Em um mundo onde as conexões parecem cada vez mais efêmeras, há um vínculo que persiste e se aprofunda através dos séculos: a relação afetiva entre humanos e animais. Longe de ser apenas companhia, essa interação transcende o utilitário e se transforma em uma teia complexa de emoções, suporte mútuo e, por vezes, um amor incondicional que desafia as barreiras das espécies. Seja no olhar leal de um cão que aguarda o retorno do seu tutor, no ronronar calmante de um gato aninhado no colo, ou na majestosa presença de um cavalo que compartilha um laço de confiança com seu cavaleiro, a verdade é que os animais têm um papel fundamental em nossas vidas, moldando nossa saúde mental, comportamento social e até mesmo a forma como percebemos o mundo ao nosso redor.
O laço que une humanos e animais é muito mais do que mera convivência; ele é, de fato, um apego emocional profundo, como explica a psicóloga Anni Breitenbach, coordenadora do curso de Psicologia da Universidade de Caxias do Sul (UCS). “O vínculo afetivo entre humanos e animais é explicado pela psicologia como uma combinação de apego emocional, reforço comportamental, empatia, função terapêutica e influência evolutiva e sociocultural. Esse laço é profundo e, muitas vezes, comparável a relações humanas significativas”, detalha a psicóloga.

Benefícios da convivência com animais
Para além da companhia, a presença de animais em nossas vidas oferece uma gama notável de benefícios emocionais, impactando diretamente nosso bem-estar e saúde mental. “A convivência com animais promove benefícios emocionais significativos, como a redução do estresse, da ansiedade e da solidão, além de contribuir para a melhora do humor e da autoestima. O vínculo afetivo formado com o animal estimula a liberação de hormônios do bem-estar, como a ocitocina, promovendo sensação de segurança, conforto e alegria”, destaca Anni.
Além disso, para pessoas com vulnerabilidade emocional, o cuidado com o animal fortalece diversas questões. “O cuidado com o animal fortalece sentimentos de empatia, afeto e conexão emocional”, aponta a psicóloga.
De acordo com Anni, além dos benefícios emocionais, existem os comportamentais. “A presença de um animal estimula a criação de rotinas, desenvolve o senso de responsabilidade e favorece a disciplina. Também contribui para o aumento da atividade física e o aprimoramento de habilidades sociais, ao facilitar interações com outras pessoas”, salienta.
Já nas crianças, o contato com os animais as auxilia no desenvolvimento da comunicação, enquanto em adultos e idosos pode atuar como um importante recurso de autorregulação emocional e comportamental, ajudando a reduzir impulsividade, agressividade e promover comportamentos mais calmos e equilibrados, segundo a psicóloga.
Afeto animal X afeto humano
Embora o afeto humano seja um pilar essencial em nossas vidas, a forma como os animais oferecem suporte emocional muitas vezes se distingue, apresentando características singulares que os tornam um apoio sem precedentes. “É possível comparar o afeto por um animal ao afeto por um ser humano, especialmente quando se trata de vínculos emocionais profundos e duradouros”, explica a especialista.
Anni ressalta que os animais podem oferecer segurança, conforto e companhia aos seus tutores, desempenhando um papel semelhante ao dos humanos nesse aspecto. “Muitas pessoas desenvolvem sentimentos por seus animais de estimação tão intensos quanto os que sentem por familiares ou amigos, e reações como luto profundo diante da perda de um animal são exemplos claros da força desse laço”, salienta.
A capacidade humana de interpretar as necessidades e emoções dos animais, mesmo na ausência de linguagem verbal, é um testemunho da profundidade dessa conexão. Seja pelo olhar, um latido, um miado ou um simples gesto, o entendimento mútuo floresce. Em resposta a esse cuidado, o animal oferece sinais inconfundíveis de afeto e fidelidade, consolidando uma relação baseada em confiança mútua.
Essa troca emocional, pura e genuína fortalece o sentimento de pertencimento e amor, muitas vezes tão intenso quanto o experimentado em laços familiares ou de amizade. É um amor que transcende espécies, provando que a capacidade de amar e ser amado não conhece barreiras.
Além disso, os animais de estimação têm a capacidade de dar apoio emocional ao estar presente constantemente ao lado do seu dono, até mesmo sendo uma calmaria em meio ao estresse do dia a dia. “Eles ajudam a reduzir sintomas de ansiedade e depressão ao promover sensações de calma e segurança, muitas vezes apenas com sua presença ou ao serem acariciados. A interação com o animal estimula a liberação de neurotransmissores como a ocitocina e a serotonina, responsáveis pela sensação de bem-estar, o que contribui para o equilíbrio emocional do tutor”, pontua a psicóloga.
Terapia assistida com animais
A terapia assistida por animais (TAA) vem ganhando cada vez mais reconhecimento como uma abordagem inovadora e eficaz no campo da saúde mental. Longe de ser apenas uma interação prazerosa, a presença e o contato com animais treinados em ambientes terapêuticos têm demonstrado benefícios significativos para indivíduos que enfrentam uma variedade de desafios emocionais e psicológicos. Essa modalidade terapêutica capitaliza a conexão inata entre humanos e animais, transformando essa relação em uma poderosa ferramenta para promover bem-estar, recuperação e desenvolvimento pessoal.
