Empresária e ex-presidente do CIC-BG, ela alia visão estratégica, sensibilidade e coragem para transformar o setor industrial e impulsionar o desenvolvimento regional

A trajetória de Marijane Paese começa em Pinto Bandeira, onde nasceu em 1975, filha de agricultores. Desde muito cedo, ela aprendeu o valor do trabalho, vivenciando uma rotina que mistura afazeres domésticos e as tradições familiares. “Aprendi as tarefas com a minha mãe e com a minha avó. Aos 9 anos, já fazia alguns trabalhos domésticos e ajudava na alimentação, mexia panela”, relembra, ao destacar a importância dessa vivência para sua formação pessoal.

Aos 12 anos, Marijane conquista seu primeiro emprego com carteira assinada como secretária de dentista em sua cidade natal. Mas é ao mudar-se para Bento Gonçalves, em busca de estudos, que amplia seus horizontes profissionais. “Fui morar na casa de parentes para poder estudar”, lembra. Nesse período, ingressa como recepcionista na Vinícola Aurora, experiência que considera muito valiosa.

Sua evolução dentro da empresa é rápida: passa pela controladoria e pelo planejamento e controle da produção (PCP). Paralelamente, cursou Matemática e Física na Universidade de Caxias do Sul. A vontade de atuar na área de formação a leva a encerrar a experiência na vinícola e a ingressar no magistério. “Fui trabalhar na sala de aula como professora. Trabalhei com Ensino Médio e, com o mestrado em Estatística, também na Universidade”, conta, ressaltando os 20 anos dedicados à educação, em instituições públicas e particulares.

A construção da Paese

A necessidade de conciliar maternidade e trabalho impulsiona sua transição. “Meus filhos eram muito doentes quando pequenos. Vi no empreendedorismo a possibilidade de levá-los comigo, de cuidar deles”, revela. A oportunidade surge dentro de casa: seu marido já possuía algumas empresas e enfrentava dificuldades para adquirir determinados produtos. “Ele comprava produtos com custo elevado. Surgiu a ideia de eu abrir um negócio para fornecer para ele e para toda a área industrial”, conta.
Assim nasce a Paese, especializada inicialmente na importação de arame MIG. “Depois, fui trabalhando com ferramentas para usinagem, que é o que a Paese faz até hoje”, explica. A empresa completa quase 20 anos, sendo hoje referência no setor. “Atendemos mais a indústria, somos uma empresa multimarcas e buscamos sempre o melhor custo-benefício para o cliente”, destaca.

Entre os diferenciais, ela aponta a diversificação de portfólio e o atendimento técnico: “Nós não vendemos apenas um produto, vendemos um serviço, uma avaliação de processos. Temos três produtos iguais, mas de marcas diferentes, e escolhemos o que mais se adequa ao cliente”, pontua. Marijane reforça: “O nosso maior diferencial é identificar o que o cliente precisa e oferecer na medida certa”, declara.

Um dos diferenciais logísticos e comerciais da Paese é a gestão de estoque personalizada para seus clientes. “O cliente nos passa uma estimativa de consumo e nós nos comprometemos a manter essa estimativa mensal por 90 dias aqui dentro da empresa, diz. Essa prática garante que os clientes tenham um estoque de segurança, sem a necessidade de manter altos volumes internamente. “Mantemos o estoque do cliente conosco, planejado, oferecendo uma janela de três meses para ele fazer a gestão de pagamentos e garantindo a entrega imediata”, afirma.

Essa estratégia, segundo ela, facilita o fluxo de caixa dos clientes e torna o relacionamento mais sólido: “É um diferencial que nos permite oferecer um atendimento mais ágil e eficiente”. Ao mesmo tempo, exige uma gestão de estoque altamente planejada e complexa, já que o setor de ferramentas de usinagem está em constante atualização. “Todo mês, as marcas lançam novos produtos, às vezes com uma capacidade maior de rendimento, uma nova cobertura ou uma inovação que substitui duas operações por uma só”, explica.

