Um setor que vem crescendo a cada ano no Brasil, mas que encontra uma certa dificuldade de aceitação em Bento Gonçalves. A produção artesanal no ramo vem inovando em sabores e qualidade, a fim de mudar isso

De acordo com dados recentes do Ministério da Agricultura e Pecuária, as cervejarias brasileiras têm demonstrado um crescimento significativo no mercado, com um total de 42.831 produtos e 54.727 marcas de cerveja registrados até o momento. Em comparação com 2021, houve um aumento de 19,8% no número de novos produtos, o que equivale a 7.090 produtos adicionais.

O crescimento é predominantemente concentrado nas regiões Sul e Sudeste do país, que juntas representam 91,8% de todos os produtos registrados nas cervejarias nacionais. Essa concentração reflete a força desses territórios no setor, consolidando-as como os principais polos de inovação e produção no Brasil.

Localizada na Serra Gaúcha, Bento Gonçalves é amplamente reconhecida por suas tradições vinícolas e paisagens deslumbrantes, mas, nos últimos anos, a cidade também tem se destacado pela crescente produção de cerveja. A região, que já possui um terroir único para a produção de vinhos, agora, se beneficia dessas características naturais e da cultura local para desenvolver cervejas artesanais únicas e de alta qualidade.

Os produtores locais combinam técnicas tradicionais com inovações modernas, valorizando ingredientes regionais e criando uma diversidade de estilos que agradam tanto a apreciadores quanto a novos consumidores.

Cervejaria Brewine Leopoldina

Entre as diversas histórias de sucesso, destaca-se a Cervejaria Leopoldina, fundada em 2016, pela renomada Famiglia Valduga, tradicionalmente conhecida por sua produção de vinhos de alta qualidade. Para entender melhor essa transição do vinho para a cerveja e os desafios enfrentados no caminho, entrevistamos o enólogo e Superintendente do Grupo Famiglia Valduga, Eduardo Valduga.

A cervejaria nasceu da vontade de unir a experiência enológica com as práticas cervejeiras, criando produtos que fossem ao mesmo tempo inovadores e fiéis às tradições vitivinicultoras. A sede, localizada em Garibaldi, foi uma estratégia, devido à qualidade da água disponível na região, essencial para a produção de cervejas de alto nível. “O local conta com um sistema de tratamento de água de excelência, que é essencial para a produção de cervejas artesanais de excelência. A recepção dos consumidores foi extremamente positiva desde o início, com grande valorização do nosso padrão e autenticidade das nossas cervejas, que carregam o terroir da região”, explica Valduga.

A Leopoldina produz uma variedade de estilos, desde clássicos como IPA, Pilsner e Witbier, até criações premiadas como Italian Grape Ale, Tripel, Imperial Stout e Quadrupel. “O que torna nossas cervejas únicas é o cuidado artesanal e o uso de ingredientes de altíssima qualidade, combinados com técnicas de produção que trazem inovação sem perder o respeito pelas tradições cervejeiras”, diz. Ele destaca que cada cerveja é pensada para proporcionar uma experiência sensorial única, refletindo o melhor da cultura cervejeira europeia, mas com um toque brasileiro.

Processo de produção artesanal

O enólogo detalha o processo de produção da cervejaria, que começa com a cuidadosa seleção dos ingredientes. “Priorizamos maltes, lúpulos e leveduras de alta qualidade. A água, que é um elemento vital, passa por rigorosos processos de tratamento para garantir sua pureza. A brassagem é feita com técnicas precisas para extrair o máximo de sabor e aroma dos ingredientes. Após a fermentação, a cerveja passa por um período de maturação em condições controladas para atingir o ponto ideal antes de ser filtrada e engarrafada. Todo o processo é acompanhado de perto para garantir que cada lote mantenha o padrão de excelência”, explica.

