Parece um sonho. É dessa forma que a dona de casa, Zenaide Dal Ponte, 74 anos, define o asfalto que a Via dos Imigrantes, principal estrada da Linha Cruzeiro, em São Pedro, interior de Bento Gonçalves, recebeu, no final do ano passado.
Pelos relatos, a reivindicação é tão antiga, que alguns moradores passaram a vida inteira lutando para conseguir, mas faleceram antes mesmo de ver, em vida, a realização. Uma das solicitações foi, inclusive, registrada em ata no ano de 1999, mas segundo a comunidade, o pedido vinha de muito antes.
Zenaide e o marido, o agricultor Santo Dal Ponte, 82 anos, residem há 40 anos no local. Para ela, depois da água, o asfalto foi a maior conquista dos moradores da localidade. “Fez muita diferença na vida da gente. Para mim é como te disse, um sonho realizado”, comemora.
A moradora relata que a estrada, antes de chão batido, levava muito poeira para dentro de casa. “Entrava pó e eu tinha que ficar toda hora limpando e não adiantava. Quando chovia então, era uma tristeza. Além de que estragava os móveis, tínhamos que deixar a casa completamente fechada”, relembra.
O incômodo gerado era tão grande, que o casal perdeu um inquilino que alugava a residência do casal. “Ele ficou só três meses, disse que não aguentava mais a poeira e foi embora”, conta.
José Garavaglia, de 93 anos, nasceu na Linha Cruzeiro. Sorridente, ele conta que trabalhou como agricultor, serralheiro, motorista e até leiteiro. Casado com a falecida Clorinda Somacal Garavaglia, a união resultou em dez filhos. Todos criados no mesmo lugar.
Entre as lembranças vivas de Garavaglia, que tem mais de nove décadas de histórias no local, está também o pedido pelo asfalto. “Fiz requerimento pedindo asfalto ainda na época do ex prefeito Bertuol”, relembra. Aido José Bertuol foi prefeito de Bento Gonçalves entre 1986 e 1988 no primeiro mandato. Depois, entre 1993 e 1996.
Embora, devido à idade, já não saia com frequência de casa, Garavaglia viu como a estrada, que também foi conquistada com os esforços do neto, Thiago Fabris, ficou depois de pronta. “Muito bonita”, elogia.
Uma das filhas de Garavaglia, a professora Mônica Garavaglia, 61 anos, reforça que o asfalto era uma reivindicação de uma vida inteira. “O pai batalhava muito, mais de 40 anos tentando. Quem vive por aqui estava sempre limpando a casa, era uma nuvem de poeira”, diz.
Igreja construída pelas mãos dos moradores
Considerado um líder comunitário, Santo Dal Ponte, entre tantas certificações, tem uma que considera especial: o Diploma de Fundação pela participação na criação do distrito de Dona Isabel, oficialmente instalado no dia 15 de abril de 1982. O distrito de São Pedro, hoje mais conhecido como Caminhos de Pedra pela arquitetura, era chamado, antigamente, de distrito de Dona Isabel.
Questionado sobre o significado que esse diploma tem na vida dele, Dal Ponte afirma que “Significa que a gente avançou. Inicialmente, dependíamos de Pinto Bandeira, depois o distrito foi crescendo e hoje tem tudo”, afirma.
Uma das obras que contou com a ajuda dele, foi a construção da Igreja da Linha Cruzeiro. Dois anos após o início, com a ajuda de outros moradores, ela foi concluída. “Em dois anos subimos e cobrimos a igreja. Depois foi indo. Ficou muito bonita”, lembra.
A esposa, Zenaide, também muito engajada com os trabalhos comunitários, acompanhou de perto as obras e relembra da época. “O padre Izidoro Bigolin começou celebrando as missas com pedras britas no chão, antes da igreja estar pronta, porque não tinha onde rezar”, recorda.
Orgulha, Zenaide afirma que a igreja foi uma obra das mãos da comunidade. “Foi tudo feito com o trabalho da comunidade. A gente fazia almoços, jantas, festas para arrecadar dinheiro para construir e felizmente conseguimos”, comemora.
De acordo com o pároco da paróquia Santo Antônio, responsável pelo atendimento religiosos e pastoral da comunidade, padre Ricardo Fontana, a vontade da comunidade aliada com a demanda do local, que cresce a cada dia, ajudou nas obras da igreja. “Um templo novo, bem projeto e grande, o que para mim foi um sinal do Espirito Santo que parou sobre a comunidade, sobre o pároco da época e sobre as irmãs pastorinhas, porque ali no entorno da Linha Cruzeiro vem surgindo muitos loteamentos novos”, afirma.
Agroindústria de biscoitos
Gemile Osmarin, mora há 39 anos na Linha Cruzeiro, local onde também, há 12 anos, trabalha com a fabricação de biscoitos e pães com um diferencial: é tudo orgânico. Depois de um tempo, o empreendimento virou uma agroindústria. “Comecei lentamente, vendendo na Feira Orgânica”, conta.
A produtora afirma que, por conscientização, prefere trabalhar só com alimentos orgânicos. “É mais trabalhoso, a gente perde muita coisa, mas dá sim para cultivar muito bem esses produtos”, afirma.
Nesse trabalho, ela conta com a ajuda da amiga, que também mora na comunidade há 76 anos, Irma Maria Zanatta. “Estou aposentada, mas dando uma ajuda aqui. Tive uma vida pesada, trabalhei com agricultura, como costureira, em firma também. Agora trabalho nessa microempresa de biscoitos”, explica.
Creche entre os pedidos
Embora não tenha tantas crianças na Linha Cruzeiro, comunidade formada na maior parte por idosos, há famílias com filhos pequenos que sentem necessidade de uma creche na localidade.
É o caso do agricultor Silvano Osmarin. Pai de dois filhos pequenos, ele diz que sentiu a dificuldade de não ter creche tão perto. “Conseguimos colocar eles em uma creche da cidade, mas se tivesse uma no Barracão, seria muito mais perto e fácil. Essa é uma dificuldade para quem tem filho pequeno e tem que trabalhar”, afirma.