Calças de cintura alta, saias midi, scarpins e animal print voltam com tudo, mostrando como a moda cíclica atualiza clássicos do passado para atender às novas necessidades e preferências dos consumidores
Muitas vezes ao sair na rua, temos a impressão que voltamos aos anos 70 ou 80. Mesmo que você não tenha vivido essa época, com certeza conhece as principais tendências e as peças mais utilizadas por meio de registros fotográficos. As calças de cintura alta, flare (boca de sino), saias midi, scarpins, a tiara no cabelo e o animal print, além do xadrez, voltaram com tudo. Esses são alguns exemplos de um conceito chamado moda cíclica.
Moda cíclica na prática
A moda cíclica nada mais é do que reviver tendências do passado com algumas atualizações para atender ao público atual. O que era moda nos anos 80, foi considerado “brega” nos anos 90 e atualmente está nas passarelas dos desfiles e das ruas, por exemplo. As tendências sazonais costumam passar muito rápido e a cada estação são criadas novas peças e modelos. Tudo isso leva em consideração as rápidas mudanças no comportamento do consumidor e as novas necessidades que vão surgindo.
Thádya Louise Teixeira Marin, uma entusiasta da moda de 20 anos, explica: “A moda cíclica resgata o passado e, ao mesmo tempo, o reinventa para se encaixar na sociedade contemporânea. É fascinante ver como as tendências antigas voltam com uma nova roupagem, mais moderna e alinhada com os tempos atuais. É empolgante ver como peças que foram desprezadas ganham uma nova vida e são reinterpretadas com tanto estilo e originalidade”, conta.
O desejo do consumidor e a pesquisa comportamental
Se uma tendência do passado volta com tudo em outra coleção, é preciso que haja um desejo do consumidor. Mas como descobrir o que os clientes estão buscando, querendo ou relembrando. Aí é que entra a pesquisa comportamental, envolvendo as características socioeconômicas e políticas, por exemplo. A indústria precisa saber o que está acontecendo em cada uma das camadas da sociedade. Assim como as pessoas reagem e se projetam através da moda para criar coleções que estejam alinhadas com essas tendências. “A inovação vem a partir de experiências já desenvolvidas,” continua Thádya. “É uma forma de estudar o comportamento da sociedade junto com o consumo, produzindo novidades que dialogam com o passado, mas que também se adaptam às necessidades e gostos atuais”, insinua.
Tendências que têm voltado nas últimas coleções
É normal que, ao longo dos anos, algumas tendências retornem, é a moda cíclica. Às vezes, por uma única temporada e em outras situações, acabam voltando para ficar. Thádya compartilha suas favoritas: “Sapatos de plataforma e calça flare são peças que eu adoro. Elas trazem um charme vintage ao guarda-roupa contemporâneo”, conta.
Thádya também dá dicas valiosas de como incorporar essas peças vintage no dia a dia: “Usar o que você se sente confortável e confiante é essencial. Buscar sempre se vestir de forma autêntica, sem seguir apenas as tendências momentâneas. Por exemplo, a saia midi plissada combinada com uma t-shirt e tênis pode criar um look moderno e estiloso. Busco sempre analisar peças que combinem com o que já tenho em meu guarda-roupa. Antes de comprar já vou pensando em como posso usar essas peças vintages dentro do que já tenho em casa”, explica.
Incorporar tendências antigas pode apresentar desafios, especialmente quando certas peças não se encaixam no guarda-roupa atual. Thádya reflete sobre isso: “Tem algumas tendências antigas que não se encaixam no meu estilo atual e não consigo me imaginar usando-as. Mas, de certa forma, o resgate dessas tendências pode contribuir para um consumo de moda mais sustentável e consciente, incentivando a moda circular e local, pois muitas vezes as pessoas vão atrás dessas peças vintage em brechós”, indica.
As redes sociais, especialmente o TikTok, têm desempenhado um papel fundamental no retorno das tendências, popularizando-as rapidamente. Hoje em dia, com o acesso à internet, a informação se dissemina de maneira muito mais ampla entre as pessoas. “O Tik Tok, por exemplo, populariza rapidamente as tendências. Ver outras pessoas resgatando essas peças influencia outras a fazerem o mesmo. Um exemplo notável é o desfile da Chloé que trouxe a estética boho dos anos 70 de forma contemporânea, viralizando nas redes sociais”, conta.
Renan Isoton, professor e pesquisador de moda, explicou a importância de entender esses movimentos. “A moda reflete a sociedade. Trabalhamos com tendências, pesquisando comportamentos e tentando traduzir e apostar no que as pessoas desejarão na próxima estação ou no ano seguinte. As pesquisas de tendência geralmente acontecem com três a quatro anos de antecedência”, mostra.
