Segundo a secretária de Educação de Bento Gonçalves, Andreza Peruzzo, foram contempladas 2011 crianças com vagas nas creches municipais e 1200 nas particulares, com a compra de vagas pelo município

A falta de vagas em creches e escolas infantis públicas de Bento Gonçalves tem se tornado um problema crônico. Apesar da educação infantil ser um direito garantido pela Constituição, mães do município enfrentam barreiras para conseguir matricular seus filhos, afetando diretamente suas rotinas e condições de trabalho.

Para muitas mulheres, a negativa de uma vaga em creche significa a impossibilidade de continuar trabalhando. “Fiquei triste e tomada por uma sensação de impotência. É angustiante sentir-se de mãos atadas, sem opções. Quando se trata de cumprir nossos deveres, somos cobradas a seguir tudo à risca, mas e os nossos direitos?”, desabafa uma mãe que teve a vaga de seu filho negada.

Sem creche pública disponível, ela precisou buscar alternativas caras para garantir os cuidados da criança, impactando financeiramente toda a família.

As dificuldades se acumulam também na busca por informações. Segundo a mesma mãe, os processos de solicitação de vagas são desorganizados e falta transparência na distribuição. “Muitas vezes, prazos são prometidos, mas não são cumpridos, o que gera ainda mais incerteza. Já fui pessoalmente várias vezes em busca de uma resposta e, invariavelmente, recebo a mesma orientação: aguardar”, relata.

Fabrícia Trentin, outra mãe que espera desde setembro uma vaga para sua filha, conta como tem sido difícil a espera. “É angustiante! Todo dia acionando alguém diferente para obter respostas que nunca são concretas, estresse e o medo dela ter que mudar de escola e correr riscos”, ressalta.

Aspectos legais e a responsabilidade do poder público

A advogada Vanessa Dal Ponte reforça que a falta de vagas fere diretamente o direito à educação, garantido pelo artigo 227 da Constituição. “A violação desse direito é tão grave e inadmissível quanto negar vida e saúde a uma criança”, afirma.

Segundo a jurista, a situação vem se agravando nos últimos anos. “Em 2015, participei de uma audiência pública na Câmara de Vereadores que discutia a necessidade de ampliação das vagas. Na época, faltavam cerca de 500 vagas. Hoje, dez anos depois, o problema não apenas persiste, mas se agravou”, pontua.

A especialista também alerta que a seleção de crianças para preenchimento das vagas deveria considerar o contexto familiar de maneira mais justa, com critérios de renda per capita. Além disso, a transparência na classificação e disponibilização das listas de espera, prevista na Lei 14.851/2024, ainda é um desafio em Bento Gonçalves.

Para as mães que não conseguem vagas para seus filhos, existem soluções legais. “Elas podem buscar o Ministério Público ou entrar com uma ação judicial. A Defensoria Pública também é um caminho para aquelas que não podem arcar com advogados particulares”, orienta Vanessa Dal Ponte.

A visão de uma diretora de escola infantil

As creches particulares que possuem convênio com a prefeitura também enfrentam dificuldades. Uma diretora de escolinha particular, que preferiu não se identificar, denuncia desigualdade na distribuição das vagas compradas pelo município. “Enquanto algumas escolas recebem 10 vagas, outras recebem 80. Há escolas beneficiadas enquanto outras lutam para sobreviver”, afirma.

Segundo ela, as gestoras dessas instituições também sofrem com a falta de previsibilidade. “Todo final de ano, ficamos sem resposta sobre quantas vagas teremos no próximo ano. As famílias vivem na incerteza, sem saber se poderão contar com uma creche para deixar seus filhos e retomar ao trabalho”, frisa.

Outro ponto levantado é a concorrência desigual com cuidadoras não regulamentadas. “Enquanto seguimos todas as exigências do município e arcamos com altos impostos, algumas famílias acabam recorrendo a cuidadoras informais, que não têm fiscalização nem qualificação. Todos perdem: as crianças, as famílias e nós, educadores”, denuncia.

Segundo a secretaria municipal de educação de Bento Gonçalves, Andreza Peruzzo, a lista de espera não está finalizada, porque o setor de vagas ainda está fazendo ajustes e encaminhamentos para as escolas municipais e vagas compradas nas escolas particulares. “Bento Gonçalves é uma cidade pujante que tem emprego nas mais diversas áreas do conhecimento e, por isso, muito procurada por quem quer melhorar de vida. Assim, diariamente temos famílias que procuram por vagas nas escolas do município”, afirma.

Segundo ela, há uma projeção de atender aproximadamente treze mil alunos, em todas as escolas municipais. “Contempladas com vagas nas creches municipais 2011 crianças, compra de vagas 1200 crianças, num total de 3211 crianças contempladas com vaga, segundo os critérios estabelecidos em edital. Na etapa pré-escola que compreende o Jardim A e Jardim B, 2162 crianças contempladas com vaga”, salienta.

Andreza afirma que para os próximos anos é esperado “concluir a obra na EMI Arco Íris da Alegria no bairro Vila Nova II e continuar a compra de casas com potencial para a criação de creches de médio e grande porte. Quanto às compras de vagas, as mesmas são planejadas de acordo com a Lei Orçamentária Anual – LOA, e estuda-se para o próximo ano uma possibilidade de aumento da compra”, pondera a secretária.

Soluções possíveis

Para amenizar o problema, a advogada Vanessa Dal Ponte sugere soluções como o aumento da compra de vagas em escolas privadas, parcerias público-privadas e a implantação de creches domiciliares, conhecidas como “mães crecheiras”, modelo já adotado em cidades como Novo Hamburgo, Farroupilha e Sapiranga.

A diretora da creche particular enfatiza a necessidade de mais transparência na distribuição das vagas e do cumprimento das promessas feitas pela administração municipal. “O que consta no edital é uma coisa, mas na prática, a realidade é outra. Foram prometidas 2.000 vagas, mas até agora apenas 1.201 foram ofertadas”, alerta.

Por fim, Andreza reitera que a falta de vagas nas escolas infantis não é um problema apenas de Bento Gonçalves. “A compra de vagas é uma solução imediata de curto prazo. A demanda por vagas é grande, contudo atendemos primeiramente as famílias em vulnerabilidade social e financeira”, finaliza.