Domingo, 17, é celebrado o Dia Internacional de Luta dos Trabalhadores do Campo. Por isso, a reportagem do Jornal Semanário trouxe histórias de pessoas que batalham muito para se manter na atividade, apesar de todos os desafios

Filha de agricultores, Osana Maria Possamai Waikoswki, ainda na infância, começou a ter os primeiros contatos com aquela que viria a ser sua profissão: a agricultura. Nascida na comunidade São Luiz, que integra a 3ª Seção do Rio das Antas, no interior de Bento Gonçalves, permaneceu na pequena localidade até os 14 anos, quando precisou deixar o lar para ir em busca de novos caminhos – como ela mesma define – para estudar.

Apesar de jovem, mudou-se, sozinha, para Farroupilha, onde ingressou em um colégio religioso. Com os estudos concluídos, à trabalho, viajou para alguns países da América Latina, com a missão de ajudar o próximo. “A congregação (grupo de pessoas religiosas reunidas no mesmo propósito ou atividade) determinava um país para ir. Normalmente trabalhava com pastoral”, conta.

Em Buenos Aires, na Argentina, Osana atuou em um bairro de baixa renda. No Uruguai, ministrou cursos de arte, culinária, crochê e costura. Voltou para Farroupilha, onde permaneceu por mais dois anos no colégio em que se formou. Posteriormente, foi para o Mato Grosso, trabalhar em um hospital.

Dali foi designada para o Paraguai, onde desenvolveu uma atividade que considera maravilhosa. “A gente tinha contato com várias entidades do município, que nos informavam onde tinham meninas em situação de risco, em perigo ou até no campo da prostituição. Recolhíamos elas, levávamos para casa e fazíamos um trabalho, como se fosse de uma família, cuidando, dando estudo, higiene, saúde, formação”, relembra.

Em 1999 decidiu deixar a congregação e voltar para o Rio Grande do Sul, pois naquele momento era a vez de ajudar os pais, que não estavam bem de saúde. Entretanto, ao olhar para trás, carrega a certeza de que as experiências obtidas anteriormente foram uma preparação para tudo que viria a enfrentar.  “Vi realidades chocantes, algumas ótimas, outras mais ou menos, enfim, de todos os tipos”, resume.

Retorno à vida de agricultora

De volta ao interior da Serra Gaúcha, cuidou dos pais até a partida deles. Nesse período, casou e foi morar em uma comunidade próxima, chamada Linha Natividade, localidade em que o marido pertencia. Na nova propriedade, construíram uma casa e investiram no terreno: juntos dedicavam a vida à agricultura. Alguns anos depois a família cresceu com a chegada do filho Diego.

Contudo, há dez anos, Osana passou por mais uma provação, quando perdeu o esposo. Em 2012, se viu em uma situação difícil e até mesmo desesperadora, em alguns momentos. Ao mesmo tempo em que vivia o luto, precisava encontrar forças para cuidar do filho de apenas oito anos, da casa, das parreiras, dos animais e de toda propriedade, que era de onde vinha o sustento do lar.

Osana afirma que ficou em choque, principalmente por vir de uma série de perdas familiares. “Perdi um irmão, a mãe, alguns anos depois o pai, depois mais um irmão, meu sogro e em menos de um ano, meu marido. Perante Deus, perguntei o que ele queria de mim, porque me deixou só meu filho”, relata.

Vendo a mãe naquela situação difícil, Diego sugeriu vender a propriedade para recomeçarem a vida em outro local. “Olhei pra ele e disse: ‘filho, é muito precoce para tomarmos uma decisão frente ao acontecimento, de repente a gente vende, se precipita e colocamos fora nosso capital, então, vamos com calma, vamos rezar para abrir os horizontes’”, conta.

Apesar do sofrimento, a agricultora decidiu encontrar forças e lutar para se reerguer. “Fui batalhando. Às vezes, até lutava um pouquinho mais do que podia. Em alguns momentos quis largar tudo, não queria mais nada, mas olhava para meu filho e continuava em frente, por ele”, assegura.

Mãe e filho, parceiros na vida do campo

Diego completou 18 anos neste mês, mas desde os 16 tem ajudado a mãe, na lida com as atividades do campo. “Começamos a batalhar juntos. Agora, a força está com ele, que tem potencial grande. Me sinto feliz e orgulhosa por nós dois, porque nesses dez anos em que fiquei viúva, batalhei e sofri muito. Imagina, sozinha, mantendo 8.9 hectares de terra, mais da metade com plantio, mas foi assim, lutando para manter meu capital”, orgulha-se.