Por isso, equilibrar o giro de produtos com as novidades tecnológicas do mercado é um desafio constante. “Não posso ter um estoque muito elevado, ele tem que ser na medida certa. Ao mesmo tempo, preciso estar sempre atualizada com os lançamentos para oferecer ao cliente o que há de mais moderno”, completa.

Marijane destaca que essa gestão criteriosa é uma das razões para a fidelização dos clientes: “Eles sabem que podem contar com a Paese não apenas para fornecer um produto, mas para ter um parceiro estratégico, que pensa na operação deles como um todo”, comenta.

Atualmente, a Paese é distribuidora exclusiva de algumas marcas no Rio Grande do Sul e expandiu sua atuação para Santa Catarina e Paraná: “Hoje, atendemos toda a região Sul”, explica.

Desbravando um setor masculino

Quando ingressa no segmento de ferramentas para usinagem, Marijane não tem qualquer conhecimento técnico prévio. “Eu não sabia nada. Entrei nesse mundo novo através de muita leitura de catálogos, estudo e cursos”, relata ela, ao evidenciar o esforço para adquirir qualificação.

Além do desafio técnico, ela enfrenta o preconceito de gênero. “Fui a primeira mulher a vender ferramentas na região. As pessoas achavam que era coisa de homem. No início duvidavam da minha capacidade técnica, mas quando eu mostrava conhecimento, vinha o respeito”, revela Marijane.

Hoje, ao lado do irmão, engenheiro e sócio, Marijane lidera a empresa. “Ele faz a avaliação de produtos, traz novidades e abre novos mercados. Eu fico mais na gestão e nas compras, mas me mantenho inteirada tecnicamente”, relata.

A equipe cresceu: são cerca de 30 colaboradores, entre funcionários e prestadores de serviço. “Nosso maior produto em termos de colaboradores fica na rua, atendendo nossos clientes nas mais diversas regiões”, destaca. A qualificação da equipe também é prioridade: “Fazemos treinamentos duas ou três vezes por mês. Compartilhamos casos de sucesso, quando conseguimos reduzir tempo ou custo de operação no cliente”, exemplifica. Todos os treinamentos são internos. “Não temos parcerias externas. Desenvolvemos tudo aqui”, reforça Marijane, ao destacar a autonomia da empresa na formação da equipe.

A inovação é essencial em seu ramo: “O mercado nos obriga a inovar. Trabalhamos com marcas japonesas, chinesas e americanas, que lançam novos produtos todo mês”, explica. Isso exige uma gestão de estoque rigorosa: “Mantemos três meses de estoque para nossos clientes, garantindo pronta entrega e ajudando no fluxo de caixa deles”.

Além disso, a Paese adota práticas de economia circular: “O metal duro, que é extremamente caro, é reciclado. Compramos a sucata dos nossos clientes e ela volta ao processo de elaboração de novos produtos”, afirma. A iniciativa inclui a coleta de embalagens plásticas: “Oferecemos essa possibilidade aos clientes. Assim, nossos produtos são 100% parte de um processo de economia circular”, diz.

Participante ativa de feiras importantes, como a MERCOPAR e a INTERMACH, a empresa busca constantemente novos clientes: “Nosso objetivo é bater recorde de faturamento a cada mês”, afirma.

Liderança no CIC: pioneirismo e legado

Ao assumir a presidência do Centro da Indústria, Comércio e Serviços de Bento Gonçalves (CIC-BG), Marijane Paese quebra uma tradição de mais de um século: “Depois de anos, quando a gente entra naquela sala e vê apenas fotografias masculinas, percebe-se que agora há um novo ciclo. Acho que a sociedade entende isso como uma oportunidade: sim, as mulheres podem estar aqui”, destaca.

