Muito antes das grandes empresas digitais atraírem consumidores com seus flexíveis esquemas de “Compre Agora, Pague Depois” (BNPL), as antigas lojas de departamento já ofereciam uma versão própria da gratificação adiada. Era o modelo do carnê: por uma pequena taxa, os clientes podiam reservar um item, parcelar o pagamento ao longo do tempo e só levá-lo para casa quando o valor estivesse completamente quitado. Um processo que exigia, acima de tudo, paciência.
Em seguida, surgiram os cartões de crédito, que revolucionaram o modelo, invertendo a lógica: leve agora, pague depois. No entanto, o acesso a esse recurso era regulado, e nem todos tinham aprovação para possuir um cartão.
Segundo Nicholas Marques da Rocha, bacharel em Economia e com experiência em Engenharia de Software, o modelo “Compre Agora, Pague Depois” (BNPL) é vantajoso tanto para varejistas quanto para consumidores. “Os lojistas ganham com esse modelo. O ‘compre agora, pague depois’ aumenta o ticket médio das vendas, amplia o acesso ao consumo e reduz o atrito na decisão de compra. Muitas vezes, o cliente hesitaria em comprar à vista, mas se sente mais confortável com o parcelamento ou pagamento adiado. Além disso, o lojista geralmente embute os custos do financiamento nos preços ou faz parcerias com instituições financeiras, o que reduz o risco para a empresa”, explica Rocha.

O economista destaca que esse modelo de negócio possui um efeito duplo no mercado: “De um lado, movimenta o mercado, estimula o consumo e pode aquecer setores como o varejo e a indústria. Por outro lado, quando usado de forma irresponsável pelo consumidor, pode gerar endividamento excessivo, principalmente em populações mais vulneráveis, que acabam comprometendo parte da renda futura e entrando em ciclos de dívidas”, salienta.
Em cenários de alta inflação, juros elevados e perda de poder de compra, o parcelamento ou o “pague depois” se tornam mais atrativos, porque permitem manter o consumo mesmo com o orçamento apertado. Porém, é uma solução temporária que mascara o desequilíbrio financeiro das famílias. Além disso, em tempos de juros altos, o “sem juros” anunciado pode esconder custos embutidos no preço final.
O economista alerta que essa estratégia, embora alivie a pressão imediata sobre o bolso do consumidor, pode levar a um ciclo vicioso de endividamento. O acesso facilitado ao crédito e a ilusão de um “alívio” financeiro podem fazer com que as pessoas comprometam uma parcela cada vez maior de sua renda futura. Isso cria uma bola de neve de dívidas, dificultando a recuperação econômica pessoal e, em um panorama mais amplo, a estabilidade financeira das famílias. É fundamental que o consumidor esteja atento aos custos reais e às implicações de longo prazo antes de optar por essas modalidades de pagamento.
Riscos
O acesso facilitado ao crédito pode parecer uma solução rápida para manter o consumo em tempos de aperto financeiro. No entanto, essa conveniência esconde uma armadilha perigosa que pode comprometer seriamente a saúde financeira das famílias. “Especialmente quando o consumidor assume diversas pequenas parcelas sem ter a visão do impacto total no orçamento. Quando os compromissos se acumulam, sobra pouco para despesas essenciais ou emergências, e a pessoa pode recorrer ao crédito rotativo ou a empréstimos, o que agrava o endividamento”, destaca o economista.
Essa falsa sensação de que o orçamento comporta uma nova compra, muitas vezes proporcionada pelo parcelamento, é um dos principais motivos para o acúmulo de dívidas. Na prática, a soma dessas pequenas parcelas pode comprometer significativamente a renda mensal, limitando a capacidade de lidar com imprevistos ou cobrir despesas essenciais. Atrasos ou inadimplência geram multas, juros altos e a negativação do nome, dificultando ainda mais o acesso a crédito no futuro e criando um ciclo vicioso de endividamento.
Além disso, as parcelas podem parecer pequenas, e então o consumidor acha que terá como pagar. “Quando somadas, podem comprometer uma parte significativa da renda. Muitas pessoas só percebem o impacto quando já estão com o orçamento estrangulado e sem margem para lidar com imprevistos”, enfatiza Rocha.