Osana e o filho Diego

Hoje, mãe e filho cuidam de quase 7 hectares de parreiras, sendo 1,5 próprios e o restante arrendado. Para o próximo ano, o plano é expandir ainda mais a área de uvas. A família também investiu em tecnologia, compraram um trator para facilitar o trabalho diário, já que a propriedade conta apenas com o trabalho de ambos. “É assim, um apoia o outro. Não tem escapatória, porque somos só nós. Na safra, a gente pega ajuda de pessoas fora, mas no dia a dia, somos nós dois”, destaca.

Há pouco tempo, Osana decidiu investir na plantação de tomates. Começaram com dois mil pés e o resultado foi ótimo. No ano seguinte, decidiram ampliar para cinco mil pés. “Foi uma produção maravilhosa. Fizemos um grande investimento, porque o tomate exige isso, mas deu certo”, comemora.

Entretanto, com a chegada da pandemia do coronavírus, a família enfrentou algumas dificuldades. “Para tirar o lucro, a gente sofreu, não foi bom, porque fecharam comércio, depósitos, enfim, tivemos um pequeno problema”, conta.

Agora, com a situação amenizada, Osana já está organizando um novo espaço, na parte de trás da propriedade, para investir novamente nesse cultivo. “Vou fazer uma nova horta, uma nova terra, já preparando para a plantação de tomates no período pós inverno, quando a gente faz o plantio”, revela.

Profissão árdua, mas motivo de orgulho

A agricultora afirma que a vida é resumida em trabalho. São poucos os momentos de lazer. O dia a dia da família é com a mão na terra. Sobre as dificuldades, como exemplo, é citada a última safra, afetada pela estiagem. “Perdemos mais de 60% de uva, mas não foi só isso, também tivemos perda de pés de parreiras. Foi uma quebra muito grande”, lamenta.

Apesar das adversidades da profissão, Osana sente orgulho do que faz. “Às vezes algumas dizem: ‘você na agricultura’, sim, eu mesma. Com a experiência que tenho, me considero agricultora com orgulho, porque é algo maravilhoso”, assegura.

No meio de uma rotina corrida, com tanto esforço, Osana não esquece de agradecer a Deus pela força que encontrou para chegar até aqui. “Quando perdi meu marido, foi sofrido, porque meu filho era pequeno. Graças a Deus estou aqui, feliz pelo que tenho e pelo que estou fazendo. Sinto orgulho, não assoberbado, mas me sinto vitoriosa”, finaliza.

“Levo o trabalho como esporte”

Na Linha De Mari, o agricultor Antônio Trevizan, 57 anos, também segue os passos dos pais e continua trabalhando como agricultor desde a infância. Entretanto, hoje, conta com a ajuda de uma irmã e de uma filha.

Antônio Trevizan

Com um sorriso no rosto, Trevizan garante que desenvolve o trabalho, sobretudo com as parreiras, como um esporte, principalmente porque a tecnologia facilitou a vida de quem trabalha no campo. “Hoje, com o maquinário, trabalho sempre sentado. Antigamente era braçal, a gente carpia, tratava a mão. Agora é diferente”, compara.

A propriedade é composta por 8 hectares de parreira para suco, mas outras atividades também são desempenhadas por lá. “Quando sobra tempo, fazemos lenha para vender”, conta.

Sobre a luta de quem atua nessa profissão, o agricultor tem uma certeza. “A gente tem que lutar, se não dá com uma cultura, tentar outra, aumentar a produtividade para ter um lucro bom no fim do ano. Desistir nunca”, garante.

Sindicato dos Trabalhadores Rurais

O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Bento Gonçalves, Cedenir Postal, destaca as principais lutas dos trabalhadores do campo. Entre elas, o acesso à terra. “Não dadas, mas ter a possibilidade de que os agricultores consigam comprar seu pedaço de chão. Hoje, se fala muito em agronegócio, que é importante para o Brasil, mas temos que pensar no pequeno trabalhador rural, que consegue produzir muito em pequenas áreas”, menciona.

Outro ponto citado é quanto ao investimento na educação em escolas do interior. “Ao longo dos anos, deixaram de ter um olhar mais atento para isso, onde conseguiram transportar os alunos do campo para a cidade, tirando muitos jovens do meio rural”, garante.

Por fim, Postal também alerta que saúde de qualidade para os agricultores é essencial. “O trabalhador no campo está sujeito a riscos, trabalha com esforço muito grande, variação de temperatura, contato com defensivos”, finaliza.