A Leopoldina valoriza a utilização de ingredientes locais, especialmente a água proveniente da Serra Gaúcha, considerada um dos maiores tesouros da região. Além disso, a cervejaria explora seu terroir único ao incorporar variedades de uvas como Chardonnay, Pinot Noir e Sauvignon Blanc em suas receitas. A sustentabilidade também é uma prioridade para a cervejaria, que adota práticas como a reutilização de subprodutos, o tratamento de efluentes e o uso eficiente de energia e água.

A produção de cerveja artesanal, embora gratificante, enfrenta seus desafios. “Um dos maiores obstáculos é manter a consistência e a qualidade em cada lote produzido, especialmente com as variações naturais dos ingredientes. Além disso, o mercado de cervejas artesanais é altamente competitivo, exigindo constantes inovações para atender às expectativas dos consumidores”, comenta Valduga. Na comercialização, a logística e a manutenção da integridade do produto durante o transporte são problemas constantes, principalmente para regiões mais distantes.

Cervejaria Bznjabier

A história da cervejaria iniciou-se de forma pouco convencional. Roberto Cavalett, o mestre cervejeiro por trás da marca, revelou que tudo começou como uma curiosidade. Após participar de um curso básico de cerveja caseira, ele foi fisgado pelo fascinante mundo das cervejas artesanais. “O começo foi desafiador, pois era uma tarefa que não tinha nenhuma habilidade”, relembra. No entanto, o que começou como um hobby logo evoluiu para algo maior. Insatisfeito com a limitação, Cavalett, junto com sua esposa e diretora do negócio, Cristiane Patrícia Martins, decidiu transformar a paixão em profissão, iniciando a construção da indústria e do Beer Garden da Bznjabier, como sempre sonharam.

Produção artesanal

A produção na cervejaria é um processo meticuloso e apaixonado, segundo ele. “O produto tem que ser pensado com algum fator relevante, para deixar a cerveja a cara da Bznjabier”, conta. Após a escolha do estilo de cerveja que será produzido, o processo passa pela criação da receita e seleção dos ingredientes.
Os procedimentos envolvem etapas complexas, como a moagem dos maltes, brassagem para extração de açúcares, e a adição de lúpulos para conferir amargor e aroma. A mágica acontece quando as leveduras transformam o mosto em cerveja, resultando na bebida que tem conquistado paladares. “Quando os ingredientes chegam, os maltes são pesados e depois moídos para extrair todo o extrato que será transformado em açúcares para o fermento se alimentar e transformar esse açúcar em álcool etílico. A brassagem é o processo quente onde extraímos e quebramos os açúcares complexos da maltose, finalizando com a fervura onde será adicionado os lúpulos, “as flores da cerveja” que nos trazem o amargor e os aromas, que são os queridos dos apreciadores da nossa bebida, além de ser um conservante natural”, explica o cervejeiro.

Cristiane destaca que a inovação é parte essencial da Bznjabier. Atualmente, a cervejaria está desenvolvendo receitas com lúpulos cultivados no Brasil e utilizando uvas de produção própria para criar uma cerveja especial. Essas escolhas não apenas conectam a cervejaria à rica cultura local, mas também oferecem aos consumidores uma experiência única.

Problemas enfrentados e visão para o futuro

Apesar do sucesso crescente, a jornada do casal no ramo não foi fácil. Um dos maiores desafios enfrentados pela Bznjabier é se destacar em uma região conhecida principalmente pela produção de vinhos, além disso as enchentes de maio trouxeram dificuldades inesperadas. “Ficamos 40 dias sem reabrir, pois tivemos que reconstruir a ponte de acesso à cervejaria, além de enfrentar outras dificuldades financeiras”, conta Cristiane, ressaltando a resiliência necessária para superar tais obstáculos. No entanto, essa localização oferece uma oportunidade singular: os turistas, que, inicialmente atraídos pelos vinhos, acabam surpreendidos e encantados pela cervejaria.

