Na terceira reportagem da série especial sobre o Outubro Rosa, médica aborda os números do câncer e principais mentiras
O câncer de mama continua sendo o tipo mais prevalente entre as mulheres no Brasil e a maior causa de mortalidade oncológica. Apesar dos avanços no diagnóstico e tratamento, os índices de mortalidade no Brasil ainda são altos em comparação com outros países.
Segundo Amanda Pituco, médica mastologista, o câncer de mama é uma doença na qual células anormais da mama se multiplicam incontrolavelmente e formam tumores que, se não forem tratados, podem se espalhar por todo o corpo. “Fatores genéticos e ambientais podem provocar mutações celulares, levando à multiplicação desordenada dessas células. Isso pode gerar um tumor maligno, que, se não for tratado a tempo, pode invadir outros tecidos”, explica.
A principal manifestação do câncer de mama é o aparecimento de nódulos, mas não é o único sinal. “Nem sempre o câncer de mama se apresenta com nódulo. Alterações na coloração da pele, retração do mamilo e dor são sinais de que algo pode estar errado. O autoconhecimento é essencial para identificar mudanças”, alerta.
Diagnóstico precoce: chave para a cura
Amanda destaca a importância do diagnóstico precoce para reduzir as taxas de mortalidade. “Nosso objetivo é diagnosticar o câncer antes que ele seja palpável, e a mamografia é o exame mais eficiente nesse processo. Ela permite identificar microcalcificações que indicam câncer em estágio inicial, ou que aumentam significativamente as chances de cura, que podem chegar de 95% a 98%”, aponta.
No Brasil, a realização de mamografias ainda é insuficiente. “Temos uma média de 30% de mulheres fazendo o exame regularmente. Em regiões com menos acesso ao diagnóstico, a mortalidade é maior. Quanto antes o câncer ser diagnosticado, menores são as chances de que ele se espalhe para outros órgãos e tecidos”, frisa.
Números do câncer de mama
Segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca), são esperados cerca de 74 mil novos casos da doença ao longo deste ano. Amanda destaca a gravidade do cenário: “Se considerarmos um grupo de oito mulheres, é provável que uma delas desenvolva câncer de mama ao longo da vida. É o tipo de câncer que mais causa mortes entre as mulheres”, comenta.
A incidência do câncer de mama tem crescido na região Sul, que registra os maiores índices de novos diagnósticos. As regiões Norte e Nordeste, apesar de terem menor incidência, apresentam índices maiores de mortalidade devido à falta de acesso a exames como a mamografia, um dos principais instrumentos de diagnóstico precoce. “Nos estados do Norte, as mulheres morrem mais de câncer de mama porque têm menos acesso à mamografia e ao tratamento especializado”, indica.
Além disso, enquanto em países como os Estados Unidos a realização de mamografias atinge cerca de 70% das mulheres, no Brasil esse índice é de apenas 30%.
No país, o maior desafio é o acesso aos cuidados preventivos e ao tratamento. Segundo Amanda, a pandemia de Covid-19 prejudicou significativamente a realização de mamografias e consultas com especialistas, o que, segundo ela, gerou um aumento significativo nos índices de mortalidade.
Incidência na família
Entre as dúvidas mais frequentes, estão os casos de mulheres com histórico familiar de câncer. O risco genético é avaliado com base no tipo de câncer que afeta os familiares, a idade do diagnóstico e a relação de proximidade. “Se sua mãe teve câncer de mama aos 38 anos, a chance de você ter uma mutação genética que predispõe ao câncer é muito maior do que sua avó que teve aos 75 anos”, explica.
Segundo Amanda, a presença de câncer de mama em homens, mesmo sendo rara, é um sinal claro para a investigação genética. Ela também menciona que, em casos de famílias com múltiplos diagnósticos de câncer, um teste genético pode identificar mutações nos genes BRCA1 e BRCA2, conhecidas por aumentar significativamente o risco.
A mastologista aponta que a identificação dessas mutações pode reduzir o risco de desenvolver câncer de mama se o paciente tomar medidas redutoras de risco. “Se der positivo para esse risco de desenvolver o câncer, é possível realizar a remoção das mamas e dos ovários”, reitera.
No que diz respeito aos testes genéticos, a profissional informa que esses exames já foram muito caros, mas hoje em dia os preços estão mais acessíveis, variando entre 2 e 3 mil reais. Ainda não há cobertura ampla do Sistema Único de Saúde (SUS), embora existam alguns protocolos que permitem o acesso em casos específicos.
Outro tema abordado foi a questão da densidade mamária, que afeta especialmente as mulheres mais jovens. “A mama densa é um fator de risco por si só e também dificulta a visualização de nódulos na mamografia”, disse a médica. Nessas situações, a ecografia é utilizada como exame complementar para uma melhor avaliação. Em casos de alto risco genético, pode-se realizar ressonância magnética, muitas vezes com intervalos menores entre os exames, como a cada seis meses.