Ela relata que a presidência não aconteceu por acaso: “Não virei presidente do CIC do nada. Antes, na pandemia, coordenei um trabalho junto à AMESNE, com 36 municípios, para reverter bandeiras sanitárias. De dez bandeiras, reverti sete. Foi um trabalho voluntário, extremamente reconhecido, que me tornou relevante e conhecida”, destaca.

Assumir a presidência, no entanto, teve um peso emocional: “Eu me cobrava muito. Acho que foi o período em que mais me cobrei. Esses dois anos foram de doação absoluta. Eu entendia que precisava fazer diferente, que tinha que entregar um bom trabalho para que não ficasse a marca de que a primeira gestão de uma mulher não deixou uma identidade”, explica.

Equipe da Paese Distribuidora e a empresária Marijane Paese foto: divulgação

Marijane destaca que sua gestão foi marcada pela implementação de oito novos projetos, além de um nono em andamento, a Rota dos Capitéis. Ela enumera as principais iniciativas: “O primeiro foi o Qualifica Bento, para trabalhar a qualificação profissional, que é a maior dor dos nossos empresários”. Em seguida, estruturou o Inova Bento, impulsionando a criação do centro de inovação da cidade.

Outros marcos incluem os Jogos Coloniais e o Bodegão, este último realizado dentro da Fenavinho: “Foi uma inovação que criamos na minha gestão”, diz. Marijane também lidera a aquisição da feira Envase Brasil, evitando que o evento saísse da cidade. “Foi uma grande conquista”, afirma.

Uma das ações que mais a desafiou foi o Natal nos Vinhedos: “Só eu sei o quanto foi sofrido colocar esse evento de pé, fazer a primeira edição. Passamos por vários percalços, mas não desistimos. Fomos lá, fizemos e entregamos”, pontua.

Ela acredita que sua gestão deixou uma marca importante: “O maior legado foi mostrar que as mulheres têm plena capacidade de liderar entidades. Não é um trabalho que se faz apenas com mulheres, mas com homens e mulheres juntos, e as mulheres precisam acreditar que podem fazer diferente”, destaca.

Os desafios enfrentados na gestão

Marijane destaca que, além dos projetos, enfrentou grandes desafios externos: “Lidamos com um cenário político bastante conturbado. Tivemos eleições presidenciais e para governador, o que elevou os ânimos”, comenta. Outro tema sensível foi o enfrentamento de denúncias de trabalho análogo à escravidão na região. “Esses foram pontos que exigiram posicionamento e articulação institucional”, relata.

Para ela, conduzir o CIC-BG em meio a tantas complexidades foi uma verdadeira escola: “Foi uma experiência que não trouxe retorno financeiro, mas um aprendizado enorme sobre relacionamento, política e gestão”, explica.

Rota dos Capitéis: cultura, turismo e pertencimento

Entre os projetos mais significativos liderados por Marijane está a Rota dos Capitéis, que hoje considera um verdadeiro abraço à Serra Gaúcha: “Gosto muito de usar essa frase que o prefeito de Garibaldi fala, de que é um grande abraço da união de dez municípios. E é isso que a rota representa: uma união, um pertencimento”, destaca.

A rota já conta com 350 km sinalizados, mas a meta é muito mais ambiciosa: sinalizar 1.063 km, incluindo não apenas o percurso regional, mas também as rotas circulares que adentram os municípios. “Hoje, quem quiser já pode fazer a rota regional, seja a pé, de bicicleta ou de automóvel. O site está operando, com todas as informações”, explica.

O projeto está em fase de expansão e estruturação: “Agora estamos na fase de constituir a Associação da Rota dos Capitéis e contratar uma pessoa para operacionalizar a gestão da rota. Além disso, aguardamos o recebimento de uma parte da emenda parlamentar, que vai permitir a compra de mais placas de sinalização”, explica.

Ela relata que a gestão do projeto é contínua e colaborativa: “Todos os meses fazemos reuniões com representantes dos dez municípios. Discutimos o planejamento estratégico, definimos os próximos passos. Geralmente, essas reuniões acontecem no CIC”, pontua.