Isoton destacou que a nostalgia é um fator importante para reviver as peças das décadas passadas. “Os jovens de hoje, que nasceram nos anos 2000, têm uma ligação com essa década por causa da infância. Agora, na vida adulta, eles querem reviver aquilo por ter sido um momento agradável. Também há inspirações criativas, econômicas e a influência da mídia e das redes sociais, que democratizam a informação e dão voz às pessoas. Também tem questões econômicas, pensando justamente em estratégias, como reutilizar ideias, sem gerar muitos custos e reduzir os mesmos. Outra coisa que influencia muito é a mídia. Então, novela, jogadores de futebol, isso é bastante importante na hora de reviver tendências”, conta.
Algumas tendências de décadas passadas voltam, às vezes por uma única temporada, outras vezes para ficar. Para o professor essas peças voltam justamente devido ao público jovem. “Geralmente, quem revive mais a moda cíclica, que está sempre mais ligado, são os jovens. Então, essa moda mais fast fashion, com mais informação, quem absorve primeiro e quem demanda primeiro são os jovens”, expressa.
O maior desafio na moda cíclica é acertar nas apostas de tendências. A pandemia de 2020, por exemplo, foi um evento inesperado que alterou radicalmente as previsões de moda daquela época. “A pandemia mexeu com todas as pesquisas de tendências. Por isso, o maior desafio é fazer uma aposta certa e o benefício é proporcionar conforto e estilo, alinhados à tecnologia atual,” comentou o pesquisador.
A tecnologia moderna permite a produção de vestuário com mais velocidade e qualidade, além de promover o uso de fibras mais sustentáveis. Reviver modas passadas através de brechós também é uma prática que ganha força. “Comprar em brechós oferece acesso a roupas originais da época, com muita história e exclusividade, além de promover a moda circular e sustentável,” ele acrescenta.
Algumas tendências que retornaram:
Comprimento Midi: Saias ou vestidos um pouco abaixo do joelho, com cintura marcada, foram febre entre 1930 e 1950. Desde 2017, essa tendência voltou com força. Adaptadas ao tecido e à cartela de cores da temporada, essas peças trazem feminilidade e elegância. A saia plissada midi, por exemplo, permite várias combinações, desde um look elegante com salto alto até uma produção mais casual com tênis.
Também a modelagem oversized tem voltado à tona. Sendo uma tendência mais voltada a rua, a moda streetwear tem se tornando muito bem quista pelo público jovem.
Anos 80: Exagerada, vibrante e cheia de brilho, a moda anos 80 está de volta. Marcada pela competição entre homens e mulheres em busca de igualdade no mercado de trabalho, essa década refletiu mudanças sociais com uma mistura de sensualidade, sofisticação e ousadia. Principais tendências que retornaram incluem maxi acessórios, ombreiras e conjuntos de alfaiataria estruturados.
A influência das redes sociais
As redes sociais têm um papel crucial na moda cíclica. Influenciadores e blogs de moda comunicam e divulgam o que está acontecendo, conectando consumidores a designers. Isoton destaca que “os influenciadores são comunicadores importantes. Eles ajudam a conectar o consumidor final com designers, especialmente os jovens. A moda é muito mais segmentada hoje, permitindo acesso a tudo em qualquer momento e lugar”, explica.
Historicamente, os jovens são motores de revolução e transformação social, refletindo-se na moda. Eles adotam e disseminam novas tendências, como o streetwear, Y2K(Years 2000”, ou “anos 2000, que revive os anos 2000) com um toque moderno. “Os jovens estão mais preocupados em usar roupas confortáveis e sustentáveis. Eles são protagonistas dessa mudança, trazendo um olhar sustentável e voltado para o estilo pessoal. Historicamente, os jovens sempre estiveram à frente de revoluções, de transformações sociais e a moda é um reflexo disso. Se você for olhar nos anos 80, 90, quem estava como protagonista dessa ruptura de um pensamento mais conservador para um pensamento mais moderno, mais atualizado, vanguarda, sempre foram os jovens”, menciona.
As peças vintage, de segunda mão, ganham força junto ao movimento vintage. Para Isoton o jovem é protagonista da mudança de pensamento referente a roupas de brechós, algo que há 10 anos atrás era impensável de se usar. “Vejo também um movimento muito grande de jovens utilizando roupas de segunda mão, isso é incrível, até 10 anos atrás, isso era impensável e hoje, o jovem é o protagonista dessa mudança, desse olhar mais sustentável, desse olhar mais voltado para o seu estilo pessoal”, declara.
Sustentabilidade e identidade na moda
O resgate de tendências passadas pode contribuir para um consumo de moda mais sustentável e consciente. O Brasil, por exemplo, é um exemplo internacional em moda sustentável. “A nossa cultura, diversidade e povo são nossos maiores trunfos. Marcas brasileiras como Farm e Melissa estão fazendo sucesso no exterior por trazerem essas características,” Isoton ressaltou.
A moda é uma ferramenta de transformação social. Muitas famílias brasileiras sustentam-se através da moda, desde costureiras até grandes designers formados em universidades locais. “Estude, conheça a moda nacional e os criadores. Isso é essencial para criar algo com identidade,” aconselha o pesquisador.