Segundo os sócios, os consumidores locais têm reagido de forma positiva às cervejas da Bznjabier, com destaque para as IPAs, que se tornaram as preferidas. Para Cavalett, o maior aprendizado ao longo dessa jornada, foi a constante necessidade de aprimoramento, tanto nos processos de produção quanto na gestão do negócio. Um dos maiores orgulhos do mestre cervejeiro é a produção da Sour de Uva, uma receita única desenvolvida com a ajuda de um amigo. “Já está agradando os clientes e outros mestres cervejeiros que vem nos visitar, sinto muito orgulho quando os clientes aprovam a cerveja, seja ela qual for o estilo”, afirma.

Apesar dos desafios, Cavalett e Cristiane enxergam um futuro promissor para a cerveja artesanal em Bento Gonçalves e no Brasil. Embora a cultura local ainda esteja fortemente ligada ao vinho e ao consumo de bebidas mais alcoólicas no inverno, ele acredita que há muito espaço para crescimento. “No Brasil, a cerveja artesanal representa apenas uma pequena porcentagem do mercado. Temos muito ainda para crescer e aprimorar as produções para deixar a cerveja mais acessível para todos”, conclui.

Cervejaria Buckel

Fundada em 2019, a empresa passou por uma transformação significativa após Giovano Buckel, CEO da cervejaria, adquirir a totalidade da empresa em 2022. “Em abril de 2020, no início da pandemia, entrei como investidor comprando 50% da empresa. Em março de 2022, adquiri os outros 50% e iniciei uma reformulação total nos produtos”, conta.

Com foco na qualidade e na essência artesanal, a Buckel utiliza métodos de produção manuais, com auxílio da tecnologia para garantir o controle de qualidade. “Nosso foco é em qualidade e nossa essência é artesanal. As novas receitas são pensadas conforme demanda de mercado e conforme nossa criatividade”, explica o CEO. Exemplos dessa criatividade são as cervejas de Butiá e tomate seco, desenvolvidas em parceria com a Agrária Malte, lideradas por Buckel e o mestre cervejeiro Kristiam Terra.
Um dos grandes diferenciais da cervejaria é o uso de ingredientes locais. “As cervejas frutadas utilizamos as frutas que possam ser colhidas em nossas propriedades ou com algum conhecido que não use nenhum tipo de inseticida em suas plantações”, destaca. Além disso, a empresa se orgulha da qualidade dos produtos, que reflete a dedicação em cada detalhe do processo.

Desafios e Inovação

Estar na Capital do Vinho apresenta seus próprios desafios. No entanto, a Buckel encontrou uma maneira de se destacar, oferecendo produtos diferenciados. “O único desafio é a venda local no período de inverno, mas aproveitamos nosso título para ofertarmos a cerveja e o chopp de vinho”, revela. As enchentes de maio impactaram significativamente o negócio. “Como nossas vendas são 100% para dentro do estado, o impacto foi muito grande, com uma redução de 70% na comercialização nesse período”, lamenta.

Apesar dos desafios, a Buckel continua a celebrar suas conquistas. “Temos nosso xodó, que é a IPA sem Álcool, uma cerveja que já ganhou três medalhas em concursos nacionais, o que nos incentivou a fazer outros estilos sem álcool”, compartilha, destacando também a Irish Red Ale, que conquistou uma medalha de ouro no concurso Sul-Americano de Cervejas.

Para o futuro, Buckel se mostra otimista. “É um ramo que cresceu muito e ainda tem muito a crescer. Muitos consumidores ainda têm a opinião de que a cerveja artesanal é muito forte ou pesada, mas, com certeza, encontrarão dentro dos muitos estilos algum que agrade seu paladar”, finaliza.

As cervejarias de Bento Gonçalves e região não apenas contribuem para a economia local, mas também fortalecem o turismo, atraindo visitantes interessados em experiências gastronômicas autênticas e na cultura cervejeira emergente na Serra Gaúcha.