Assumir postos de chefia, muitos deles tradicionalmente ocupados por homens, reflete uma realidade histórica de desigualdade de gênero. Apesar dos avanços nas últimas décadas, as mulheres ainda enfrentam barreiras e preconceitos que dificultam sua ascensão em posições de liderança

Nos últimos anos, a sociedade tem testemunhado transformação significativa, impulsionada pelo crescente protagonismo das mulheres em diferentes áreas e contextos. Cada vez mais, elas têm se destacado como líderes, empreendedoras, artistas, cientistas e agentes de mudança, assumindo o controle de suas vidas e desafiando estereótipos e preconceitos.

Essas mulheres inspiradoras têm mostrado que é possível superar desafios e alcançar o sucesso, mesmo diante de obstáculos e adversidades. Elas são exemplos de determinação, coragem e resiliência, e suas histórias de superação têm inspirado muitas outras mulheres a seguir seus próprios sonhos e serem protagonistas de suas próprias histórias.

O Semanário foi ao encontro de seis mulheres que buscam, através do seu esforço e trabalho, promover a igualdade de oportunidades e criar ambientes inclusivos que permitam a elas desenvolverem todo seu potencial de liderança.

Um exemplo inspirador é a história de Júlia Fantin, de 22 anos, moradora de Monte Belo do Sul que, apesar de muito jovem, assumiu, há três nos, a frente do empreendimento da família, a vinícola Casa Ângelo Fantin. Estudante de Enologia, a moça se diz apaixonada pelo que faz. “O gosto pelo trabalho vem de berço, fui criada em meio aos vinhedos e vivenciando a arte do vinho. Poder acompanhar de perto as inúmeras transformações deste produto me enchem de orgulho e satisfação”, revela.

Segundo a jovem, apesar de dificuldades ao longo do caminho, como, por exemplo, a forte predominância de homens assumirem postos de comando em sua área, as mulheres podem dirigir cargos de grande responsabilidade. “Mediante ao setor em que atuo, vemos que a parte predominante são pessoas do sexo masculino sim, porém, nós mulheres temos capacidade igualitária para se destacar, e até então não vejo preconceito por isso. Somos respeitadas e reconhecidas pelo nosso trabalho”, afirma. “Mesmo tendo inúmeros desafios, jamais pensei em desistir do sonho de seguir com a vinícola. Sempre estou aberta a inovações e buscando conhecimento para a boa continuação da mesma”, pontua.

No mundo das letras, a possibilidade de expressão

A escritora Emanuelle da Silva, de 22 anos, moradora de Bento Gonçalves, iniciou sua caminhada no mundo das letras ainda criança, quando começou a compor músicas. Aos 18 anos, deu início ao ofício de escritora. Para ela, mesmo com o passar dos anos, a mulher, por mais que tenha ocupado espaços que permitem grandes oportunidades, ainda há diferenciação no tratamento e também na condição salarial. “Ainda temos uma remuneração financeira, proporcionalmente menor, carga horária maior do que podemos administrar e pouca atenção em alguns direitos que são básicos do ser humano”, afirma.

No entanto, Emanuelle não desiste de seus sonhos e continua escrevendo com paixão e determinação, na esperança de que um dia suas histórias serão ouvidas e valorizadas, não apenas por sua qualidade literária, mas também por sua importância cultural e social. “Como estudante em duas áreas diferentes, como Jornalismo e Gestão Comercial, além de ser Escritora, é muito perceptível a comunicação diferente, o porte salarial e também as oportunidades que não nos são permitidas ter. Apesar de serem áreas distintas, os desafios ainda são os mesmos”, revela.

Após duas enchentes, a força para seguir

A história de Aline Rosa De Nicol, de 23 anos, é um exemplo de resiliência e determinação. Dona de dois empreendimentos voltados à gastronomia há quatro anos, ela viu seu negócio principal, um restaurante completo, ser atingido duas vezes por enchentes devastadoras no ano passado, perdendo tudo o que havia construído ao longo dos anos. Mesmo diante de tantas adversidades, Aline não se deixou abater.

