A medida que o frio chega e baixa as temperaturas em diversas regiões do Brasil, muitos de nós começamos a sentir os efeitos não apenas no corpo, mas também na mente. O frio, que convida a dias mais caseiros e aconchegantes, pode, paradoxalmente, trazer consigo uma série de desafios para a saúde mental, resultando em cansaço e, em alguns casos, até em quadros mais sérios de depressão.
Não é incomum sentir uma certa “preguiça” extra para sair da cama em manhãs geladas ou uma vontade maior de se isolar socialmente quando o termômetro despenca. Mas o que está por trás dessas sensações? A ciência explica que a menor exposição à luz solar, característica dos dias mais curtos de inverno, impacta diretamente a produção de serotonina, o neurotransmissor responsável pela regulação do humor, sono e apetite. A diminuição desse hormônio pode levar a sintomas como irritabilidade, tristeza e fadiga.
De acordo com Carlos Gomes Ritter, médico psiquiatra e professor do curso de Medicina da Universidade de Caxias do Sul (UCS), a causa pela qual as pessoas ficam mais cansadas no inverno se dá por três fatores: “Alterações do próprio funcionamento do corpo, alterações hormonais e também do ambiente”, explica.

Carlos Gomes Ritter, médico psiquiatra e professor do curso de Medicina da Universidade de Caxias do Sul (UCS)

O impacto do frio no ciclo circadiano
Segundo Ritter, um dos principais mecanismos afetados pelo inverno é o ciclo circadiano, nosso “relógio biológico” interno que regula diversas funções fisiológicas em um período de aproximadamente 24 horas, influenciando o sono, o apetite, o humor e os níveis de energia.
A desregulação do ciclo circadiano, especialmente em decorrência das mudanças sazonais de luz, é um dos fatores-chave por trás do Transtorno Afetivo Sazonal (TAS), popularmente conhecido como “depressão de inverno”. Pessoas com TAS podem experimentar sintomas como tristeza persistente, fadiga após o descanso, perda de interesse em atividades, alterações no apetite (com desejo por carboidratos) e dificuldade de concentração, que se manifestam e desaparecem em ciclos anuais, geralmente começando no outono e inverno. “Se a luz que entra pelo nervo óptico, por 10, 20 minutos, aquela luz com uma amplitude específica, vai liberar mais serotonina”, aponta.
O medico destaca a relação entre a luz solar e a nossa saúde mental. “Outra produção importante e que influencia diretamente a questão da saúde mental, principalmente da depressão, é a redução da produção de serotonina devido ao sol menor. Por exemplo, hoje um dos tratamentos que se faz para depressão dependente da luz solar é a luz”, diz.
No inverno, com dias mais curtos e menos horas de luz natural, nosso corpo recebe menos estímulos luminosos. Isso pode levar a um aumento antecipado e mais intenso da produção de melatonina, o hormônio do sono. Enquanto a melatonina é crucial para nos ajudar a adormecer à noite, sua produção em excesso ou em horários inadequados durante o dia pode resultar em sonolência e letargia persistentes.
Além disso, as temperaturas baixas também dão sensação de cansaço, ocasionada pela vasoconstrição periférica. “Os vasos sanguíneos se contraem, então haverá menos fluxo sanguíneo para músculo e extremidade, dando uma sensação de cansaço e de rigidez. E para garantir o aquecimento, já que está muito frio, o músculo também vai gastar mais energia para se aquecer, então vai gerar a fadiga”, aponta o médico.

Conforto e carboidratos
Essa busca natural do corpo por equilíbrio pode se manifestar também no apetite. O médico também aponta para uma tendência comum nos meses mais frios: “Começamos a comer mais carboidratos porque eles vão estimular a produção de serotonina”, ressalta o especialista. Essa observação é fundamental, pois o consumo de carboidratos, especialmente os simples, pode proporcionar uma sensação temporária de bem-estar ao impulsionar a síntese de serotonina, que é o neurotransmissor ligado ao prazer e à saciedade. No entanto, o excesso pode levar a outros desequilíbrios na dieta e na saúde.
Essa questão pode influenciar não só o metabolismo, mas também o humor. “O metabolismo pode ficar bem mais lento, o que contribui para a sensação de letargia. E sempre há as questões de predisposição genética, as individuais, então há pessoas que realmente têm sensibilidade à variação da luz muito grande”, enfatiza.

Prevenção
Luz solar: Ritter alerta sobre os cuidados que devemos ter em nossa casa, especialmente no inverno. “Costumamos, no inverno, deixar a janela fechada, o que é uma péssima ideia, porque não entra luz. Então, vamos abrir a janela, levantar a cortina e tentar passar mais tempo ao ar livre, principalmente de manhã, que é o melhor sol”, cita.
Caminhadas: elas aumentarão a produção de serotonina, além de produzir o hormônio do prazer, que é a dopamina. “À medida que a pessoa vai fazendo, vai ter sempre a sensação de bem-estar, além de regular o ritmo circadiano. A fototerapia, que eu já falei, uma luz especial que também pode ser usada por qualquer pessoa sem contraindicação”, realça;
Atividades físicas: de acordo com Ritter, as academias diminuem muito a sua frequência no inverno, o que é uma péssima ideia também, porque quanto mais exercício fizer, melhores serão os níveis de serotonina e dopamina. “Haverá a melhora do sono, haverá a redução do estresse. Isso, 30 minutos por dia, já faz uma grande diferença”, salienta o médico;
Alimentação: ela deve continuar adequada. “Utilizar alimentos ricos em triptofano, que é o precursor da serotonina, como ovos, peixes, banana, aveia, castanha, grão-de-bico. Evitar açúcar e carboidratos que provocam picos de energia seguidos de fadiga”, descreve;
Hidratação: mesmo que no inverno urinemos mais e bebamos menos, é porque não se sua. Portanto, é preciso se hidratar;
Rotina de sono: manter a rotina de sono: não é porque está escurecendo mais cedo que devemos ir dormir mais cedo. O ideal é sempre manter o nosso hábito, evitar luzes à noite, principalmente o uso de telas, sair um pouco do computador, tentar conversar mais, fazer jogos de tabuleiro e afins. A questão dos amigos também é fundamental.

Importância da conexão social
O médico reforça a relevância do convívio social e da suplementação de nutrientes essenciais: “Quanto mais isolada a pessoa estiver, vimos isso muito na Covid, que as pessoas começaram a se isolar e a depressão aumentou muito, e era muito por causa desse distanciamento. Nós precisamos de atividades prazerosas, de hobbies e, principalmente, contato com os amigos. A vitamina D, que é sintetizada com a ajuda do sol, é óbvio que deve haver suplementação, porque ela tende a cair no inverno”, conclui.