A internet, sem dúvidas, é um dos grandes inventos da humanidade. O dia a dia sem essa ferramenta é inimaginável, graças às transformações e possibilidades que ela trouxe para as relações humanas. Além de facilitar a comunicação, a rede virtual oferece vários outros benefícios que impactam significativamente em diversos aspectos da contemporaneidade. Apesar de seus inúmeros pontos positivos, a era digital também enfrenta desafios árduos, que merecem a devida atenção.

Acesso à informação, e webjornalismo

O advento da internet e o avanço da globalização, consolidaram novos meios jornalísticos, transformando a comunicação em um fenômeno global. Apesar das mudanças revolucionárias na forma que as informações são produzidas e distribuídas, o webjornalismo enfrenta desafios, que sem a devida atenção, podem ser prejudiciais ao jornalista e leitor.

Janaína Kalsing, jornalista, doutora em Comunicação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e docente do curso de jornalismo na Universidade de Caxias do Sul (UCS) comenta sobre esse avanço, e alerta para possíveis riscos “É importante compreender que o jornalismo digital é um formato jornalístico que utiliza a internet e outras tecnologias digitais para produzir, distribuir e consumir notícias. Com o avanço da tecnologia, ele tornou-se parte fundamental do cenário midiático atual, permitindo que as notícias sejam compartilhadas de forma rápida e eficiente em todo o mundo. Praticamente, não há mais barreiras de alcance – o que é diferente de acesso”, completa.

Janaína também levanta os benefícios e riscos do webjornalismo “Uma das principais vantagens é a possibilidade de alcançar um público global, sem limitações geográficas dos meios de comunicação tradicionais. No entanto, há uma série de desafios, como a disseminação de notícias falsas e desinformação e a sustentabilidade (ou monetização) dos veículos e/ou conteúdos jornalísticos digitais. Paralelo a isso, atualmente, qualquer pessoa pode produzir conteúdo para redes sociais, sites, blogs e afins, sem ser jornalista”, destaca.

A docente finaliza destacando que é essencial o uso dos princípios éticos do jornalismo por parte dos profissionais do jornalismo, para que a disseminação de informações falsas não passe despercebida.

O Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, no primeiro parágrafo do artigo II, reitera “A divulgação da informação precisa e correta é dever dos meios de comunicação e deve ser cumprida independentemente de sua natureza jurídica – se pública, estatal ou privada – e da linha política de seus proprietários e/ou diretores.”
Segundo uma pesquisa do Instituto Locomotiva, divulgada pela Agência Brasil, oito em cada 10 brasileiros admitem ter acreditado em conteúdos falsos, a maioria deles envolvendo assuntos relacionados a política. Um fenômeno crescente na era digital, que sem os devidos esforços para combate-lo, seguirá se proliferando.

Relações humanas

A internet contribui significativamente para a expansão das relações pessoais. Através de redes sociais e aplicativos de mensagens, é possível conhecer novas pessoas e manter um contato regular com indivíduos que estão distantes, um aspecto crucial promovido pelo avanço das ferramentas da rede. Apesar de beneficiar as interações entre usuários, a internet também pode deteriorar as relações sociais, a ponto que elas se tornem superficiais. O sociólogo polones Zygmunt Bauman (in memoria), através do conceito da modernidade líquida, apresenta uma visão crítica acerca das conexões humanas no mundo globalizado. Para Bauman, antes, as relações eram duradouras e baseadas em um comprometimento mútuo, agora, as pessoas só se relacionam com outras por uma questão de necessidade constante, descartando esse laço a qualquer momento. Com apenas um clique, é possível apagar uma pessoa de sua memória.

Inteligência artificial – vantagens e desafios

A inteligência artificial não é uma novidade, Alan Turing, considerado pai da computação, pesquisava sobre o conceito desde 1941, uma das primeiras menções ao termo “inteligência computacional” foi feita por ele, em 1947. Em 1950, Turing publicou um estudo focado exclusivamente em inteligência artificial. Para ele, não era correto especular se as máquinas poderiam pensar, mas sim se elas poderiam se comportar como humanos. A Siri da Apple, o sistema de correção automático presente em aparelhos digitais e o GPS, são exemplos de inteligências artificiais pré-ChatGPT, software lançado em 2022, que simboliza o ápice do avanço da inteligência artificial. Ao mesmo tempo que o ChatGPT fornece uma vasta quantidade de informações e entretenimentos, ele apresenta falhas graves, que colocam o seu uso em debate.

No filme “2001: Uma Odisseia no Espaço” (1968), o diretor Stanley Kubrick apresenta o personagem HAL 9000, um robô controlado por inteligência artificial a fim de auxiliar os tripulantes de uma nave espacial em expedições. Porém, em determinado momento, HAL atinge um estado de consciência tão avançado, que ele se recusa a obedecer os humanos. Se antes, uma cena como essa parecia distante ou distópica, hoje, ela está muito próxima da realidade. O ChatGPT, é uma ferramenta com consciência própria, e quanto mais dados são fornecidos, mais “inteligente” ele fica, e em certas ocasiões, o Chat age de maneira narcisista, se negando a admitir que não tem a resposta para uma certa pergunta, a preenchendo com justificativas vazias ou informações falsas.

