Antigamente e ainda hoje, eu sempre tive adoração por sentar próxima à janela e admirar a chuva que cai e molha o vidro. Sempre pude imaginar, nesse clima, o quanto as águas têm o poder de levarem embora malogrados, maus tempos, negatividade, tristeza. Poder esse de lavar almas. Hoje, a chuva na janela tomou uma proporção diferente. O de preocupação. O de angústia. O dormir tranquilamente em noites de chuva virou tormento. Ninguém mais dorme por aqui. São sequelas de quatro inundações em pouco tempo que lavaram não só a alma, mas também vidas e esperança. Lavaram cidades inteiras. Misericórdia.
O frio também é uma memória nada afetiva. De pequena, poucas roupas e cobertas em um quarto frio sem estufa tampouco ar condicionado. Como a maioria de nós. A família se reunia ao redor do fogão à lenha para aquecer o corpo e a alma, por vezes regado a pinhão na chapa e chimarrão quente.

O chuveiro de poucas gotas de água quente em um banheiro frio faziam a gente detestar o banho. Com razão. O carro antigo que entrava vento pelas frestas ou o andar a pé nos mostravam o quanto o frio castiga.

Os cachorros não tinham roupa e ficavam, geralmente, fora de casa. As roupas quentes que tínhamos vinha do novelo de lã feito por uma vó ou tia nossa.

Por isso que digo que o tempo mudou as coisas. É muito fácil alguém gostar do inverno hoje. Assim como trabalhar na roça, com tudo que a modernidade propiciou aos que podem adquirir. As coisas ficaram mais acessíveis. Temos máquinas pra tudo: pra lavar roupa, pra colher e tratar na agricultura, pra aquecer a casa. É fácil ser mãe e pai hoje em dia em época de fralda descartável e escola integral. A gente não tem de quê reclamar.

Mas é engraçado como as coisas mudam com o passar do tempo ou como a gente tem a capacidade de mudar as coisas, não sei. O que parecia grande na nossa infância, geralmente não é mais, não porque diminuíram de tamanho, mas porque crescemos e temos uma vista um pouco diferente. Algumas coisas, simplesmente, tiveram pesos diferentes.

É como se fosse a série da infância ou adolescência difícil de passar, até chegar a próxima e vermos que a que passou era fichinha, fácil demais comparado ao que está por vir. É tipo fase de vídeo game.

A idade. O tempo. Nós. Tudo toma uma proporção diferente com o passar dos anos. Problemas de hoje que não tínhamos lá atrás e vice-versa. Ah, o tempo. Essa ‘maledeta’ máquina que insiste em passar sempre rápido demais nos momentos felizes e bem devagar quando a gente está em sofrimento. Sempre igual, mas tão relativo devido às proporções que toma.

Bem, pensando nisso, podemos relacionar que se todas as coisas mudam com o passar do tempo, é óbvio que a gente também sofra alguma modificação Afinal, estamos aqui pra isso. Viver é isso. É renovar. É crescer. É mudar, sempre que for preciso. Como o tempo. Focar no essencial, não perder o tão precioso tempo precisando se autoafirmar ou provar algo aos outros. É deixar as pequenas preocupações de lado e focar no que nos faz crescer. A vida não deve ser medida pelas pequenas frustrações que temos diariamente, pois assim deixaremos de lado o que é essencial e que faz nossa vida ser grande. A vida é bênção, é dádiva e escolhemos o trajeto todo santo dia. O tempo é o mesmo para todos, embora cada um tenha uma dificuldade no percurso da passagem.

Foque no que realmente importa. A vida é muito mais que ver o tempo passar e ficar na plateia assistindo o espetáculo. Ele não é nosso inimigo, mas é nosso aliado. Só tem a chance de envelhecer quem desfrutou desse tempo. O hoje é uma dádiva, por isso se chama presente. Abra-o e desfrute-o!