Touca térmica
A queda de cabelo é um dos efeitos colaterais mais temidos pelas mulheres no tratamento de câncer de mama. A perda dos fios, resultado da quimioterapia, afeta profundamente a autoestima. “A touca pode ajudar na vaidade da mulher. Não é uma questão de futilidade, mas sim de autoestima, que influencia diretamente no bem-estar emocional”, afirma.
A quimioterapia, ao atacar células cancerígenas, também afeta células saudáveis do corpo, especialmente aquelas que se reproduzem rapidamente, como as responsáveis pelo crescimento do cabelo. “Ela atinge essas células que se multiplicam muito, e por isso o cabelo, sobrancelhas e outros pelos acabam caindo”, explica Amanda.
Segundo a médica, a touca térmica atua ao resfriar o couro cabeludo durante as sessões de quimioterapia, diminuindo o fluxo sanguíneo na região. Esse processo diminui a quantidade de quimioterápico que atinge os folículos capilares, preservando, assim, uma maior quantidade de fios. “Há um processo que congela essas células para que não recebam tanto o efeito da quimioterapia, sendo possível reduzir bastante a taxa de alopecia, que é a queda de cabelo”, ressalta.
Mitos
A divulgação de notícias falsas sobre o câncer de mama é muito comum. Amanda alerta sobre os principais mitos. “A mamografia não causa câncer, a radiação é mínima e o rastreamento precoce salva vidas”, explica. Outro mito recorrente é sobre o uso de próteses de silicone. “Colocar silicone não aumenta o risco de câncer de mama nem dificulta o diagnóstico. A mamografia pode ser feita normalmente, com manobras específicas para quem tem prótese. Tem casos muitos raros descritos que podem apresentar risco. Além disso, que fique claro que a mamografia não vai romper o silicone”, conclui.
Para ficar de olho
Quais os principais fatores de risco do câncer de mama?
R: Tem alguns fatores genéticos, porém esses fatores correspondem a 10% dos cânceres de mama. Tem algumas causas de risco que a gente não consegue modificar que são relacionados aos nossos fatores hormonais. Ou seja, se eu menstruei a primeira vez muito cedo, entrei na menopausa muito tarde, tive muito tempo de exposição hormonal, isso faz com que eu tenha mais risco de ter câncer de mama. Além disso, tem os fatores de risco que a gente consegue modificar, que é uso de anticoncepcional, terapia de reposição hormonal, depois de 10 anos de uso. Outras causas são obesidade depois da menopausa, sedentarismo, consumo de bebidas alcoólicas diariamente, tabagismo.
E também, uma condição de risco bem importante são pacientes que estão deixando de engravidar. Então, estão tendo muito tempo de exposição hormonal, pacientes que estão deixando para engravidar mais tarde, que não estão tendo filhos, que não estão amamentando, então acaba tendo esse risco maior.
Com que frequência o autoexame deve ser feito?
Eu gosto dessa ideia de fazer uma vez por mês. Acho que quem menstrua é importante fazer logo depois do ciclo menstrual, que é quando a gente vai conseguir ter uma melhor avaliação da mama. Nas pacientes que por algum motivo usam anticoncepcional ou estão na pós-menopausa, escolher uma data do mês e fazer naquele período. As consultas ginecológicas, no geral, devem ser anuais.
Não há mais um tratamento padrão? Cada paciente é tratado de forma diferente?
A gente fala hoje em dia de uma medicina personalizada, do tratamento do câncer de mama personalizado cada vez mais assertivo. Eu sempre brinco que não adianta chegar em casa e ver o procedimento que a vizinha fez. No consultório, na sala de espera, cada um vai ter feito um tipo de tratamento. Isso graças a nossa evolução, tanto em diagnóstico quanto em cura. Então quando a gente diagnostica um tumor de mama, tem várias coisas que a gente avalia para definir qual o procedimento, qual o tipo de cirurgia, se vai ser feita ou não.
Tem uma coisa que a gente chama de perfil imuno-histoquímico, como se fosse o sobrenome do tumor. Neste contexto que descobrimos se ele responde mais aos hormônios, se ele se multiplica de forma mais rápida ou não e aí sim começamos a personalizar esse tratamento. Quando falamos de tratamento curativo, ou seja, que o tumor está na mama, a gente tem que sempre passar pela cirurgia, não conseguimos negociar. Em tumores maiores, às vezes realmente precisa retirar a mama, mas ainda a gente faz uma mastectomia. Hoje em dia temos também a lei da reconstrução mamária, onde conseguimos reconstruir essa mama com prótese, com expansor para gerar um certo resultado estético nessas mulheres. Claro que quando falamos de reconstrução mamária, não é prótese mamária estética, então o nosso objetivo é reconstruir aquela mama, inclusive sendo através do SUS. Além disso, há a quimioteparia e a radioterapia para casos que realmente precisam.
Existe alguma população mais suscetível?
Tem os judeus, que é uma população que tem mais risco, inclusive com indicação de fazer teste genético, mas aqui no Rio Grande do Sul a gente fala mais em hábitos mesmo, tendo uma incidência maior do que nos estados do Norte, mas não relacionado à raça.
Assista a entrevista na íntegra: