Indivíduos presos com mais de 300 kg de entorpecentes foram soltos em 24h. Promotoria do Ministério Público e a AJURIS levantaram posicionamentos, recentes, favoráveis ou contrários à decisão de juíza
Em 24 horas, seis de oito presos em operação da Brigada Militar contra o tráfico de drogas foram soltos em Bento Gonçalves. Policiais militares apreenderam mais de 300 kg de entorpecentes em posse dessas pessoas, entretanto, eles foram liberados sob a justificativa de que a operação não possuía a legalidade correta frente ao que deveria ter sido feito pelos agentes. Promotoria do Ministério Público do município, bem como a Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (AJURIS) se manifestaram de forma contrária ou positiva à decisão de juíza que concedeu liberdade aos indivíduos.
A grande apreensão da Brigada
O caso que gerou repercussão no judiciário de Bento, nesta semana, iniciou ainda na segunda-feira, 13 de junho, quando os policiais do 4º Batalhão de Polícia de Choque (4ºBPChq), sediado em Caxias do Sul, desarticularam um depósito e um centro de distribuição de drogas na cidade. Ao todo, os agentes recolheram dos locais 314,5 kg de maconha e 385,5 gramas de cocaína. Todas apreensões aconteceram nos bairros São Roque e Fenavinho.
Além dos entorpecentes, o 4º BPChq também apreendeu balança de precisão, materiais para embalagem de drogas, diversos objetos como facas, rádio comunicadores, aparelhos celulares, placas de veículos, coletes à prova de balas, máscaras, que supostamente seriam utilizadas em ataques a bancos, entre outros itens. Seis veículos, sendo quatro motocicletas e dois carros, também foram retidos.
Todos os itens recolhidos estavam conectados a oito indivíduos, que foram presos, simultaneamente, ao longo da operação da Brigada. A maior parte deles é jovem, mas quase todos possuem antecedentes criminais, que variam de posse de entorpecentes até lesão corporal e homicídio. Eles foram levados para a Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento (DPPA), onde tiveram o auto de prisão em flagrante registrado. Posteriormente, foram encaminhados para a Penitenciária Estadual de Bento Gonçalves, onde a maioria ficou por algumas horas.
Soltos em 24h
No dia seguinte, na terça, 14, uma decisão da 1ª Vara Criminal de Bento Gonçalves, que julga prisões e crimes no município, colocou seis dos presos em liberdade. De acordo com a juíza Fernanda Ghiringelli da Azevedo, que tomou a decisão neste caso, parte da operação transcorreu de forma equivocada, pois não havia um mandado de busca e apreensão contra os indivíduos. Isso foi suficiente para ela apontar uma falha de questão técnica na ação da Brigada Militar.
Todos foram ouvidos em fórum por Fernanda, a pedido do advogado de defesa dos presos, que apontou o erro no procedimento. Segundo ele, os Policiais Militares, no momento em que descobrissem as drogas, deveriam ter comunicado o Serviço de Inteligência da Polícia Civil, para que o mesmo seguisse com os trâmites legais até a emissão de um mandado.
A decisão da juíza foi homologada e os seis envolvidos foram liberados para responder ao processo em liberdade provisória. Além da reconhecida falha na operação, identificada pelo juizado, o fato de um dos presos não ter antecedentes criminais, assim como a alegação de inadimplência dos agentes, também foram levados em conta na decisão da audiência de custódia.
Resposta da promotoria de Bento
Na quarta, 15, a promotoria do Ministério Público (MP) de Bento Gonçalves convidou a imprensa da cidade para uma coletiva sobre a decisão da juíza. O promotor Manoel Figueiredo Antunes, que atua na área combatendo a criminalidade e fiscalizando penas, demonstrou indignação diante da decisão de soltura na terça.
Segundo ele, o julgamento de Fernanda foi equivocado, pois coloca de lado a Constituição Federal, que em um dos seus artigos aprova a entrada da polícia em domicílio para combate de delito em andamento. Figueiredo afirmou que o tráfico de drogas é um crime constante, portanto, seria cabível a operação da Brigada ter transcorrido sem utilização de mandado de busca e apreensão.
O promotor falou, em nome de seus colegas, que todo o MP não compactua com a atitude da juíza. “A Brigada Militar e a Polícia Civil precisam ter seu excelente trabalho reconhecido nessa cidade e a sociedade, sobretudo, precisa ser protegida. O que estamos vendo aqui é uma completa distorção da técnica jurídica com o objetivo simplesmente não compreensível”, definiu.
Figueiredo declarou que esse tipo de decisão e postura da 1ª Vara Criminal aumenta o retrabalho da justiça, ao mesmo tempo em que incentiva a prática de tráfico de drogas, pois diminui a sensação de penalidade aos praticantes do delito. “As pessoas que estão expostas à violência são aquelas pobres, que acordam às 6h da manhã e vão para a parada de ônibus ter o seu celular subtraído. São as que chegam em casa de noite e tem que passar em frente a uma boca de fumo e pedir ‘licença’ para traficante para entrar em casa. É esse tipo de população que temos que defender. São eles que parecem esquecidos através de minúcias jurídicas” defendeu.
O MP entrou com uma medida cautelar que será remetida ao Tribunal Superior de Justiça, recorrendo à decisão da 1ª Vara. A intenção da promotoria é reverter o julgamento, para que as prisões sejam reestabelecidas o quanto antes, entretanto, conforme explicou Figueiredo, isso pode levar de 10 meses a um ano. As promotoras Lisiane Messerschmidt Rubin e Carmem Lúcia Garcia, bem como representantes da Brigada Militar, Polícia Civil, Guarda Civil Municipal e Polícia Rodoviária Federal, estiveram presentes na coletiva.
Manifestação dos juízes do Estado
Na quinta-feira, 16, o diretor da AJURIS, Cláudio Luís Martinewski, publicou uma nota oficial no site da instituição para demonstrar apoio ao julgamento da juíza Fernanda. Segundo ele, a coletiva feita pelo promotor foi legítima, como meio de expressão, mas inadequada na forma e argumentos utilizados. O dirigente afirmou que o recurso por si só, que o MP já protocolou, é uma forma de demonstrar inconformidade.
A AJURIS, portanto, se demonstrou favorável a decisão da magistrada, em soltar os indivíduos, pois a associação também concorda com o embasamento jurídico que foi utilizado. “O ato judicial preenche rigorosamente os requisitos exigidos pelo sistema normativo, notadamente o embasamento fático e jurídico pelos quais, para alguns flagrados, impunha-se a prisão preventiva e, para outros, não, salientando-se que a prisão em flagrante não importa segregação cautelar automática dos flagrados”, escreveu.
Desde a sexta, 17, não foram emitidos novos comunicados acerca da soltura dos indivíduos. O recurso do MP seguirá na justiça e poderá levar meses para que a ação seja revista por uma outra vara do processo criminal. No momento, seis do oito homens seguem com liberdade provisória até o fim do processo vigente sobre a posse de mais de 300 kg de entorpecentes.