De acordo com Anni, a TAA é reconhecida pela psicologia como uma intervenção complementar eficaz no tratamento de diversas condições emocionais, cognitivas e comportamentais, porém não substitui os tratamentos tradicionais, sendo uma complementação. “Os benefícios observados são amplos e cientificamente respaldados. Entre eles, destacam-se a redução de ansiedade e estresse, melhora do humor, estímulo à comunicação verbal e não verbal, desenvolvimento de empatia e afeto e aumento da motivação para participar das sessões terapêuticas. Em casos de depressão, autismo, transtornos de ansiedade, estresse pós-traumático e até reabilitação física, a presença do animal funciona como um facilitador do vínculo terapêutico, tornando o ambiente mais acolhedor e favorecendo o engajamento do paciente no processo de tratamento. Animais como cães e cavalos (equinoterapia) são especialmente comuns por sua sensibilidade, capacidade de interação e resposta ao comportamento humano”, explica.
Embora a convivência e a terapia assistida por animais sejam amplamente reconhecidas por seus inúmeros benefícios, é crucial entender que nem sempre essa relação é positiva ou adequada para todos. Existem contraindicações e perfis específicos de pessoas para as quais a interação com pets pode, inclusive, ser prejudicial. “Um dos principais fatores a considerar são alergias a pelos ou saliva de animais, que podem causar desconforto físico significativo. Além disso, pessoas com fobias específicas (como medo intenso de cães) ou com histórico de traumas envolvendo animais podem apresentar reações negativas diante do contato, o que pode agravar sintomas de ansiedade ou estresse”, descreve a especialista.
É crucial considerar o nível de autonomia e responsabilidade da pessoa. Em situações de transtornos graves do comportamento, como agressividade não controlada ou impulsividade intensa, o convívio com um animal pode se tornar inseguro para ambos. Além disso, indivíduos com dificuldades cognitivas severas podem ter limitações para compreender os cuidados essenciais que um animal exige, demandando supervisão constante. Diante dessas particularidades, “é essencial uma avaliação prévia por profissionais de saúde (como psicólogos, médicos ou terapeutas ocupacionais) para verificar se essa relação será realmente benéfica e segura, considerando as necessidades individuais e o perfil emocional e comportamental da pessoa”, esclarece Anni. Essa abordagem profissional garante que o elo humano-animal seja construído sobre bases sólidas de segurança e bem-estar mútuo.
Efeitos dos animais em diferentes faixas etárias
A presença de animais de estimação pode moldar positivamente o desenvolvimento e o bem-estar humano em todas as faixas etárias, desde a infância até a terceira idade. Os benefícios variam e se adaptam às necessidades e desafios de cada fase da vida, demonstrando a versatilidade e a profundidade dessa conexão interespécies. “A presença de animais pode ter efeitos diferentes em crianças, adultos e idosos, pois cada faixa etária vivencia o vínculo com o animal de forma distinta, de acordo com suas necessidades emocionais e comportamentais”, explica Anni.
• Em crianças, os animais contribuem para o desenvolvimento da empatia, responsabilidade e habilidades sociais. A interação com o pet favorece a comunicação, especialmente em crianças tímidas ou com transtornos do desenvolvimento, como o autismo. Além disso, o animal pode ser um recurso terapêutico lúdico que estimula o aprendizado e o controle emocional de forma natural.
• Em adultos, os animais atuam como fontes de apoio emocional diante do estresse cotidiano, auxiliando na regulação do humor, na organização da rotina e no enfrentamento de desafios como ansiedade, solidão ou depressão.
• Em idosos, os benefícios se manifestam principalmente na redução da solidão, na melhora da autoestima e na manutenção da saúde mental e física. Cuidar de um animal pode promover senso de propósito, aumentar o nível de atividade e até auxiliar na prevenção de declínio cognitivo. Em todas as fases da vida, a presença animal fortalece vínculos afetivos e promove bem-estar, mas os efeitos são modulados pelas demandas e características de cada etapa do desenvolvimento.
Humanização dos pets
A humanização dos pets é um fenômeno crescente, onde tutores tratam seus animais de estimação como membros da família, atribuindo-lhes características, emoções e até mesmo direitos humanos. Essa tendência se manifesta de diversas formas, desde o cuidado com a alimentação e saúde até a inclusão em eventos sociais, vestuário e até mesmo festas de aniversário. “Isso pode gerar alguns impactos psicológicos negativos, tanto para os animais quanto para os tutores. Embora o carinho, o cuidado e o vínculo afetivo sejam positivos, o excesso de humanização pode levar à projeção de expectativas humanas sobre os comportamentos dos animais, ignorando suas necessidades naturais e instintos. Isso pode resultar em estresse, ansiedade e comportamentos disfuncionais nos pets, como agressividade, apego excessivo ou dificuldades de socialização com outros animais”, de acordo com Anni.
A humanização se reflete em diversos aspectos do dia a dia:
- Cuidado com a saúde: planos de saúde para pets, tratamentos especializados, fisioterapia e até mesmo terapias alternativas;
- Alimentação: rações gourmet, alimentação natural, suplementos e petiscos personalizados;
- Vestuário e acessórios: roupas, coleiras de grife, joias e acessórios que refletem a personalidade dos tutores;
- Eventos sociais: festas de aniversário, chás de bebê para pets e até casamentos simbólicos;
- Conforto e lazer: camas luxuosas, carrinhos de passeio, brinquedos interativos e espaços de lazer exclusivos;
- Comunicação: conversas “com” e “pelos” animais, interpretação de seus “desejos” e “opiniões”.