A terceira reportagem da série “Patrimônio em Foco” conta com entrevista do secretário de Cultura e Turismo

Entre vinhedos, tradições seculares e um calendário repleto de eventos que celebram a herança italiana e gaúcha, Monte Belo do Sul tem se destacado pela preservação da memória e da identidade local. Apesar de ser um município de pequeno porte, a cidade investe de forma consistente na proteção de seu patrimônio material e imaterial, equilibrando a evolução urbana com a valorização de suas origens, como destaca o secretário de Cultura e Turismo do município, Alvaro Manzoni.

A colonização italiana, que moldou a história e o cotidiano monte-belense, é celebrada em diversas frentes. “A preservação dos costumes é viva tanto nos grupos de folclore sejam eles de cantos, dança ou música, nas escolas através do Talian e atividades intensas que lá são praticadas, como em eventos: ‘Festa de Abertura da Vindima’, ‘Vieni Vivere la Vita Festival’, ‘Giardino Vêneto’, ‘Encontro de Cantorias Italianas’ e fortemente o ‘Polentaço’, que tem sido o evento que mais deu visibilidade à localidade e que conta com a parceria e envolvimento do Centro de Tradições Italianas. A criação foi prevista inclusive na Lei Orgânica Municipal”, pontua.

Área central

Tradicionalismo

Paralelo à cultura italiana, o secretário ressalta o CTG Sopro do Minuano, que busca manter vivas as tradições gaúchas através de iniciativas próprias e nos Festejos Farroupilhas. “Temos a colaboração intensa do COMPHACDTUR (Conselho Municipal do Patrimônio Histórico, Artístico, Cultural, Desenvolvimento e Turismo Sustentável) que atua de forma deliberativa em diversos casos de preservação. O município mantém ativos os planos de Cultura e Turismo que também estão inseridos a nível estadual e nacional, buscando inclusive investimentos tanto para a cultura quanto para o turismo”, frisa.

Patrimônio material e imaterial

Embora Monte Belo do Sul não possua ainda um espaço público dedicado exclusivamente à memória, como museus, a cidade abriga importantes patrimônios. “Os eventos populares geralmente são realizados na Praça Padre José Ferlin. É uma carência da localidade ter um espaço público para memória e deve ser trabalhado para que não se perca a história e os utensílios que geraram tudo o que temos. A Igreja Matriz São Francisco de Assis é o maior patrimônio edificado e religioso local, todavia pertence à Mitra Diocesana. Hoje, como patrimônio contemporâneo temos o calçadão ligado a Praça da Matriz, o mirante da saída do município, bem como o portal de entrada, patrimônios estes que evidenciam o turismo cultural, mesmo não tendo um histórico longo, potencializa enormemente a paisagem local”, evidencia Manzoni.

O inventário municipal já registra 100 construções de diferentes épocas, sendo três delas oficialmente tombadas. Além disso, há um acervo fotográfico e de slides preservados na Secretaria de Cultura e Turismo, incluindo registros deixados pelo Pároco Ulderico Dallò. “O município tem uma Lei Municipal de proteção ao Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural, além disto o Conselho já citado é um forte instrumento de defesa da manutenção da paisagem, seja ela urbana ou rural. Hoje está sendo trabalhado o novo Plano Diretor, prevendo a preservação destas paisagens e buscando manter as características locais, sem que isto deixe de buscar o progresso e a evolução. A característica do município é de um turismo cultural voltado à famílias, já que tivemos um acréscimo considerável de empreendimentos familiares que recebem turistas de várias partes do país e do mundo, justamente pela característica sustentável, embasada na cultura de modo geral, seja ela do cultivo da videira, gastronômica, religiosa, de eventos temáticos e agroindústrias”, afirma.

Salão Paroquial

O prédio da prefeitura municipal, que abrigou por longos anos as Irmãs do Imaculado Coração de Maria, é um dos bens mais antigos, e hoje é o que está recebendo atenção do Poder Público, já que necessita de um restauro geral, dando inclusive um uso também voltado à cultura, como um memorial, biblioteca e outros segmentos, sem deixar de ser local do Poder Executivo, como pondera Manzoni. “Embora há uma dificuldade intensa de compreendimento da comunidade, todavia, é dever trazermos ao presente estas histórias para que num futuro bem próximo nossos sucessores possam sentir orgulho de sua descendência e residirem em um local que ainda cultiva suas raízes como motivo de orgulho”, comenta.

