Considerada pela Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural do Rio Grande do Sul como a seca mais severa desde 2012/2013, a estiagem que se alastra pelo estado já causou prejuízos de mais de R$430 milhões, segundo dados fornecidos pelos municípios no Formulário de Informação de Desastre. Esse valor, no entanto, deve ser consideravelmente maior, uma vez que, desde essa projeção, outras nove cidades decretaram Situação de Emergência.
De acordo com o levantamento mais recente da Defesa Civil do Estado, até o momento, 114 municípios gaúchos já foram afetados pela seca. O número é 178% maior do que o registrado em 2018, a última estiagem relevante ocorrida no Rio Grande do Sul. Na Serra Gaúcha, além de Santa Tereza, outras sete cidades decretaram Situação de Emergência: São Valentim do Sul, Nova Bassano, Paraí, São Domingos do Sul, Vila Maria, Serafina Corrêa e Nova Araçá.
Embora sem a necessidade de solicitar Situação de Emergência, a chuva abaixo da média também prejudicou a produção agrícola em Carlos Barbosa e Monte Belo do Sul, além de diminuir o nível de água da única barragem de Garibaldi para um terço. Em Bento Gonçalves, os danos foram menores e pontuais, enquanto em Pinto Bandeira, não foi registrado prejuízo, de acordo com a Administração Pública.
Barragem de Garibaldi conta com menos de um terço de sua capacidade
Os dias chuvosos desta semana não foram suficientes para resolver os problemas de captação de água registrados em Garibaldi, devido à estiagem. A barragem do Marrecão encontra-se com menos de um terço de sua capacidade. A altura de transbordo é de pouco menos de 4 m, sendo que atualmente conta com 1,20 m.
Para contornar o problema, desde o dia 20 de fevereiro, o município tem transportado água em caminhões-pipa a partir de pontos de captação de Farroupilha. Em paralelo, a Corsan também trabalhava com perfuração de um poço de 164 m, próximo à barragem, o qual foi finalizado ontem, 28, conforme afirma o superintendente regional da Corsan Nordeste, Tiago Dellanhese. “Esse poço dará em torno de 50 metros cúbicos/hora. É praticamente metade da capacidade dos caminhões, que transportam cerca de 1200 metros cúbicos por dia. Isso vai desafogar um pouco a questão do transporte”, assinala.
Apesar do baixo nível de água na barragem, Dellanhese afirma que não há problemas no abastecimento de água em nenhum ponto da cidade. “A baixa na reserva do manancial não é o motivo para nenhum caso de falta de água. O sistema está sendo atendido integralmente. Então o que pode ocorrer é uma questão pontual de manutenção de rede. Em nenhum momento tivemos racionamento, logo se algum morador tiver alguma situação atípica, pedimos para entrar em contato conosco”, pontua.
Se por um lado a estiagem provocou o alerta pela diminuição da água na barragem, na lavoura praticamente não houve danos. Segundo o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Garibaldi, Luciano Rebelatto, a falta de chuva nos meses iniciais de 2020 acabou por colaborar com uma maior qualidade na uva, principal produto agrícola do município, a ponto de quase compensar a perda da produção ocasionada pelos temporais de outubro e novembro do último ano. “Na época tínhamos estimado uma quebra na safra de 30% e isso está se concretizando. A perda no peso, no entanto, está sendo compensada pela qualidade da uva. Por isso, o bolso do agricultor não sentirá tanto”, sublinha.
Em Santa Tereza, perda de hortifrutigranjeiros chega a 70%
O município que decretou Situação de Emergência no dia 14 de janeiro, após um período prolongado de mais de 60 dias de estiagem, segue sofrendo com a escassez de chuva. Apesar disso, após a perfuração de um novo poço, a situação está normalizada e há pelo menos 15 dias não houve mais registro de problemas com abastecimento de água.
Segundo dados da Emater presentes no Decreto nº 1.181/2020 assinado pelo prefeito Gilnei Fior, pelo menos 40% da produção agrícola, em culturas como uva, milho e hortaliças, foi afetada pela seca, ocasionando um prejuízo estimado de mais de R$ 7,69 milhões. Além disso, danos sofridos nos equipamentos de abastecimento de água potável e os investimentos necessários para o transporte de água por caminhão-pipa — utilizados entre dezembro e janeiro para levar água da parte central do município aos morros — acarretaram em custos de aproximadamente R$20 mil. “O problema principal era a quebra da produção agrícola e o abastecimento da água em algumas comunidades do município, o que motivou o pedido de situação de emergência. Ao todo temos 12 poços que abastecem a cidade e, em janeiro, tivemos problemas em quatro bombas. Abrimos um novo poço em uma região que estava sofrendo mais com falta de água, e isso ajudou. Estamos conseguindo manter agora”, explica o vice-prefeito, Ivonei Chimento.