Cuidados
Com isso, o economista destaca a importância de pesquisar antes de realizar a compra. Quase sempre os juros estão embutidos no preço final do produto. “O primeiro passo é sempre perguntar pelo desconto à vista e comparar com o parcelado. Se não houver diferença, o financiamento está embutido no preço final. O parcelamento ‘sem juros’ muitas vezes é ilusório, porque o valor à vista poderia ser menor ou há margens de lucro já ajustadas para cobrir esse financiamento. É importante o consumidor comparar o preço à vista e o parcelado, além de pesquisar em outros estabelecimentos”, salienta.
Por trás da aparente flexibilidade oferecida pelos modelos de pagamento “Compre Agora, Pague Depois”, existe uma complexa engrenagem financeira que beneficia diversos atores. Entender como essa dinâmica funciona é crucial para o consumidor. “Grandes redes geralmente fazem parcerias com bancos ou fintechs, que antecipam o valor da venda para o lojista, cobrando uma taxa. Já as instituições lucram com taxas administrativas ou juros aplicados em caso de inadimplência. Em alguns casos, o próprio lojista financia, embutindo os custos no preço”, de acordo com Rocha.
Também é necessário avaliar o preço final, tanto à vista quanto parcelado, calculando os impactos que as parcelas podem ter no bolso do consumidor, bem como ter certeza da necessidade da compra. “É fundamental ler o contrato, entender cláusulas de inadimplência e evitar comprometer mais de 30% da renda com dívidas”, esclarece.
Educação financeira
Em um cenário de constante evolução do mercado e de ofertas cada vez mais tentadoras, a educação financeira emerge como um pilar fundamental para a saúde econômica das famílias. Sem o conhecimento adequado sobre como gerenciar finanças e tomar decisões conscientes, o consumidor se encontra em uma posição de vulnerabilidade. “A ausência de políticas públicas robustas e contínuas de educação financeira cria um ambiente em que o consumidor está permanentemente vulnerável a armadilhas de crédito e consumo ilusório, como o ‘Compre Agora, Pague Depois’”, explica Rocha.
A educação financeira não se limita apenas a aprender o básico sobre juros ou como montar um orçamento doméstico. “Ela envolve o desenvolvimento de competências para que o indivíduo tome decisões conscientes, compreenda as consequências de assumir dívidas e consiga avaliar o real impacto de financiamentos e parcelamentos no médio e longo prazo”, enfatiza o economista.
“Hoje, o Brasil ainda convive com índices alarmantes de endividamento, especialmente entre as camadas de menor renda e escolaridade, justamente porque falta uma base sólida de instrução econômica desde a escola. Muitas pessoas só entram em contato com conceitos como ‘custo efetivo total’, ‘juros embutidos’ ou ‘inadimplência’ quando já estão endividadas — e, nesse ponto, o problema já se tornou um ciclo difícil de reverter”, de acordo com Rocha.
A modernização do mercado financeiro, impulsionada por fintechs, soluções digitais e estratégias de marketing agressivas, trouxe uma nova dinâmica para o acesso ao crédito. No entanto, o nível de instrução financeira da população não evoluiu no mesmo ritmo, criando um descompasso perigoso.
Rocha defende que o Brasil precisa de uma política nacional de educação financeira, estruturada em três frentes:
- Inclusão obrigatória e contínua do tema no currículo escolar, de forma prática e adaptada a cada faixa etária;
- Campanhas de conscientização pública, com linguagem acessível, voltadas principalmente para adultos que já estão expostos ao mercado de crédito;
- Reforço na transparência das instituições financeiras e comerciais, exigindo que as informações sobre o real custo de uma compra parcelada ou financiada sejam claras, objetivas e compreensíveis para todos os perfis de consumidores.
“Sem esse tripé, o consumidor continuará em desvantagem, e o país seguirá alimentando ciclos de superendividamento, perda de poder de compra e exclusão financeira”, destaca.
Para o economista, essa modalidade de venda não é inerentemente prejudicial, mas exige uso consciente por parte do consumidor. “O ‘Compre Agora, Pague Depois’ não é necessariamente um vilão, mas exige responsabilidade. Quando usado de forma consciente, pode ser uma ferramenta útil. Porém, em um país com baixo nível de educação financeira e um cenário econômico instável, o risco de ilusão de poder de compra e superendividamento aumenta significativamente. O equilíbrio entre consumo, planejamento e informação é fundamental”, conclui.