Bento Gonçalves possui muitas localidades que encantam os residentes e visitantes pelas belas paisagens. Além disso, o trabalho dos moradores é um dos pontos fortes de todas as comunidades bento-gonçalvenses, contribuindo para o desenvolvimento de onde vivem. Um destes lugares é a Linha Buratti. Apesar de ser rica e muitos detalhes, os habitantes pedem mais atenção em algumas áreas.
Um dos segmentos de mais dificuldade é, por exemplo, com a coleta de lixo, inexistente lá. Cada família se organiza como pode com o lixo orgânico, mas quando se trata do reciclável, resta pouca opção e todas acabam tendo que se deslocar até a cidade para dar a destinação final.
A família Tonello coloca os resíduos dentro de um galpão da propriedade, onde tem dois latões, cada qual para um tipo de lixo. “O reciclável a gente ensaca, aí quando já tem algum volume, levo de camionete até a usina de reciclagem do bairro Progresso”, conta.
Como o serviço nunca existiu no local, várias possibilidades de solução já foram apresentadas aos responsáveis. “Já pedimos várias vezes para as autoridades, mas até hoje não deu em nada. Falam que sim ou que vão ver, não dizem que não é possível, até porque conheço outras linhas onde o caminhão passa”, afirma Rene Tonello.
Uma das sugestões foi que o veículo passasse com baixa periodicidade, mas nem assim resolveu. “Não precisamos de coleta de lixo seletiva, só de reciclável, uma vez por mês, ou com outra frequência, dependendo do volume. Ou que centralizassem em um só ponto da comunidade e determinassem um dia para passar”, sugere.
Se funcionasse desta forma, ajudaria a comunidade, que não precisaria se deslocar até a cidade, além de evitar outros problemas. “Não tem necessidade de passar toda semana. Facilitaria para nós e não teria lixo queimado, atirado às vezes em locais impróprios”, aponta.
A estudante de matemática, Raiane Jacqueline Conci, 21 anos, conta que quando tem vidro para ser descartado, a família leva até a Cooperativa Aurora, já que lá tem recolhimento próprio. Contudo, outros tipos de resíduos, quando forma um montante, são despejados na lixeira da casa da irmã, que reside na cidade.
A moradora relata que a última reunião com o poder público municipal para falar sobre a necessidade aconteceu em 2019, onde foi reforçada a solicitação. “Pedimos para colocarem um container no salão da comunidade, então o caminhão desceria só até ali e todo mundo depositaria no mesmo lugar, uma vez por mês”, conta.
De acordo com a estudante, na ocasião, nem foi pedido que o veículo passasse em cada casa. “Só para a gente não precisar levar até a cidade, mas não colocaram o container, na verdade nem entraram em contato mais”, lamenta.
Dificuldades com a água
A comunidade conta com um poço artesiano para o abastecimento de água. Na época da construção, de acordo com Tonello, foi uma parceria entre comunidade e moradores. “A prefeitura fez a perfuração, colocou a bomba e nós demos nove mil metros de canos, a máquina para abrir o valo e a mão de obra”, relata.
Tudo estava funcionando bem, até que, há alguns anos, um vereador decidiu estender mais cinco quilômetros do encanamento. Foi a partir daí que os problemas começaram. “Ao invés de cano, foi colocado mangueira, que não suporta e estoura. Então, seguido ficamos sem água. Alguns dias tem, outros não”, relata.
O agricultor salienta que é um transtorno para as prefeituras de Bento Gonçalves e Pinto Bandeira, já que a Linha pertence aos dois municípios. “Costumamos brincar que somos um cachorro com dois donos, um empurra para o outro, e acabamos passando fome, nesse caso, sede”, brinca.
Cada vez que o cano estoura é preciso ligar para o poder público municipal e aguardar até que alguém faça a troca. “´É uma dificuldade. Os próprios moradores fecham o registro, mas daí ficamos sem água, tendo que esperar a prefeitura consertar. Na maioria das vezes tem resolvido a situação, mas toda hora eles têm que ir lá”, aponta.
A solução seria a troca do encanamento. Contudo, existe possibilidade de a comunidade receber o abastecimento de água da Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan), o que não é desejado. “Canalização para isso já tem, mas não gostaríamos, porque temos o poço artesiano, com água excelente, a qualidade é muito melhor”, defende.
Comunidade lamenta poluição do rio
A Linha Buratti possui a parte final do rio, recebendo como afluente o arroio Borgo e desaguando no rio das Antas. Até o momento, não existe estação de tratamento de esgoto. Embora a maioria das indústrias façam o processamento adequado, muitas acabam lançando ou deixando vazar afluentes com concentrações acima do limite permitido por lei.