Impacto nas comunidades e próximos passos

Marijane observa que a instalação das placas gerou uma mistura de sentimentos nas comunidades: “Por mais que soubessem que alguém passou por lá, quando veem o capitel da família com uma placa contando a história, o sentimento aflora”. Segundo ela, isso gerou muito orgulho e, ao mesmo tempo, ansiedade: “As pessoas perguntam: agora que tem a placa, o que vai acontecer?”, diz.

Lançamento da Rota dos Capitéis por Rogério Capoani, Marijane Paese e Adriano Miolo

O projeto busca justamente isso: valorizar a história das famílias descendentes de imigrantes italianos, promovendo o desenvolvimento econômico através do turismo de experiência. “Queremos que as famílias possam oferecer gastronomia, hospedagem, experiências ligadas ao agriturismo”, explica.
Para os próximos meses, Marijane aponta três metas: “Primeiro, ampliar a sinalização com a chegada do recurso; segundo, promover o roteiro, que ainda não divulgamos amplamente; e terceiro, constituir a marca própria da Rota dos Capitéis”, ressalta.

Ela destaca que o roteiro é auto-guiado e que há potencial para criar “estações” entre os municípios: “Imaginamos que uma família possa sair de bicicleta de um município, fazer um trajeto e terminar em outro, com toda a infraestrutura necessária. Isso vai impulsionar ainda mais o turismo regional”, aponta.

O significado profundo da Rota

Mais do que um roteiro turístico, Marijane vê na Rota dos Capitéis um movimento de resgate cultural e valorização das raízes: “Cada placa não é apenas uma indicação, mas uma narrativa da história daquela família, daquela comunidade. Primeiro eles construíam o capitel, depois vinham as capelas, e mais tarde as igrejas e grutas. É uma trajetória que se confunde com a própria formação da região”, analisa.

Ela acredita que, com o tempo, a rota se consolidará: “Ainda falta promoção, falta tempo para as pessoas entenderem e explorarem. Mas tenho certeza absoluta de que as placas que estão por aí vão começar a despertar muita curiosidade”, afirma.

E ainda faz um convite: “Quem decidir fazer a rota vai encontrar belas paisagens, patrimônios históricos e, principalmente, a oportunidade de conhecer a história das famílias de imigrantes que ajudaram a construir a nossa identidade”, destaca.

Conciliação, visão de futuro e inspiração

Mesmo após deixar a presidência do CIC, Marijane mantém-se ativa no voluntariado, especialmente no Junior Achievement, projeto que estimula o empreendedorismo em escolas. “Por duas edições, sou adviser. Acompanhamos alunos do Instituto Federal. No ano passado, a miniempresa ficou entre as três melhores do Brasil”, celebra. Atualmente, acompanha uma nova turma, com um produto de aromas naturais e artesanais.

Marijane acredita que sua trajetória inspira outras mulheres: “Elas têm que estar onde quiserem estar. Hoje vemos diretorias mais equilibradas, com maior participação feminina”, afirma. Ela reforça que a conquista de espaços de poder vem com trajetória e trabalho.

Foco, disciplina e a filosofia de não desistir

Sobre sua rotina, compartilha: “Eu vivo um dia de cada vez. Minha agenda é de hora em hora. Quando começo uma coisa, termino. Nunca paro o processo no meio”, diz. Evita a ansiedade: “Me policio para fazer o que preciso, focada, sem me preocupar com o depois”.
E conclui com sua filosofia: “A vida é feita de desafios e que a gente nunca tenha medo deles. O não desistir é o segredo do sucesso”, finaliza.

Marijane Paese representa uma geração de mulheres que não apenas ocupam, mas reinventam espaços de poder, com competência, sensibilidade e visão de futuro. Sua trajetória inspira a comunidade empresarial e fortalece a presença feminina na liderança, mostrando que determinação, preparo e coragem transformam vidas e territórios.