Com muita coragem e foco, ela decidiu reconstruir seu empreendimento, enfrentando todos os desafios que surgiram no caminho. Sua história inspiradora mostra que é possível superar as maiores dificuldades quando se tem determinação e fé no futuro. “Na primeira (enchente), perdemos tudo. Não conseguimos tirar nada. Já na segunda, o pouco que havíamos recuperado, conseguimos remover em tempo. Foi um choque muito grande. Não esperava ver todo o esforço e trabalho indo embora. Passei um tempo pensando em desistir inúmeras vezes. Mas, tudo foi passando, a tristeza diminuindo, começamos a reorganizar as coisas e vi que é isso que realmente eu queria. E não desisti, continuei”, diz orgulhosa.

Além disso, Aline lembra o início de sua caminhada, principalmente, quando se fala em assumir postos de comando administrativo, como é o seu caso, em gerir empreendimentos. “A mulher sofre muito preconceito hoje em dia, ainda mais estando a frente de algo que ‘seria trabalho de homem’. No meu trabalho hoje, é bem complicado por sermos mulheres, sempre ouvimos diversas gracinhas e muitas vezes até falta de respeito de algumas pessoas. A acredito que isso hoje seja o desafio maior, cabe a nós impormos respeito e saber lidar com cada situação desagradável”, garante.

Trabalho com determinação

Em um campo de trabalho tradicionalmente dominado por homens, Marisa Simoní Mossi, de 40 anos, moradora de Bento Gonçalves, destaca-se pela sua destreza e paixão pelo de azulejista. Junto de seu marido, ela não apenas instala azulejos com precisão e excelência, mas também desafia estereótipos de gênero, mostrando que as mulheres são igualmente capazes nesta profissão. “Quando minha filha nasceu, trabalhava em uma empresa de móveis. Quando ela tinha quatro meses, deveria ter retornado ao emprego. Então decidi ajudar meu marido na obra. Ele dispensou o ajudante e ficamos nós dois. Ele fazia construção completa. Acabamos mudando para reformas de banheiro e colocação de porcelanato.

Seu trabalho não só transforma espaços, mas também inspira outras mulheres a perseguirem suas paixões, independentemente das expectativas sociais. “Quando comecei, há 10 anos, não tinha nenhuma mulher em canteiro de obras. Em diversos momentos, quando eu estava trabalhando, paravam pra ver e até fotografavam. Fui uma das primeiras aqui em Bento. Agora já tem em quase todos os segmentos. Conheço várias e quando posso sempre incentivo para que mais mulheres aprendam a profissão. Acho que estamos em um tempo que não devemos mais ter preconceito com isso tem espaço para todas trabalharem”, afirma.

Afirmação de independência

A rotina de Lucimara Folador Angheben, de 39 anos, que há cinco anos meio atua como lavadora de carros em Pinto Bandeira, é um testemunho de sua coragem e foco. Em um ambiente tipicamente dominado por homens, ela enfrenta desafios diários, desde o preconceito até a desigualdade de oportunidades. No entanto, Lucimara não se deixa intimidar. Com mãos habilidosas e determinação inabalável, ela transforma cada carro em uma obra de arte reluzente. Para ela, lavar carros não é apenas uma profissão, é uma declaração de sua força e determinação em um mundo que muitas vezes tenta silenciar as vozes femininas. “É uma realização pessoal. Gosto de desafios e quando surgiu a oportunidade, resolvi enfrentar. Gosto do que faço e, acredito que não deva existir uma profissão determinada ao homem ou a mulher. Basta querer e fazer o que gosta com amor e dedicação”, enfatiza.

Com um sorriso no rosto e uma atitude firme, a lavadora de carros de Pinto Bandeira demonstra que é tão competente e capaz quanto qualquer homem na mesma função. Sua postura confiante e seu trabalho impecável são sua melhor resposta ao preconceito, mostrando que não há espaço para discriminação em sua vida e em sua profissão.