De acordo com ele, a situação das lavouras também está controlada, uma vez que 95% da safra da uva já foi finalizada. Os maiores prejudicados, entretanto, foram os produtores hortifrutigranjeiros de tomate, mandioca e hortaliças que perderam cerca de 60% a 70% da produção. Embora não haja racionamento na cidade, os poços estão funcionando no limite. Por isso, Chimento destaca a necessidade de manter a conscientização. “Estamos divulgando nos meios de comunicação e na internet, pedindo esse cuidado da população, para se evitar o desperdício. Não está faltando água, mas poderia faltar”, finaliza.
Racionamento em Monte Belo do Sul
Outra cidade da região que tem sofrido com a estiagem é Monte Belo do Sul, que além de uma perda estimada de 30% na safra de uva, conta também com problemas de abastecimento de água. Segundo o secretário municipal da Agricultura e do Meio Ambiente, Eder Angelo Zaffari, o município chegou a cogitar um Decreto de Situação Emergencial, mas com a recente ajuda do Estado para a perfuração de novos poços, a ideia foi descartada.
Ainda assim, e mesmo com as chuvas recentes, a situação ainda preocupa. “Já perfuramos quatro poços e estamos criando mais dois em convênio com o Estado. Aqui é tudo por poços artesianos e não estavam dando conta. Estamos tendo racionamento. De noite desligamos a água na sede, mas ainda temos problemas com abastecimento”, conta.
Safra do milho deve sofrer quebra em Carlos Barbosa
Apesar da colheita só começar em abril, o que impossibilita uma estimativa, a estiagem deve causar prejuízos aos produtores de milho. De acordo com o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Carlos Barbosa, Vilson Cichelero, a chuva de terça-feira, 25, amenizou um pouco a situação do município, mas a falta de água dos meses anteriores deve ser sentida mais adiante. “Só vamos saber qual será a perda com a colheita. Mas já se estima que vai se perder uns 30%, pois na época da floração faltava água e o próprio solo queimava o milho”, pontua. Segundo informações passadas pela Secretaria de Agricultura, nos plantios mais tardios a perda está calculada em 20%, enquanto nas plantações ocorridas mais cedo, as perdas podem chegar a 50%.
Devido a maior parte do milho da cidade ser destinado a silagem, processo onde se armazena alimentação para o gado, também há a possibilidade de que os produtores de leite sofram prejuízos. Além disso, destaca Cichelero, a produção de frutas cítricas é outra que pode ser afetada. “As plantas conseguiram manter os frutos nas árvores, mas pelo período de seca, eles devem cair ou rachar”, lamenta.
Em Bento Gonçalves, situação é considerada normal
Ao contrário das cidades vizinhas, a estiagem não parece ter causado grandes transtornos na Capital do Vinho. De acordo com o secretário de Desenvolvimento da Agricultura, Dorval Brandelli, não há falta de água na área urbana e nem na rural, enquanto as perdas na agricultura devem ser compensadas pela qualidade da safra. Acerca da distribuição de água, ele assinala que a principal barragem de Bento Gonçalves, a São Miguel, tem mantido seus níveis estáveis, enquanto que a do Barracão passa por processo de dragagem para ampliar a capacidade de armazenamento. No interior, nem mesmo São Luiz das Antas, única comunidade sem rede de água potável conjunta, tem registrado problemas.
Na produção agrícola, a estimativa é de uma redução de 15 a 20% no volume de uva, comparado com a safra anterior. A exemplo de Garibaldi, a seca, no entanto, deve garantir um produto de maior qualidade. “Financeiramente, o produtor terá um acréscimo no valor da uva, em função da significativa melhoria na qualidade, que senão zera a diferença reduz o prejuízo”, assinala Brandelli. Quanto às outras culturas, destaca que não foram significantemente atingidas. “Os produtores de hortigranjeiros têm fontes próprias ou locais de captação e depósitos que conseguiram manter suas produções. Já as frutíferas, por estarem em sua grande maioria localizadas no Distrito de São Pedro, localidade que teve algumas precipitações a mais, tiveram produções satisfatórias, com frutas com boa cor e qualidade”, finaliza