Estudante de Engenharia Ambiental, Érica Bellé, 24 anos, lamenta a situação em que a água se encontra. “É bem poluído pelas indústrias, que talvez até tratem o efluente, porque a legislação permite que possa ser despejada uma quantidade, então, várias empresas fazem isso, o que torna a poluição enorme”, aponta.
Érica afirma que os moradores não utilizam mais o local para tomar banho. “Ninguém consegue aproveitar. Só quem é da cidade e gosta de vir passear, mas nós não aproveitamos”, salienta.
Tonello recorda os tempos de infância, quando a situação era diferente. “Quando eu era criança, ia com o meu pai pescar, naquela época tinha bastante peixes, lambaris, jundiás. Vinha gente de Pinto Bandeira, São Valentim e tinha para todo mundo. Hoje nem se cogita mais isso”, queixa-se.
Triste com a situação atual, o agricultor afirma que o rio está morto. “Foi uma grande perda que tivemos, todos nós sentimos muito em ter perdido o rio Buratti. Inclusive, muitos moradores que tem potreiro tiveram que por cerca para o animal não chegar até o arroio e não tomar aquela água, porque é perigoso, a gente não sabe qual produto tem ali dentro”, aponta.
Tonello acredita que a solução para o problema não é individual, mas que deve partir do poder público municipal ou estadual. “Como o arroio desemboca em um lugar só, imagino que deveria ter um filtro, como foi cogitado que teria nos bairros Santa Helena, Barracão e Borgo. Pelo menos aliviaria um monte essa questão do esgoto”, aponta.
Uma possibilidade que ele apresentou para as autoridades responsáveis, foi de que todos os moradores colaborassem com a despoluição, pagando uma taxa. “Como existe custo para a limpeza e todo mundo polui, minha ideia é que acrescentassem alguns centavos ou reais na conta de água de cada pessoa para que fosse na limpeza”, afirma.
Ainda assim, Tonello afirma que, em comparação com décadas passadas, o controle ambiental já está bem mais avançado. “Hoje em dia não vemos mais mortandades de peixes, como acontecia nos anos 80. Vamos seguir lutando, aos poucos. Quem sabe um dia as autoridades se conscientizem e deem um jeito”, conclui.
Luta por estradas melhores
Uma reivindicação muito antiga da comunidade é por acessos melhores. Para isso, um sinal positivo já foi dado. Em novembro de 2020 o município começou a obra de asfaltamento da Estrada do Buratti, que tem uma extensão de 1,2 quilômetros.
O investimento vai custar para os cofres públicos cerca de R$ 873 mil e a previsão de conclusão da obra é para abril deste ano. “Ali já pertence a área urbana. Entretanto, nós utilizamos aquela rota, então já começa a melhorar”, comemora Tonello.
Muitas vezes, cansados de aguardar uma solução, tem épocas em que os próprios moradores, cansados de esperar por uma solução da prefeitura, colocam a mão na massa. “Algumas vezes a gente faz mutirão com os vizinhos, pegamos o trator e arrumamos, ajeitamos. Não tem outro jeito, ou nós mesmos fazemos, ou fica como está”, explica.
O morador afirma que o Buratti não quer prioridade, apenas um pouco mais de atenção. Ele compara a situação de Bento com a dos municípios vizinhos. “Todo mundo tem asfalto no interior, nessas cidades pequenas, como, por exemplo, Farroupilha e Garibaldi. E nós, aqui, há quantos anos sem? Bento ficou parada no tempo”, queixa-se.
O agricultor Adelino Conci, 59 anos, tem a mesma opinião. “Precisamos de estradas mais acessíveis e em melhores condições”, pede. Além disso, afirma que o poder público deveria ajudar mais. “A prefeitura investe muito pouco aqui. Precisamos de mais atenção”, frisa.
Religiosidade: solidariedade é a marca da comunidade
Natural da Linha Buratti, o padre Luís Carlos Conci assume que falar da terra natal é tocante. “Por ser nosso lugar, onde lembramos nossas culturas, costumes, histórias, sentimentos, alimentos, bebidas, expressões verbais e nossos antepassados”, pontua.
Como destaque, o pároco destaca a solidariedade como característica marcante do local. “Os moradores sempre se ajudam, um dos sinais disso é que a comunidade ainda está em pé. Já estamos na segunda igreja. A última foi construída em 1946, dedicada ao Espírito Santo, nossa marca religiosa”, finaliza.