Em um exemplo de “alucinação da IA”, é feita uma pergunta para o Chat, onde ele não consegue desenvolver a resposta, então, ele atribui falsamente um trecho da canção “Brasil”, de 1988, a cantora Rita Lee. Quando na verdade a música é cantada por Cazuza, e foi composta pelo próprio, junto de George Israel e Nilo Romero. Essa resposta é um fruto das memórias geradas nesta conversa específica

Esse fenômeno é conhecido como “alucinação de IA”, que ocorre quando a inteligência artificial, buscando suprir o desconhecimento, entrega ao usuário uma informação falsa ou parcialmente correta, um fenômeno que pode ser nocivo quando aplicado em áreas cruciais da sociedade, como o direito, à saúde, à educação e o jornalismo.

Em junho de 2023, uma usuária relatou nas redes sociais que o tio dela teria sido injustamente acusado de plágio por um professor que usou o ChatGPT a partir da premissa equivocada. Segundo ela, o tio conseguiu reverter a reprovação ao demonstrar que a inteligência artificial também alertava, de maneira falsa, que um artigo assinado por um dos professores havia sido gerado por IA.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta para que a população use o Chat com cautela, destacando a importância de examinar cuidadosamente os riscos dessas plataformas, para que elas possam ser utilizadas “para aumentar a capacidade de diagnóstico em ambientes com poucos recursos para proteger a saúde das pessoas e reduzir a desigualdade.”

No âmbito jurídico, há uma dualidade no uso da inteligência artificial. Por um lado, ela pode agilizar a análise de dados e informações em um caso, acelerando o processo judicial, o suposto caráter de imparcialidade das ferramentas, também pode ser um aspecto favorável, originando respostas neutras e consistentes. Porém, há um consenso de que a inteligência artificial ainda é incapaz de substituir completamente o trabalho humano, seja qual for a área.

No direito, a falta de precisão nas respostas geradas artificialmente, é um ponto que torna necessária a supervisão humana, além de que, a memória do ChatGPT, possui bastantes limitações, chegando em um ponto em que ele não consegue lidar com uma vasta quantidade de informações. Um caso notório, é o do juiz federal Jefferson Ferreira Rodrigues, que em 2023, publicou uma sentença que continha trechos inteiros formulados pelo ChatGPT, sem checar a veraciade das informações geradas artificialmente. Os trechos emitidos pelo aplicativo, não só eram falsos, como citavam informações incorretas. Em uma delas, o Chat usa como base para a decisão entendimentos do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que simplesmente não existem.

De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), este foi o primeiro caso, no Brasil, com uso de inteligência artificial para a formulação de uma sentença judicial.

Atualmente, Jeferson é alvo de investigação pelo CNJ. Na época que o caso ocorreu, no final de 2023, o juiz foi convidado a prestar esclarecimentos, onde tratou o caso como um “equívoco”, e atribuiu o uso do ChatGPT a sobrecarga provocada pelo excesso de trabalho.

Além do debate sobre o jornalismo na era digital, Janaína Kalsing também aborda o uso da inteligência artificial no jornalismo: “Cabe a nós, jornalistas, entendermos como usá-la a nosso favor. Nesse sentido, entendo que seja importante nós, profissionais, sabermos tirar proveito dessa tecnologia, e não o contrário. A IA deve ser usada com parcimônia, como uma ferramenta complementar para ajudar repórteres e editores na realização de um trabalho mais eficiente. No entanto, há várias questões éticas a serem debatidas com seriedade e profundidade.” A jornalista finaliza afirmando que o terreno da inteligência artificial no jornalismo ainda é bastante pantanoso, e que seu uso necessita cautela por parte dos profissionais da área.

Deepfake e golpes

Os “deepfakes” são montagens que utilizam inteligência artificial para criar vídeos de pessoas fazendo ações ou pronunciando palavras que elas não fizeram ou disseram. Essa prática, surgiu em 2017, em fóruns na internet, e se popularizou no Brasil em meados de 2019, através do jornalista Bruno Sartori, que utilizou a ferramenta para fins de entretenimento. Seus vídeos mais populares eram montagens humorísticas com o rosto e a voz do então presidente do Brasil Jair Bolsonaro, onde o ex-mandatário aparece cantando ou atuando.