Uma pintora no universo masculino

Em meio a um cenário marcado pela busca pela igualdade de gênero, muitas mulheres têm se destacado ao romperem barreiras e atuarem em profissões tradicionalmente dominadas por homens. Seja na engenharia, na tecnologia, na construção civil, ou em outras áreas, essas profissionais têm mostrado que competência e talento não têm gênero.

É o caso de Scheron Guerra Becker, de 40 anos, de Bento Gonçalves, que atua desde 2020 como pintora. Antes disso, ela era proprietária de um salão de beleza. Mesmo apaixonada pelo que fazia, buscava crescimento pessoal e profissional. O gosto pela arte de pintar surgiu desde cedo. “Quando mais nova eu gostava de ajudar meu pai em alguns serviços de pintura. Em 2015, ainda sendo cabeleireira, também ajudava meu irmão em alguns serviços relacionados”, conta.

Foi durante a pandemia que Scheron decidiu mudar radicalmente. Encerrou suas atividades no salão e começou a trabalhar com o irmão. “Logo abrimos uma empresa em sociedade, e hoje tenho a minha própria empresa. Hoje sinto muito prazer no que faço”, aponta.

Indagada sobre o preconceito e desafios de sua carreira, a pintora disse que nunca se sentiu intimidada, pois, segundo ela, sempre teve segurança no seu talento e na execução dos serviços que presta. “Sai de um ambiente completamente feminino, e me encontro hoje no outro polo, um ambiente completamente masculino. Sempre fui super bem tratada e o que mais ouço no dia a dia é a seguinte frase ‘a se tem mulher junto é garantia de serviço bem feito’. Os clientes em geral ficam felizes, ressalta.

Mesmo os elogios sendo a maioria, Scheron conta que ouviu frases de teor preconceituoso. “Já passei por algumas situações isoladas, comentários infelizes como por exemplo, ‘Sério? Uma mulher subindo em um balancim? Vocês estão loucos?”, ou afirmações do tipo, ‘mulher não deveria entrar nessa obra, pois agora vamos ter que fazer um banheiro só pra ela”, conta.

A profissão de pintora traz à Scheron alguns desafios, principalmente no que diz respeito a força física. “O que é serviço que fisicamente eu sou incapaz de realizar, eu não tenho problemas de pedir ajuda, afinal de contas, homens são providos de músculos, e em contrapartida, tenho muito mais trato ao lidar com clientes, ter a sensibilidade de entender o que cada cliente busca, capricho em relação a detalhes que muitas vezes passam despercebidos”, explica.

Apesar dessas dificuldades, ela diz ter conseguido superar os obstáculos e se destacar em seu ofício, mostrando que têm habilidades e competências tão grandes quanto as dos homens. “Nunca pensei em desistir, sou capaz tanto quanto qualquer um nesse ramo. As críticas, muitas vezes, me colocam em momentos de reflexão, mas no sentido de superar aquilo que é proposto para fazer”, brinca.

Data para celebrar direitos conquistados

O Dia Internacional da Mulher tem origens históricas no movimento operário e socialista do século XX. A data remonta a 8 de março de 1857, quando operárias têxteis de uma fábrica em Nova Iorque entraram em greve reivindicando melhores condições de trabalho, redução da jornada e salários dignos. Essa greve foi reprimida com violência pela polícia, mas o episódio serviu como catalisador para movimentos posteriores em prol dos direitos das mulheres.

Em 1910, durante a II Conferência Internacional de Mulheres Socialistas em Copenhague, a líder socialista alemã Clara Zetkin propôs a criação de um dia internacional das mulheres, que fosse dedicado a promover a igualdade de gênero e os direitos das trabalhadoras. A proposta foi aprovada por unanimidade e o primeiro Dia Internacional da Mulher foi celebrado em 19 de março de 1911 em vários países da Europa.

A data foi oficialmente adotada como o Dia Internacional da Mulher pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1975, como parte das comemorações do Ano Internacional da Mulher. Desde então, o 8 de março é celebrado em todo o mundo como um dia de reflexão sobre as conquistas das mulheres, mas também sobre os desafios que ainda persistem em relação à igualdade de gênero.

