Essa Olimpíada foi marcada por recordes. O primeiro deles foi quanto à participação das atletas. Após 125 anos, pela primeira vez, cresceu em 49% a presença de mulheres na disputa. Todas as modalidades esportivas foram ocupadas por elas. Segundo, porque de 20 medalhas brasileiras conquistadas, 12 delas vieram de mulheres. Todas as de ouro, inclusive. Unânime, cirúrgico, necessário. A mulher que divide a profissão com a maternidade, com a pia cheia de louça suja, com o tema do filho, com a unha quebrada e o cabelo por pintar. Com preconceito, com dúvidas de sua capacidade, com deboche. A corrida da mulher sempre é mais árdua. O que a gente não vê nos bastidores, são mulheres normais ocupando espaço, muitas delas negras, mães, que batalharam muito para fazer do esporte uma profissão rentável e uma filosofia de vida.

Rebeca é exemplo disso. Menina negra de família pobre, sustentada pela mãe que trabalhava como doméstica. Conquistou seis medalhas em Paris, sendo a atleta brasileira com mais medalhas olímpicas em nossa história. A ginástica mudou o roteiro do país, após esse feito. Hoje, Brasil também é o país da ginástica. No atletismo, Flávia Maria correu contra o seu próprio inimigo além do tempo: o ex-marido! Ele ameaçou-a de perder a guarda da filha por disputar a vaga e estar longe durante as Olimpíadas. Esse terrorismo todo, além de tudo, impacta veemente na saúde mental da atleta que precisou lidar com mais isso tudo e com o medo de estar longe. Bia, no judô, nos mostrou como ser fortes e não desistir, mesmo diante das adversidades da vida, como a perda de sua avó há dois meses. Certamente, além disso, o peso dela sempre pode ter sido alvo para atingi-la, mas ela usou isso a seu favor. Na disputa dos +78kg, obteve ouro em Paris.

Duda e Ana no vôlei de areia, esporte que não ganhava medalhas há 28 anos, não esmoreceram às ofensas das australianas e mantiveram-se firmes na disputa, levando o tão sonhado ouro pra casa. Do surfe ao futebol, as mulheres resgataram um lugar que sempre foi nosso. É o país do futebol, mas é também da destreza da luta, da beleza da ginástica, das manobras lindas do skate, da potência do vôlei. Pela primeira vez, as mulheres superaram os homens e conquistaram todas as medalhas de ouro do nosso país. Eu disse todas.

Além da maioria ser negra, grande parte veio de origem humilde, frutos de projetos sociais, o que demonstra a importância de se investir nisso, pena que esporte não parece ser prioridade neste país. Nem esporte, nem educação, nem projetos sociais. Mas, voltando ao assunto, o caminho continua longo, é preciso lutar para que patrocinadores, mídia e população valorizem e incentivem os “esportes de mulheres”.

A luta é coletiva, nos bastidores também. Fiscalizar os governantes que colocamos nos cargos para que políticas públicas sejam efetivas, já que elas salvam muitas vidas. Skate não é esporte masculino, nem futebol. Há espaço para todos. E há ainda mais para elas, mulheres de fibra que sabem lutar de verdade até vencer.

Há também casos em que não há medalha, mas há vitória, como a esgrimista brasileira Nathalie Moellhausen, que competiu no sacrifício, recém diagnosticada com um tumor na coluna. Desistir não é uma opção! Não foi só o preparo que ganhou os jogos, foram os sacrifícios, foi a fé, foi a persistência em lutar.

As mulheres deram um show e o mundo parou para ovacionar. Mesmo com pouco incentivo, mesmo conciliando, muitas vezes, outras tarefas, elas foram longe demais. Não é por nada que a palavra olimpíadas é substantivo feminino. Fim de jogo. Ponto para elas, do Brasil!