos, a atuação aguerrida da entidade tem se traduzido em conquistas significativas, moldando um cenário mais justo e equitativo para os trabalhadores da construção civil e do setor moveleiro da região. “Em termos salariais, o sindicato garantiu reajustes acima da inflação em diversas negociações coletivas, preservando o poder de compra da categoria e garantindo ganhos reais em determinados momentos. Somos referência para outros sindicatos com as mesmas categorias em relação aos melhores pisos salariais, hoje esses pisos já são insuficientes para o trabalhador ter uma vida digna”, afirma Adriana Machado de Assis, presidente da entidade.
Adriana detalhamelhoriaS em relação aos benefícios, como em casos de afastamento por doença ou acidente, e garantias específicas para mulheres como, por exemplo, auxílio creche, horário de amamentação, atestado de acompanhamento médico para filhos até 12 anos, entre outras. A segurança no trabalho, especialmente no dinâmico e arriscado ambiente da construção civil, é uma prioridade inegociável para o Sitracom. Ela explica ainda que as fiscalizações sindicais em canteiros de obras e marcenarias são uma prática constante, visando o cumprimento rigoroso das normas regulamentadoras. O sindicato conta com um técnico em segurança do trabalho dedicado a essa tarefa, notificando empresas sobre irregularidades e acionando o Ministério do Trabalho em caso de descumprimento. “Sentimos um aumento significativo dos casos de acidentes nos últimos anos, após a Reforma Trabalhista houve um enfraquecimento das Leis e das Normas Regulamentadoras que foram basicamente desmontadas. Retrocedemos anos com essas atitudes que só vieram para prejudicar ainda mais a segurança dos trabalhadores.” afirma Adriana.
Nesse contexto desafiador, a mobilização e a participação ativa dos trabalhadores se revelam ferramentas indispensáveis para fortalecer a capacidade de negociação do sindicato e impedir retrocessos. “A entidade luta pelo coletivo e a participação ativa dos trabalhadores nas assembleias, mobilizações e campanhas salariais é o que fortalece a capacidade de negociação do sindicato e impede retrocessos”, salienta a presidente.

Futuro do mercado de trabalho
Adriana elenca reivindicações prioritárias como aumentos salariais reais, que reflitam a real importância dos setores da construção e do mobiliário para a economia local, ampliação de benefícios sociais, melhorias na jornada de trabalho, intensificação da fiscalização das normas de segurança e investimentos em qualificação técnica acessível. A pauta sindical também engloba ações afirmativas para grupos minorizados, buscando equidade e justiça no mercado de trabalho.
Diante das transformações tecnológicas, dos novos modelos de trabalho e dos desafios econômicos, o Sitracom mantém um olhar atento sobre o futuro dos setores da construção e do mobiliário. “Nos preocupamos com o impacto da automação e das novas tecnologias sobre os empregos tradicionais, a fragilização dos direitos com a adoção de modelos de trabalho mais flexíveis e a falta de políticas públicas que garantam proteção social em cenários de inovação disruptiva”, explica a presidente.

Dificuldades do setor
A presidente explica ainda que a principal demanda atual é o reconhecimento e o respeito aos trabalhadores em sua integralidade, com o cumprimento das cláusulas já conquistadas. A luta por salários mais justos é histórica, e o sindicato lamenta a resistência patronal em conceder reajustes mínimos, evidenciando uma concentração entre diferentes setores empresariais para não beneficiar os trabalhadores. A atuação de trabalhadores sem registro em carteira, a terceirização excessiva e a proliferação de contratos precários fragilizam os direitos e expõem os trabalhadores a riscos. “Entre as principais dificuldades enfrentadas destacamos a resistência patronal a reajustes salariais justos, alegando instabilidades econômicas, as tentativas de retirada ou flexibilização de direitos consolidados, especialmente após reformas trabalhistas e a desigualdade de poder nas mesas de negociação”, explica a presidente.

