A 1ª Vara Federal de Bento Gonçalves garantiu o direito de doação de óvulos de uma mulher para a irmã. Elas não conseguiam fazer o procedimento em função de norma do Conselho Federal de Medicina (CFM) impor que doadores e receptadores de gametas e embriões não conheçam a identidade um do outro. A sentença, publicada no mês passado, é do juiz Eduardo Kahler Ribeiro.
Em novembro de 2018, as irmãs ingressaram com ação contra o Conselho Regional de Medicina do RS (Cremers) narrando que uma delas já tentou todas as técnicas de fertilização sem conseguir sucesso. Disseram ainda que ela recebeu o diagnóstico de infertilidade sem causa aparente, o que provocou grande abalo emocional. As autoras salientaram a possibilidade de doação de óvulos de uma delas à outra.
Em sua defesa, o Cremers pontuou que, no Brasil, ainda não há legislação tratando da reprodução assistida e, em função de tal lacuna, o CFM editou norma em defesa dos princípios éticos e bioéticos. A determinação de que os doadores de gametas ou embriões não conheçam a identidade dos receptores e vice-versa visa à segurança da própria paciente e procura evitar questionamentos acerca da filiação biológica da criança. Sustentou que a ruptura do anonimato pode levar a transtornos legais, emocionais e psicológicos entre todos os envolvidos.
O anonimato na fertilização in vitro heteróloga
Ao analisar os autos, o juiz federal substituto Eduardo Kahler Ribeiro pontuou que, com base na argumentação apresentada pelo réu, a justificativa da regra é impedir disputas futuras pela paternidade/maternidade das crianças geradas pela técnica, o que poderia desestabilizar o bem estar das relações familiares. Não haveria então impeditivos ligados à saúde física das envolvidas no procedimento ou para o bebê que pode ser gerado dele.
O magistrado concluiu que o alvo da norma são as relações sociais e culturais que sustentam o conceito de família a partir de determinados laços biológicos, o que possibilita, segundo ele, o questionamento acerca da atualidade de tais parâmetros. “A propósito, o anonimato vem sendo flexibilizado em diversos países, nos quais se autoriza o conhecimento da identidade do doador de material genético a partir da consideração do bem estar das crianças nascidas, a quem se outorga o direito de saber sobre a sua origem biológica”, ressaltou.
Para Ribeiro, os procedimentos e técnicas de reprodução assistida se inserem no direito ao planejamento familiar, que é fruto da autonomia do casal. Ele destacou que a autora comprovou que se submeteu, com insucesso, a várias técnicas para engravidar, como inseminações artificiais e ciclos de fertilização in vitro, e teve diagnóstico de infertilidade.
Segundo o juiz, pode ser visto como natural a mulher buscar na irmã a possibilidade de doação de óvulos para uma última alternativa de fertilização, procedimento que não possui contra-indicação médica. Ele ainda destaca que, conforme apontada pelas autoras, não há banco centralizado de óvulos, o que dificulta encontrar outras doadoras para preservar o anonimato.
A irmã posicionou-se nos autos concordando em se submeter ao procedimento, renunciando previamente à possibilidade de vir a discutir, no futuro, a possível maternidade da criança. “A regra infralegal do anonimato, nesse contexto probatório, implica desproporcional limitação ao direito ao planejamento familiar de uma das autoras – no qual, como visto, se subsume o direito à utilização de técnicas de fecundação artificial -, obstando a ela, de modo irrazoável, a realização do sonho da maternidade”, conclui o juiz.
O magistrado julgou procedente a ação declarando o direito das autoras à realização da fertilização in vitro heteróloga sem a condicionante prevista na resolução do CFM, impondo ao Cremers a obrigação de não tomar providências contra tal procedimento. Ele concedeu a tutela de urgência tornando imediatos os efeitos da decisão. A sentença é sujeita ao reexame necessário.
Fonte: Justiça Federal do RS