Legislação

No Brasil, diversas leis foram criadas para garantir a proteção e os direitos das mulheres. Entre as principais, destacam-se:

  • Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006): A Lei Maria da Penha é considerada um marco na defesa dos direitos das mulheres. Ela estabelece medidas de proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar, prevê a criação de juizados especializados e define formas de prevenção e combate à violência contra a mulher.
  • Lei do Feminicídio (Lei nº 13.104/2015): A Lei do Feminicídio incluiu o feminicídio no rol dos crimes hediondos e estabeleceu penas mais severas para os casos em que o crime é praticado contra mulheres em razão de gênero. Ela visa coibir e punir com mais rigor os casos de assassinatos de mulheres.
  • Lei do Assédio Sexual (Lei nº 10.224/2001): A Lei do Assédio Sexual define o crime de assédio sexual e estabelece as penalidades para quem o pratica. Ela visa proteger as mulheres de situações constrangedoras e abusivas no ambiente de trabalho ou em espaços públicos.
  • Lei do Minuto Seguinte (Lei nº 12.845/2013): A Lei do Minuto Seguinte garante às vítimas de violência sexual o direito ao atendimento imediato e integral nos serviços de saúde do SUS, incluindo o acesso a medicamentos e contraceptivos de emergência.
  • Lei do Acompanhante (Lei nº 11.108/2005): A Lei do Acompanhante assegura às mulheres o direito de ter um acompanhante de sua escolha durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato no âmbito do SUS.

Essas leis representam importantes avanços na garantia dos direitos das mulheres no Brasil. No entanto, ainda há muito a ser feito para garantir a igualdade de gênero e combater a violência e a discriminação contra as mulheres em todas as esferas da sociedade.

Diariamente, pelo menos oito mulheres sofrem violência doméstica no Brasil

No ano de 2023, ao menos oito mulheres foram vítimas de violência doméstica a cada 24 horas. Os dados referem-se a oito dos nove estados monitorados pela Rede de Observatórios da Segurança da Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro e São Paulo.

A informação consta do novo boletim Elas Vivem: Liberdade de Ser e Viver, divulgado nesta quinta-feira, 7 de março. Ao todo, foram registradas 3.181 mulheres vítimas de violência, representando um aumento de 22,04% em relação a 2022, quando Pará e Amazonas ainda não faziam parte deste monitoramento.

Ameaças, agressões, torturas, ofensas, assédio, feminicídio. São inúmeras as violências sofridas que não começam ou se esgotam nas mortes registradas. Os dados monitorados apontaram 586 vítimas de feminicídios. Isso significa dizer que, a cada 15 horas, uma mulher morreu em razão do gênero, majoritariamente pelas mãos de parceiros ou ex-parceiros (72,7%), que usaram armas brancas (em 38,12% dos casos), ou por armas de fogo (23,75%).

“A mobilização contra o feminicídio e outras formas de violência salva vidas. Nós já perdemos mulheres demais, e ainda perderemos. É a denúncia incansável que preservará a vida de tantas outras”, disse a jornalista Isabela Reis, que assina o principal texto desta edição do relatório.

Na comparação com 2022, os dados mostram São Paulo como o único estado a ultrapassar mil eventos de violência – alta de 20,38% (de 898 para 1.081). Em seguida vem o Rio de Janeiro, que registrou 13,94% (de 545 para 621) a mais que no ano anterior. Já o Piauí, embora registre menos casos em números absolutos, é o estado que registrou a maior taxa de crescimento: quase 80% de alta em um ano (de 113 para 202).

Também no Nordeste, com 319 casos de violência, Pernambuco registrou 92 feminicídios. A Bahia lidera em número de morte de mulheres (199), o Ceará é o estado com maior registro de transfeminicídios (7) e o Maranhão lidera os crimes de violência sexual/estupro (40 ocorrências).