SINDISERP

Neilene Lunelli, presidente do SINDSERP


Ao longo de sua história, o Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Bento Gonçalves (SINDISERP) tem se consolidado como uma voz ativa e essencial na defesa dos direitos e na busca pela valorização dos servidores da cidade. Neilene Lunelli, presidente da entidade, explica que as conquistas que hoje amparam a categoria são inegavelmente frutos das negociações e da luta incessante travada pela entidade sindical, desde a instituição do Plano de Carreira do Magistério e do regime jurídico dos servidores, passando pela implementação do vale-alimentação, até a própria criação do Fundo de Aposentadoria e Pensões dos Servidores de Bento Gonçalves (FAPSBENTO). A constante vigilância em relação a temas cruciais, como a defesa dos direitos dos aposentados frente às reformas previdenciárias, também figura entre as prioridades da atuação da entidade.
Neilene explica ainda que paralelamente à atuação jurídica, o SINDISERP tem promovido uma campanha contínua de esclarecimento à população sobre a realidade do serviço público municipal. O objetivo é desmistificar a visão de que os servidores representam um peso excessivo para o executivo. “Destacamos que somos apenas 30% dos gastos com pessoal, os demais são terceirizados e contratos emergenciais, os quais somos contra, pois o ingresso no serviço público deve se dar com transparência e isso se chama concurso público. O prefeito neste ano afirmou que queria se igualar a iniciativa privada, mas não faz o tema de casa mais simples, por exemplo, onde as empresas pagam na grande maioria mais de 50% dos planos de saúde para seus colaboradores e aqui ele contribui apenas com 5%.”, critica a presidente.
A ausência de diálogo e transparência por parte do Executivo municipal, considerada sem precedentes por Neilene, é vista como uma postura antidemocrática que ignora a representatividade do SINDISERP, entidade legalmente constituída perante o Ministério do Trabalho. Diante desse cenário, o sindicato mantém sua cobrança pela realização da reclassificação de cargos e salários, bem como pela implementação de um plano de carreira que reconheça a qualificação dos servidores. A defasagem salarial é apontada como um fator desmotivador, especialmente para aqueles que ingressaram no serviço público com nível médio e hoje possuem mestrado e doutorado, sem que essa qualificação se reflita em seus vencimentos, comprometendo a qualidade dos serviços prestados à população. “No entanto, o descaso do Executivo tem levado bons profissionais a buscar oportunidades em municípios vizinhos, impactando negativamente o serviço público e o fundo de aposentadoria dos servidores. A substituição de concursados por terceirizados e contratos emergenciais coloca em risco a sustentabilidade financeira do fundo de previdência (FAPSBENTO)”, afirma.

Saúde mental do trabalhador
Outra preocupação constante do SINDISERP reside na saúde ocupacional dos servidores. “O sindicato teve um papel crucial na criação do SESMT e segue atuante no combate ao assédio moral no ambiente de trabalho, sendo um canal de denúncias e intervenção para garantir ambientes mais saudáveis e justos”, lembra.
O SINDISERP tem investido na qualificação da categoria por meio do Projeto Servir, oferecendo capacitações diversas, incluindo pós-graduações em áreas como educação inclusiva, que contribuem para aprimorar a atuação dos servidores e, consequentemente, a qualidade do serviço público. A entidade também mantém uma escola de idiomas que se tornou referência na cidade, além de oferecer cursos livres de interesse de seus sócios e dependentes.
Diante desse panorama desafiador, o SINDISERP reafirma seu compromisso de seguir na luta por melhores condições de trabalho, valorização salarial e reconhecimento profissional. A mobilização dos servidores é considerada essencial para enfrentar os obstáculos e garantir a preservação de seus direitos

Atuação recente
Nos últimos dias, o SINDISERP desmentiu as tentativas do Executivo de colocar a categoria contra a entidade, após a disseminação de um e-mail que vinculava o sindicato a uma ação de uma federação referente ao desconto do imposto sindical nos anos de 2013 a 2017, período anterior à atual gestão. A justiça concedeu uma liminar suspendendo o desconto integral na folha de pagamento do imposto sindical referente aos anos de 2013 a 2017, conforme havia sido anunciado pelo Executivo.