No patrimônio imaterial, Monte Belo do Sul, conforme o secretário, reforça seu protagonismo com eventos que extrapolam a escala local. O ‘Polentaço’, o ‘Vieni Vivere la Vita’ e a ‘Festa de Abertura da Vindima’ tornaram-se marcas registradas, aliados ao trabalho de associações como o Centro de Tradições Italianas, a Associação Comunitária dos Amigos de Monte Belo (ACAMB), a Associação dos Empreendedores (ASSEMB) e a Associação dos Vitivinicultores de Monte Belo do Sul (APROBELO), que fortalece a vitivinicultura com foco em indicações de procedência e denominação de origem.

Projetos de formação cultural também ganham espaço, como o “Monte Belo: música, canto e dança”, que reúne cerca de 200 participantes entre crianças, jovens e adultos. A parceria com estudantes de arquitetura da Universidade de Caxias do Sul (UCS) e o trabalho técnico da CIGG Turismo, iniciado em 2021, ampliam o mapeamento de bens históricos, abrangendo casas, igrejas, capitéis e cemitérios. Monte Belo também mantém contato com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado (IPHAE), que se colocou à disposição para qualquer tipo de ação envolvendo apoios no contexto da preservação.

Casa Fantin

Os desafios, no entanto, permanecem. Segundo o representante da Secretaria, a maior barreira é a conscientização da comunidade sobre o valor do patrimônio histórico. “É muito comum nas cidades interioranas, as pessoas entenderem que progresso é sinônimo de ‘coisas novas’ e destruir o ‘velho’, todavia, é importante saber que velho e antigo são coisas diferentes e que a antiguidade também traz para o presente a nossa tradição. Está presente na comunidade a ideia de que custa menos derrubar e fazer novo que restaurar. Isso é verídico, porém quem tem um patrimônio material antigo, possui um bem que não é só preço físico e sim, sentimental. É o caso também da pavimentação basáltica na Sede Municipal, onde muitos entendem que o asfalto ficaria ‘mais bonito’, todavia entendemos que o basalto neste cenário é o que trás a vida interiorana mais presente e por outro lado, evita o calor excessivo no verão, escoando melhor as águas em tempos de chuva”, afirma.

O futuro da preservação em Monte Belo do Sul passa por diversos projetos, como a revitalização da praça Padre José Ferlin. “Na Secretaria de Cultura e Turismo, temos em vigor os Planos devidamente aprovados em Leis Municipais e neles constam ações de curto, médio e longo prazo, todavia, estes planos podem sofrer variações de acordo com o orçamento que se tem e verbas advindas das instâncias estadual e federal, contudo, a administração tem se importado na criação de espaços como os mirantes mencionados anteriormente e pensa na revitalização da praça Padre José Ferlin, readaptando-a para eventos tradicionais e um Centro Comunitário, que poderá abarcar tanto o Centro de Tradições Italianas, Centro de Tradições Gaúchas e outras Entidades, como o Clube da Melhor Idade e ligas esportivas de futebol e bocha, que também são tradições locais. Esta meta, mesmo sendo de longo prazo, é um equipamento necessário e que deve ser tratado com responsabilidade e compromisso”, reitera.

Casa de Marco

Segundo o secretário, principalmente através do Centro de Tradições Italianas, há a utilização nos últimos tempos da Lei de Incentivo à Cultura (Pró-Cultura/RS), como um instrumento de apoio principalmente para eventos e o Fundo de Apoio à Cultura para projetos relacionados ao Talian. “Somente nos últimos 10 anos, foram captados mais de R$2,5 milhões de reais para os eventos. Recursos da Lei Aldir Blanc e Coinvestimento do Estado também são utilizados. Isto representa que a cultura por si só praticamente se sustenta e recursos que supostamente seriam utilizados com o orçamento municipal acabam restando para outras finalidades que a administração prioriza, como pavimentações asfálticas e saneamento por exemplo. Desta maneira fazemos cultura com responsabilidade, sem comprometer recursos do orçamento local, muito embora seja direito da municipalidade dar a contrapartida devida pelos recursos que recebe”, salienta.

O comprometimento com o desenvolvimento cultural local é extremo, segundo ele. “Vemos a cada dia evoluções. É desejo de que tenhamos um monumento em homenagem a imigração italiana da entrada da cidade bem como outro na Praça Padre José Ferlin do próprio que dá nome à Praça reconhecendo o trabalho do religioso em favor do bem e da coragem de deixar um patrimônio material e imaterial, que foi a Igreja Matriz São Francisco de Assis”, complementa.

Fotos Roberta Zaffari e arquivo.