A rivalidade gaúcha é histórica. O maniqueísmo (filosofia criada por um tal de Maniqueu lá nos primórdios, dividindo o mundo em dois lados, do Bem e do Mal) manifestou-se por estes pampas, na época da Revolução Farroupilha, estando os Ximangos de um lado e Maragatos de outro, e consolidou-se com o futebol através dos dois grandes clubes rivais, Grêmio e Colorado.
A história de hoje é um pouco antiga, desconfio até que já contei, e tem a ver com o raciocínio dualista que divide as plateias. Mas não acredito que alguém vá se lembrar de um torcedor “convicto” do Internacional que andava com problemas de sono no final da Copa Libertadores, há alguns anos atrás. Até porque conheço gremistas que ainda hoje sofrem da mesma síndrome. Torcer ou secar é que nem ingerir cafeína.
Então, insone por causa da derrota do seu time e com medo de presenciar manifestações provocadoras dos gremistas, caso viessem a ganhar dos colombianos no jogo de logo mais, o colorado decidiu tomar um Rivotril e cair na cama, antes mesmo de os “Brothers” começarem a ruminar suas “Big” filosofias.
Às nove, ele já estava pra lá de Bagdá. Mas duas horas depois, acordou querendo saber como tinha sido o jogo – o inconsciente nunca desliga. O cara apurou o ouvido. Nada. Nem foguetes, nem algazarra. Bom sinal. De repente, escutou um som arrastado. Espiou pelas frestas da veneziana. Uma turma conhecida sua caminhava com desânimo. O colorado espiou de novo só pra confirmar. De fato, era o quarteto do mal totalmente desarmado. “Opa!” –
Concluiu – “O Grêmio sifu”. E feliz como um passarinho, ele voltou para a cama. Já tinha engatado a primeira, quando um coricocó soou nos seus ouvidos. O homem estremeceu. Galos naquelas bandas? E àquela hora? Nunca soube de galinheiro clandestino perto de sua casa… Estava afofando o travesseiro quando a cantoria recrudesceu. Parecia que dezenas de galináceos estavam num Karaokê. Aguardou terminar o ritual macabro para salvar a noite.
Na madrugada, a cantilena reiniciou – as galinhas, histéricas, e os galos, agressivos. Devia ter raposa rondando o território, ou… Com a mão afastou um mau pensamento vestido de azul preto e branco… Aí o caldo entornou. O barulho acordou a cachorrada, que passou a usar o telégrafo sem fio. Um pandemônio.
Finalmente caiu abençoado silêncio. O colorado suspirou e fechou os olhos. Precisava dormir um pouco para aguentar o tronco do dia. Então tocou o despertador…