MINHA VIDA FERROVIÁRIA
Como eu faço todas as manhãs, acordo, ouço rádio, os comentários das 7 às 8 horas, o correspondente noticioso…paro por aqui pois acabei de ouvir o seguinte comentário ecoado aos quatro ventos do estado: “os turistas que visitam o Vale dos Vinhedos ao que parece vão ter mais uma atração: procurar cadáveres”. O comentário adendo veio após a notícia do surgimento de mais dois cadáveres e um carro incendiado. Me atenho ao comentário não importando o local do encontro dos corpos. Pesaroso, vou em frente, tomo minha pílula, faço a higiene inicial, vou ao café, vou à leitura de três jornais. Mais uma pílula, nova higiene, banho, roupa e vou de encontro hoje, sexta, a Gabriele, esta máquina que “vos escreve a coluna”. Para falar da ESTAÇÃO FERROVIÁRIA, que hoje completa 100 anos, uma vida centenária.

Olha eu na foto, talvez tenha viajado de Maria Fumaça com este traje.

PRIMEIRA VIAGEM
A Estação Ferroviária tinha trinta anos quando minha vó Irene disse: “Riquinho (era meu codinome), vamos a Caxias de trem visitar os tios (dois filhos dela). Não sei se ela me vestiu com aquele traje de marinheiro, igual o Popeye, que eu tinha, ou, uma calça curta mas, lá fomos nós: Bento-Barbosa-Farroupilha-Caxias. Uma viagem longa demais. Para suportar o tédio, colocava a cabeça para fora da janela e levava uns queimões das fagulhas que vinham da locomotiva que “vociferava”. E o cobrador do trem me xingava: “tira a cabeça daí guri, tu vai te dar mal”. Ele virava as costas e lá tava minha cabeça de novo, toda empipocada. Fizemos isso duas vezes, na última vez eu disse: “Maria Fumaça e brasa nunca mais vó”. A partir daí, ônibus da Ozelame.

O CAMPINHO DE FUTEBOL
A vó que eu falo acima é por parte de pai, morávamos no Barracão, a vó que vou falar agora é a por parte de mãe, que morava ali do lado da Todeschini velha, a 50 metros da Estação Ferroviária. Meu pai, que primava pela minha educação, me injetou do Grupo Escolar N. Sra. Salete, do Barracão, para o Colégio Aparecida. E, de quebra, morando com minha vó Dileta, vivendo uma vida espartana e tomando leite de uma cabra de estimação que ela mantinha. Se vocês já tomaram leite de cabra vão entender porque o meu plano de vida era “matar aquela cabra”. Sobre a minha vida marista vou falar mais adiante, mas antecipo que era bullying em cima de bullying.

No meio disso tudo tinha o trajeto: Colégio Marista; subida ou descida do terreno baldio que tinha ao lado da casa do Prof. Paulo Zanatta, local íngreme, escorregadio na descida e cansativo na subida; no alto do morro a direita, duas quadras a mais e “trilhos pra que te quero” no lado direito da Aurora e, atenção às manobras da Maria Fumaça.

Atravessava os trilhos me equilibrando encima deles, era divertido, e lá estava a casa da vó, quer dizer, lá estava a cabra “maldita” que dizia quando eu chegava: “mééé, mééé, mééé”. Era uma vida de estudante sofrida. No domingo que passou rememorei ao dar uma volta de bicicleta, inclusive pela Estação Férrea. Depois da aula, “a caminho da cabra”, eu parava num campinho de futebol que tinha lá onde ainda está a caixa d’água. O terreno era em declive, hoje está reduzido e ondulado, parece ter sofrido um “terremoto”. Aquele campinho formou e revelou vários craques que acabaram sendo inclusive profissionais no Esportivo, o Hélio, o Itamar, meus melhores amigos. Não me deixavam jogar, quer dizer, jogava, quando a bola saia pela linha de fundo e eu ia buscar, driblava minha sombra e “jogava” a bola para eles continuarem.

A MARIAZINHA FUMACINHA da foto ia ser jogada fora, procurava-se alguém que a aceitasse. Carlos Perizzolo disse “não, vamos ficar com ela e colocá-la lá”. E lá está até hoje, não há turista que não tire foto com ela, bem mais do que a PIPA PÓRTICO.

A MARIA
Quando não era futebol, o “bando” ia “assaltar” a Maria Fumaça. Quando ela partia nos pendurávamos nela e íamos, perseguidos pelo “Guarda Trem” até ali no Botafogo, não quando o guarda nos alcançava, onde tem uma curva em que a Maria reduzia bastante a velocidade. Aí saltávamos e voltávamos a pé. Era perigoso, mas divertido, muito divertido, fazia eu esquecer da cabra e do bullying marista. Os trilhos serviam também de competição, “quem conseguia caminhar mais tempo em cima dos trilhos”?

AS PIPAS DA AURORA
De vez em quando o “bando” se deslocava para as pipas da Vinícola Aurora. Lá dentro, brincávamos de esconder-bater ou Tá-la, coisas assim. O Hélio e o Itamar atravessavam lá do alto, de uma pipa para outra através de taboas, eram craques nisso também e eu lá em baixo observava pensando “um dia chego lá”. Me escondia, não lá no alto mas no meio de uma pipa e outra, me achavam fácil. Um dia me escondi dentro de uma pipa vazia, o guarda me alcançou e disse “guri sai daí tu vai morrer, tá respirando ar venenoso”. Dei o fora e nunca mais voltei, aquele guarda nos perseguia dentro da Aurora, era “um pé no saco”.

AS OLIMPÍADAS
Com meus 16 anos vieram as Olimpíadas Estudantis, fui numa em Alegrete e outra em Santa Cruz. Tudo de Maria Fumaça. A de Alegrete foi inesquecível, pois viajamos de pé (passagem era gratuita) por TRÊS DIAS. Além da viagem, tínhamos que aguentar os discursos de Vitor Faccioni, que depois veio a ser brilhante político, a viagem toda, Brizola passaria vergonha ao lado dele. Essa viagem tinha baldeações, uma delas em Rio Pardo, quase um dia de espera, nunca vou esquecer o cenário do alto do morro da cidade, belíssimo.

Não aguentei os 15 dias. O Madalena, que era técnico do time de futebol, massagista, curandeiro, figura lendária na história do Esportivo, resolveu voltar antes, pedi para voltar junto, porque tinha “saudades de minha mãe”. Pois é, com 8 anos eu já tinha ido, sozinho, com motoristas de caminhão do meu pai, duas vezes a São Paulo e uma vez, com meu tio, ao Rio de Janeiro. Aos 16 anos chorava, em Alegrete, de saudades de minha mãe. A Maria Fumaça viu eu verter “lágrimas de crocodilo” com saudades da D. Zulma, pode uma coisa dessas? A viagem de volta? De pé, naturalmente.

DO QUE EU IA FALAR…
Do BRUCUTU; do CAVEIRÃO; do GRUPO RENASCER DA SERRA (apoio a Brigada); do espumante LOVARA feito com a uva GANACHE; da convivência com amigos em jantar na Vinícola com o fantástico Eurico Benedetti e seus “causos”; do Livro dos 50 anos do CDL. Não deu, fica para a próxima, acabou o espaço, ficamos no assunto “light” e histórico, a MARIA, a da fumaça. MARIA FUMAÇA, MARIA FUMAÇA, QUANTA SAUDADE VOCÊ ME TRAZ! VIDA LONGA!