Já que, nestes últimos tempos, se fala tanto em Constituição, vamos lembrar um fato histórico interessante protagonizado pelo Dr. Ulisses ao apresentar a Carta Magna aos analistas, em 1988. Ele lhes disse que ficassem à vontade para mexer nos adjetivos, mas que respeitassem os substantivos do texto, por serem palavras que designam a substância.
Certíssimo o deputado e presidente da Assembleia que promulgou a nova Constituição. Os substantivos são a essência, e os adjetivos, os adereços. Numa comparação singela, poderíamos dizer que o substantivo equivale ao sujeito recém-saído do banho. Ao vestir uma cueca estilosa e jeans rasgado, ao passar gel no cabelo e colônia Acqua Di Parma atrás da orelha, ele está se adjetivando.
Os adjetivos dão, pois, a cor e o sabor das coisas. Eles adoçam, apimentam, excitam, provocam, iludem, cobiçam, invadem, poluem, maltratam… Eles pertencem à classe dos efeitos especiais.
Dá pra se imaginar um mundo sem adjetivos? A Terra seria só um Planeta. Nem redondo ou quadrado, nem azul ou cinza. A humanidade, composta de gente, nem magra ou gorda, nem alta ou baixa, nem inteligente ou burra, nem boa ou má… Apenas gente.
Tudo preto no branco, sem impressões pessoais. Pão seria pão, e queijo seria queijo. Não haveria pão doce, pão preto, pão caseiro, italiano… nem queijo branco, queijo amarelo, queijo mofado ou furado… Simplificação absoluta… Perdão! Só simplificação.
Políticos corruptos ou honestos? Nem pensar! Apenas políticos. Discussões acaloradas? Nunca! Haveria paz nas tribunas. Líderes autoritários ou democráticos? Jamais! Só líderes.
Sem adjetivos, as fofocas (modernamente, “fakes”) padeceriam de inanição. Os salões sucumbiriam. Os botequins morreriam de tédio. Os advogados decretariam falência própria. Os puxa-sacos emudeceriam. Os egos implodiriam. Os casais não discutiriam. O diálogo silenciaria. Os discursos se esgotariam em menos de cinco minutos. O dicionário sofreria um corte, e a gente se viraria com meia dúzia de palavras.
Até os estádios de futebol se esvaziariam. Sem as cores dos clubes e sem torcedores fanáticos, a mãe do juiz seria poupada, as copas não desencadeariam discussões apaixonadas (nem as cozinhas), ninguém ficaria absurdamente feliz, nem completamente triste.
Pensando bem, acho que só as redes sociais sobreviveriam a um mundo sem adjetivos, já que sua linguagem é extremamente abreviada e até os xingamentos mais comuns, de ordem biológica e escatológica, são substantivos.