Um relatório-denúncia elaborado e apresentado por agentes penitenciários do Presídio Estadual de Bento Gonçalves ao Poder Público e às autoridades de Segurança Pública da cidade expôs a possível existência de diversas irregularidades cometidas dentro da Casa. De acordo com o documento, “existem evidências e indícios fortes sobre a forma negligente e omissa como vem sendo conduzida a atual administração do PEBG – Presídio Estadual de Bento Gonçalves”. A administração da Casa negou as irregularidades.

O texto foi protocolado na manhã de segunda-feira, 7 de novembro, no Ministério Público (MP) de Bento Gonçalves e na Vara de Execuções Criminais (VEC) do município, no Fórum. À tarde, o documento foi encaminhado para a Corregedoria da Superintendência de Serviços Penitenciários (Susepe), para o gabinete do Superintendente, e para o Diretor do Departamento de Segurança e Execução Penal (DSEP) da Susepe, em Porto Alegre.

O documento tem sete páginas, e expõe alguns dos problemas que estariam ocorrendo no dia a dia da casa de detenção de Bento Gonçalves, como a defasagem de agentes prisionais, fato que colocaria em risco a segurança dos servidores; produtos irregulares permitidos na cantina do presídio, com os quais ocorreria a prática de comércio ilegal; entre outras. O documento aponta ainda que, em função desses problemas, a saúde dos servidores estaria sendo afetada. Segundo o texto, 10 servidores penitenciários entraram em licença por laudo médico.

De acordo com uma fonte anônima ligada ao serviço penitenciário, que preferiu não se identificar, os fatos no presídio ocorrem sistematicamente há cerca de seis meses, mas vêm se intensificando nos últimos dois. Segundo o relatório, haveria a denúncia de produtos irregulares “que são permitidos na Cantina pela atual administração”. Isso ocorreria, ainda conforme o documento, graças à existência de uma “prefeitura” no presídio, formada por presos da galeria, da confiança da direção. Segundo o texto, a prefeitura citada estaria vigorando há cerca de três meses dentro da casa.

Outra denúncia, também exposta no documento, está relacionada à alimentação dos detentos. Segundo o texto, a carne é fornecida duas vezes por semana para os detentos. No entanto, “os presos e os servidores afirmam que é servido pela ‘prefeitura’ apenas arroz, feijão, salada mista ou sopa para os presos. E quem quiser comer carne tem que pagar”, expõe o texto.

Denúncia aponta ciência da direção

Conforme a fonte anônima, a diretoria do presídio tem consciência do que está ocorrendo dentro da casa. No entanto, as providências não estariam sendo tomadas conforme os procedimentos internos padrão a serem adotados pela Susepe quando ocorrem casos semelhantes a esse. Além disso, afirma que a certeza de impunidade contribui para a situação, já que a administração não estaria tomando as medidas necessárias para sanar os problemas. Um agravante: a “prefeitura” teria sido criada pela própria direção do Presídio de Bento Gonçalves.

Relatório cita entrada de itens proibidos pelas normas

Conforme a denúncia anônima, em um dos casos, dois presos foram fotografados dentro da cela comendo um pastelão, item que não seria permitido pelas normas de segurança. A foto foi publicada em uma rede social. Além disso, a imagem não poderia ter sido feita, nem postada em rede social.

Segundo a fonte, a entrada desses itens proibidos seria comum, e que ocorre sem o conhecimento da Susepe. A finalidade seria a de efetivar comércio dos itens, algo que também é proibido pelo órgão competente. Além do pastelão, itens como pizza, xis e cachorro quente já foram levados para dentro do Presídio.

Ainda de acordo com a fonte, isso permitiria a entrada de uma série de itens proibidos, como bolachas recheadas, frutas não permitidas, como abacaxis, e até bebidas alcoólicas. Ressalta, ainda, que nos dias de visitas, essas entradas de itens proibidos não ocorrem.

