Em relatório do Conselho Tutelar, em 2022, foram inclusos 112 casos de violência sexual, 139 física e 32 de abuso psicológico. Delegado explica as atribuições da Deam nesses casos, além da atuação de um setor do Centro Materno na causa
Na última Sessão Ordinária do Legislativo Municipal, um fato alarmante foi divulgado pelo vereador Rafael Fantin em seu pronunciamento. Conforme o parlamentar, a cada três dias, uma criança sobre abuso sexual em Bento Gonçalves. Os dados são de um relatório do Conselho Tutelar, que abrange os números de janeiro a dezembro de 2022.
O documento foi feito a partir dos registros do Sistema de Informação Para a Infância e Adolescência (Sipia-CT), que é utilizado para o tratamento de informações sobre a garantia e defesa dos direitos fundamentais preconizados no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Nele, foram incluídos 112 casos de violência sexual, 139 de violência física e 32 de abuso psicológico.
O Conselho Tutelar do município destaca que foram realizados 1.736 atendimentos no ano passado, além do recebimento e cadastro no Sipia de 1.528 violações de direitos contra crianças e adolescentes. Foram requisitados documentalmente, através de ofício, 3.075 serviços públicos, principalmente na área da assistência social, educação, saúde e segurança pública.
Também foram cadastrados no sistema, conforme o Conselho, 2.239 pais ou responsáveis e 3.082 crianças e adolescentes com seus direitos ameaçados e ou violados pelos pais/responsáveis ou pelo estado (federal, estadual e ou municipal). Destas crianças e adolescentes, 52 são de nacionalidade estrangeira, principalmente do Haiti e da Venezuela.
Deam atua na violência contra crianças
O delegado interino da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam), Alvaro Becker, explica que abusos infantis são de responsabilidade de toda as delegacias de polícia, exceto quando há alguma especializada. “Aqui em Bento Gonçalves essa atribuição está a cargo da Deam. Para isso, conforme a Lei 13.431/17, regulamentada pelo Decreto 9.603/18, essas repartições, que fazem parte da Rede de Proteção à Criança e ao Adolescente, devem ser providas de logística que evitem a revitimização. Portanto, em Bento somos a delegacia com equipe especializada no atendimento e investigação desses casos”, comenta.
Segundo Becker, qualquer denúncia, seja anônima ou não, deve ser feita pelo telefone Disque 100. Ele também explica que ainda há uma parcela da população que não tem coragem para realizar denúncias, estimada em 40%. “Outra percentagem importante é a de que, entre 35% e 40% dos casos envolvem pessoas próximas da vítima, como familiares”, destaca.
O delegado destaca que em Bento, essas investigações são feitas sob sigilo, por isso não se pode divulgar números acerca de registros que estão sendo examinados. “A Deam atua em todos os casos em que o menor é vítima, quando o adolescente é infrator é atribuição dos distritos policiais”, esclarece.
Município em prol da criança e do adolescente
A coordenadora do setor de Saúde da Criança e do Adolescente do município, Erica Fiorin, explica que entre os serviços prestados, estão os programas da política de saúde que envolvem a faixa etária. “Atuamos na prevenção e na luta contra todas as formas de violência, o que faz parte do Comitê Municipal de Enfrentamento das Violências contra Crianças e Adolescentes. Além disso, o tema é prioritário dentro do Programa Saúde na Escola, ou seja, a prevenção é o foco de todo o Sistema de Garantia de Direitos, com ações e atividades durante o ano todo”, salienta.
De acordo com Erica, todos os profissionais da rede de atendimento à criança e adolescente são responsáveis por acolher a revelação espontânea da criança ou detectar sinais e sintomas de violência. “Quando há a suspeita, é preenchido um Formulário de Comunicação de Violência e obrigatoriamente encaminhado à autoridade policial (Deam), Conselho Tutelar e à Saúde da Criança e Adolescente. De posse desta informação, o setor realiza o encaminhamento das suspeitas de violência sexual para atendimento no Centro de Referência Materno Infantil (CRMI) – psicólogo, assistente social, ginecologista, pediatra e enfermeiro”, menciona.
As situações de abuso ocorridas há menos de 72 horas são tratadas como urgência, por isso necessitam de atendimento diferenciado na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) 24h. “Salientamos que na sequência determinada pelo Comitê Municipal, além dos atendimentos de saúde, a vítima e a família serão atendidos pelos serviços de Assistência Social e seguirão um fluxo estabelecido pelos sistemas de segurança – Depoimento Especial, Instituto Geral de Perícias – e de justiça – Ministério Público e Judiciário”, destaca.
Em 2022, o setor de Saúde da Criança e do Adolescente recebeu 562 requisições do Conselho Tutelar, destas, 118 foram de violência sexual e, portanto, encaminhadas para atendimento no CRMI. “Em relação à violência física, foram 134 casos; psicológica, 24; negligência, 59; lesões autoprovocadas, 18; e nove casos de bullying. As outras formas de violência – exceto a sexual – são direcionadas para as Unidades Básicas de Saúde para os atendimentos que forem necessários”, realça.
O serviço do município é acionado, como expõe a coordenadora, em todas as formas de violência praticadas contra indivíduos de zero a 18 anos, abrangendo a física, psicológica, negligência, bullying, cyberbullying, lesão autoprovocada e tentativa de suicídio. “O setor também acolhe as demandas de saúde do Conselho Tutelar, geradas pelas violações dos direitos, entre elas o conflito familiar, verificação do andamento dos tratamentos de saúde, solicitação de relatório e encaminhamento para atendimento de adolescentes em uso de álcool e drogas. O departamento é a referência para todos os assuntos que se referem à infância e adolescência no âmbito da saúde”, conclui.
Formas de violência sexual
Conforme o livro “Os crimes sexuais e o Conselho Tutelar”, existe o abuso, mesmo sem contato físico. Diálogos de cunho sexual, violência sexual verbal, telefonemas obscenos, violência sexual virtual, exibir imagens ou vídeos pornográficos para crianças ou adolescentes, exibicionismo (quando o violentador sente prazer ao expor o corpo nu) e voyeurismo (quando o violentador busca obter prazer sexual através da observação da nudez de uma criança) são exemplos.
Já a violência com contato físico, reconhecida mais facilmente pela comunidade, é a conjunção carnal ou atos libidinosos, que se resume em tocar áreas erógenas da vítima. É importante evidenciar que o sofrimento, em ambos os casos, tem o mesmo nível de gravidade.