Como vocês lembram, logo após o Carnaval de 2020, a notícia se confirmou. Um vírus microscópico, que viajara por terra, pelo mar e ar, mais forte que seus primos de 2002 e 2012, nos espreitava, aguardando um descuido para meter o nariz em qualquer uma de nossas cavidades superiores e fazer a festa (O danado tem predileção por mucosas e é expert em logística. E hoje a gente sabe que ele é chegado também a rapidinhas. Na ânsia de se replicar dentro das células humanas, ele comete erros, sem que a fiscal que revisa o código genético, corrija, surgindo assim temidas mutações).
Enfim, um medo sólido tomou conta de nosso mundo líquido. Um medo que me paralisou momentaneamente. Até retrocedi a um agosto longínquo, quando vivi experiência semelhante, ao me alertarem que um “cachorro louco” (hidrófobo) andava pela região caçando crianças rueiras. Na ocasião, minha musculatura congelou. Fiquei travada. Imóvel. A dez passos da casa.
O anúncio do apocalipse foi reafirmado e publicado e ilustrado e até musicado, tipo filme de Hitchcocke. Sem trégua. A gente precisava encher as despensas para sobreviver a um período de isolamento total.
Eu estava no mercado. Depois de esvaziar uma prateleira de atum e outra de ovos – gosto da praticidade –, caminhei em direção aos caixas. Foi aí que um fenômeno estranho chamou minha atenção: haviam se formado filas imensas com carrinhos abarrotados de papel higiênico.
Aquilo era bizarro. Estoque de papel higiênico para uma doença que atacava a respiração? Por outro lado, se aquele povo todo se armava ferrenhamente com um produto destinado à assepsia da intimidade, deveria haver alguma boa razão. E, com um quê de constrangimento, me embrenhei na manada que quase disputava a tapas os últimos rolos.
Bom, um mês pandêmico virou um ano “pandemônico” e promete dobrar a meta. Já o estoque de papel higiênico precisou ser refeito por várias vezes, mas sem a histeria do início. De qualquer forma, procurei entender o gênesis daquele impulso e encontrei uma explicação psicológica muito interessante, que tem a ver com “símbolo de segurança”. Ou seja: numa crise sanitária dessas proporções, aumenta nossa sensibilidade para o que é nojento e, embora o famoso rolinho de folhas finas e absorventes não vá impedir que as pessoas sejam infectadas pelo vírus, ele é percebido como um mecanismo que vai nos proteger de patógenos.
Não é incrível a nossa cabeça?!