Atrás da casa onde vivi minha infância, uma grande área, entre as Ruas Fernando Abot e 13 de Maio, pertencia a Família Carvalho. Era um terreno cercado e tínhamos respeito para com os proprietários nada fazendo para prejudicar aquela área, mesmo considerada baldia.
Vez por outra fazíamos alguma incursão por entre árvores e arbustos que cresciam desordenados.
Dito terreno era repositório de coisas que meu mano, o Plinio, considerava indesejáveis. Na época pareciam normais coisas que hoje nos educamos para evitar. Jogávamos pilhas de lanterna em qualquer lugar para ver quem lançava mais distante, cascas de melancia voavam sacada abaixo, laranjas eram as bombas para acertar as galinhas do Seu Pedro que ciscavam por lá e muita malandragem se fazia “sem estragar” o terreno. Certamente nunca pensamos que poderíamos colocar nosso pai na cadeia.
Algumas coisas “caiam” da sacada aparentemente por acaso. Dou destaque para um pé de meia de nylon da LUPO que ficou dependurado num galho da figueira e que só foi notado quando as folhas da árvore caíram. Por muito tempo a Dona Blandina procurou o outro pé daquela meia que já tivera muitos remendos, a ponto de doer os dedinhos do pé. O Plinio detestava aqueles carpins.
E veio um dia: o Seu Pedro foi autorizado pelo Dr. Carvalho a fazer uma capina no terreno para as galinhas ciscarem. Lá encontrou coisas do “arco da velha”; a utilíssima xícara sem alça que a Dona Blandina usava para repositório noturno de sua preciosa dentadura; o pano de enxugar louça com três nós atados para “voar mais longe” e, pasmem, o outro pé de meia de nylon da LUPO, com uma coisa que parecia ser uma cebola dentro (…e era uma cebola).
Foi o Plinio, livrando-se de tudo, que jogou tudo às escondidas. Colocou apenas a cebola num pé da meia e o outro pé caiu logo ali e ficou dando bobeira no galho da árvore.
O crime só não teve maior castigo porque nunca alguém perguntou se um de nós havia jogado tais coisas fora. Diríamos a verdade.
Descoberto o repositório das coisas indesejadas, ficamos um ano sem poder ir ao matiné no Cine Popular. Justo o castigo.