O que diz a portaria da Susepe sobre o tema

Há em vigor uma portaria da Susepe que regulamenta a entrada de alimentos dentro do presídio. Nela, estão citados quais itens podem ou não ser levados pelas visitas para dentro da casa. A Portaria n° 12/2008, publicada no Diário Oficial do Estado em 30 de maio de 2008, dispõe sobre o ingresso de visitas e materiais em estabelecimentos prisionais no Rio Grande do Sul, orientando e padronizando os procedimentos a serem obedecidos. Além de alimentos, a portaria também dispõe sobre itens de higiene pessoal e produtos de limpeza.

São permitidos, de acordo com a norma, itens como açúcar cristal, bolachas-maria e água e sal, pão, bolos e cucas, desde que sem recheio ou coberturas, condimentos como doce de leite, geleias, margarina e maionese, frios fatiados em geral, entre outros itens.

Não são permitidos alimentos e bebidas congelados, balas, bombons e os demais itens não relacionados como permitidos. Além disso, há restrições quanto a alguns itens. Bolachas recheadas, chocolates com recheio, frutas cítricas, como abacaxi, bergamota, laranja e limão, refrigerantes de limão, uva e abacaxi, além de sucos em pó de frutas vermelhas ou pó branco são proibidos.

Administração do Presídio de Bento nega irregularidades

Procurado pela reportagem para esclarecer os fatos sobre a denúncia apresentada, o administrador do Presídio Estadual de Bento Gonçalves, Evandro Simionato, negou as irregularidades. De acordo com a administração da Casa, todos os fatos citados na denúncia ocorreram dentro dos procedimentos adotados em cada situação e, portanto, de acordo com as normas da Superintendência de Serviços Penitenciários (Susepe).

Segundo a direção, a cada dez denúncias que são recebidas pelo presídio, nove não procedem, e todas são devidamente apuradas. “As que procedem, são tomadas as medidas administrativas cabíveis, sempre após averiguarmos os fatos”, relata Simionato.

Sobre a foto de um dos detentos com o pastelão, Evandro relata que ocorreu durante a festa de dia das crianças no Presídio de Bento Gonçalves, que contou com o apoio do conselho da comunidade e dos familiares dos presos. Sobre a foto ter sido feita dentro do presídio, o diretor afirma que, quando são feitos eventos ou palestras como esse dentro da Casa, existe a permissão da administração para que o próprio conselho da comunidade faça o registro de fotos. No entanto, afirmou não saber a procedência dessa imagem.

O diretor explica ainda que, quando um preso é flagrado com celular, a diretoria instaura procedimento disciplinar, com cumprimento de uma sanção, com a retirada do aparelho. Questionado sobre a existência de aparelhos celulares dentro do presídio, o diretor garantiu que quando ocorre, todos os procedimentos cabíveis são adotados para investigar e coibir a prática.

Sobre a entrada de alimentos não permitidos pela portaria da Susepe, Simionato relata que a maioria dos estabelecimentos prisionais possuem cantina. Segundo ele, não é uma prática ilegal, já que trata-se de alimentos para consumo dos presos. “Não tem nada de errado em liberar um refrigerante ou uma bolacha”, afirma. A entrada de bebidas alcóolicas também foi negada pelo diretor. De acordo com ele, caso exista uma tentativa de algo errado entrar, as medidas cabíveis são adotadas.

A respeito da denúncia de que alguns presos não estariam comendo carne, Evandro garantiu que todas refeições estão sendo servidas com carne para a população carcerária, juntamente com os acompanhamentos.
Segundo o diretor, o presídio encontra-se em uma situação tranquila, apesar da superlotação. Atualmente, de acordo com a página do Presídio Estadual de Bento Gonçalves no site da Susepe, a capacidade de engenharia é para 96 detentos, mas conta com mais de 240 presos, conforme dados de outubro de 2016.

Segundo o diretor, isso se deve especialmente pela forma humanizada com a qual a atual gestão conduz a Casa. “Essa foi a forma adotada por essa administração para que se consiga fazer um bom trabalho”, ressalta.

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