Sempre que entro em um supermercado, a primeira coisa que faço, antes de pegar os produtos que preciso, é dar uma olhadinha no carrinho dos outros. Não posso evitar, é uma curiosidade insuportável, quase um reflexo condicionado, como se eu fosse um detetive em busca de pistas para entender as pessoas. É claro que, num primeiro momento, essa análise toda parece inofensiva, mas depois de um tempo, comecei a perceber que estou, de certa forma, no mesmo dilema do personagem de “O lixo”, do Veríssimo: tentando descobrir o que os outros escondem.

O carrinho, na minha opinião, é uma versão condensada da alma humana. Ele é um reflexo das escolhas, dos desejos mais íntimos, e, em certos casos, das intenções secretas de cada um. Não estou falando de grandes filosofias, mas daquelas pequenas incoerências cotidianas. Tipo aquele sujeito que, com cara de “eu sou fitness”, coloca uma dúzia de barras de proteína no carrinho e, logo em seguida, preenche o espaço vazio com um pacote de bolacha recheada. Não dá para não rir da contradição. Quem é esse sujeito? Um “fitness” que, no fundo, também se sabota como eu?

Aliás, é sempre muito engraçado ver essas combinações. Você encontra os mais diversos tipos de pessoas no supermercado e, claro, seus carrinhos são um reflexo disso. A senhora de idade com o carrinho abarrotado de arroz, feijão e detergente, com um espacinho reservado para a gelatina, como se fosse um luxo de toda a sua vida. Ou aquele jovem moderninho, que mal se sustenta em pé, mas carrega consigo duas caixas de leite de amêndoas, uma garrafa de kombucha e, claro, uma pizza congelada, que ele provavelmente vai comer enquanto assiste à série Adolescência.

Essa obsessão pelo carrinho alheio, ao contrário do que pode parecer, não é só um exercício de julgamento. Ela é, na verdade, uma tentativa de compreensão da condição humana. Estamos todos ali, entre prateleiras, tentando buscar alguma resposta sobre o que nos torna quem somos. Às vezes, a resposta é simples: um pacote de bolacha pode ser a forma mais direta de lidar com um dia difícil. Na verdade, o carrinho de super diz muito sobre nós mesmos, pois é o nosso “lixo social”. Ali, estão os nossos gostos, o que queremos transparecer, os desejos reprimidos, já que isso é uma metáfora da vida. Por mais que tentemos esconder nossas fraquezas e contradições, basta um simples carrinho para que o mundo inteiro saiba um pouco mais sobre quem somos.

No final das contas, não há muito o que fazer. Não há como escapar da análise do carrinho alheio. Estamos todos ali, expostos, com nossos desejos e dilemas. Eu, por exemplo, com o meu carrinho cheio de frutas, legumes e uma Coquinha básica, um papel higiênico macio, um café de marca boa, um leite sem lactose, algo da promoção. Ah, a senhora na minha frente do caixa tem uma embalagem que desconheço, aparentemente deliciosa, de nome Franuí. Chegou a minha vez. – Moça, esqueci um item, posso pegar? E lá vou eu imitá-la, sem nem sequer olhar o preço ou o sabor do produto. Realmente, o supermercado é uma estratégia interessante pra se analisar a vida alheia!