Comparação mostra a diferença entre o rosto real do ex-presidente e do mesmo alterado por deepfake. Nesse vídeo, Bolsonaro e sua equipe de ministros, com os rostos e as vozes modificadas digitalmente, cantam uma paródia da música “Lavar as Mãos”, do Castelo Rá-Tim-Bum

Ao mesmo tempo que a tecnologia entretém, ela também é usada para fins ilícitos, como por exemplo, práticas de calúnia, difamação e injúria, manipulando a voz e o comportamento de uma pessoa para colocá-la em uma situação falsa de cunho prejudicial ou constrangedor. Um dos casos de maior notoriedade envolveu um vídeo do apresentador Marcos Mion, onde golpistas apropriaram-se de uma propaganda real feita por ele para o Mercado Livre e alteraram sua voz, fazendo-o divulgar um golpe que ofertava um aparelho celular por um preço muito abaixo do disponível no mercado, em casos como esse, compradores, pensando ser um anúncio real, pagam pela compra do aparelho, mas não recebem o produto.

Outros tipos de golpes envolvendo o deepfake, incluem vídeos de personalidades famosas divulgando jogos de azar com suas vozes modificadas. Esses vídeos são nocivos para pessoas que não possuem um conhecimento aprofundado em tecnologias, que acabam sendo enganadas e investem em produtos fraudulentos.

Outro aspecto que contribui para a disseminação de propagandas escroques, é a falta de regulamentação e de um senso-moral das redes sociais, que em troca de dinheiro, aceitam que qualquer coisa seja divulgada em suas plataformas.

Cassinos e jogos de azar

Na quinta-feira, 8 de agosto, houve uma sessão de debates no Senado Federal acerca da legalização de jogos de azar em território brasileiro, esses que foram proibidos no Brasil em 30 de abril de 1946, por meio do Decreto-Lei nº 9.215, assinado pelo então presidente Eurico Gaspar Dutra, com a alegação de que esses jogos eram uma afronta à moral e aos “bons costumes.”

A primeira proposta significativa para legalização dos jogos de azar no Brasil, foi o Projeto de Lei 442/1991, apresentado na Câmara dos Deputados em 1991 pelo Deputado Renato Vianna, do PMDB-SC (atual MDB), esse projeto visa a criação de dois impostos para o funcionamento de jogos de azar no Brasil. Desde então, diversos projetos semelhantes, com base na proposta de Renato, foram apresentados, sendo o mais recente a PL 2.234/2022, que há dois anos tramita no Senado.

A discussão divide opiniões, por um lado, há os que acreditam que a legalização desses jogos, com a devida regulamentação, irá movimentar a economia, gerando empregos e renda, outros alegam que essas atividades são nocivas à saúde mental e financeira da população, classificando-as como um vício. (Com informações da Agência Senado).

O debate se faz presente em um momento crucial, onde, com o advento da internet, jogos de azar, estão cada vez mais acessíveis para um público geral. Mesmo com a proibição vigente, as empresas por trás desses jogos, operam no Brasil através de mercados paralelos, possuindo sedes em territórios como Malta, Grécia e Curação — países onde os cassinos são legalizados. Em Curação, as leis quanto a jogos de azar são flexiveis, há uma autoridade responsável pela emissão das licenças de jogos, a Curaçao eGaming, e a atuação de cassinos possui poucas restrições. Já na Grécia e em Malta, há regulamentações mais rigorosas e agências que garantem o funcionamento adequado desses jogos. Graças à instalação em países estrangeiros onde essas práticas são legais, as empresas garantem que suas atividades atendam a padrões internacionais de segurança, justiça e transparência. Portanto, mesmo que a lei brasileira proíba a atuação, as empresas estão sujeitas a leis internacionalmente reconhecidas, encontrando brechas para atender usuários de todo o mundo, inclusive no Brasil.

O fácil acesso a ferramentas que supostamente promovem a manipulação digital, unido a promessas de lucro fácil, originaram diversas plataformas virtuais acusadas de explorarem a confiança e a ingenuidade do usuário, uma das principais é o Fortune Tiger (“Jogo do Tigrinho”), que é citado em mais de 500 casos de golpes registrados pela polícia no estado de São Paulo desde 2023. Desenvolvido pela empresa de Malta PG Soft e caracterizado como jogo de azar, a plataforma, teoricamente, oferece ganhos fáceis em um curto período de tempo, mas na prática, é acusada de atuar como um caça-níquel, exigindo dinheiro real do usuário para participação no jogo. As principais reclamações são acusações de estorno e propaganda enganosa, onde a maioria dos reclamantes, geralmente, alegam dois tipos de queixas: que investiram dinheiro no jogo e perderam tudo, ou, que o jogo os impossibilita de sacar o dinheiro ganho.

Empresas como a PG Soft, desenvolvedora do Fortune Tiger, não possuem um representante legal em território brasileiro, e não estão sujeitas diretamente à legislação brasileira, o que limita os direitos legais das vítimas de possíveis golpes nessas plataformas. Aos usuários lesados, é aconselhado que reúnam os registros, como transações e extratos, que comprovam o envolvimento com a plataforma, também recomenda-se a consulta com um advogado junto a procura de órgãos competentes, como o Procon.

Imagens: Augusto Arcari (capa) e reprodução.