A psicóloga Franciele Sassi informa sobre a importância do mês e o papel da psicoterapia

Com o início do ano, o Janeiro Branco surge como um momento de reflexão e ação em prol da saúde mental. Criada em 2014, a campanha busca conscientizar a sociedade sobre a importância de cuidar da mente, promovendo o bem-estar psicológico como base para uma vida equilibrada. Em entrevista, a psicóloga Franciele Sassi destaca a relevância e os desafios dessa mobilização. “A campanha do janeiro branco vem como uma convocatória para que as pessoas olhem mais para dentro de si, para a sua saúde mental. Alerta sobre a importância de investir no bem-estar psicológico, uma vez que ele integra todas as demais áreas da vida e influencia diretamente no dia-a-dia”, destaca.

Por que Janeiro Branco?

De acordo com Franciele, a escolha de janeiro não é aleatória. “Olhar para a saúde mental e cuidar bem de si mesmo é proposto justamente em janeiro, que é o primeiro mês do ano, porque é um período em que a população está, geralmente, mais mobilizada com tantas revisões, planos, projetos e ajustes às mudanças referentes à transição de mais um ano. Por isso, iniciar o ano podendo dar valor à saúde de dentro é essencial para, principalmente, prevenir quadros psíquicos como, por exemplo, depressão e ansiedade”, explica. A campanha, além de informar, convoca a sociedade a refletir sobre suas emoções e atitudes.

O desafio do preconceito

Embora a pandemia tenha trazido maior visibilidade à saúde mental, ainda existem resistências culturais e preconceitos em relação aos transtornos mentais. Franciele observa que muitos ainda veem buscar ajuda como sinal de fraqueza. “Entendo que um importante registro que a pandemia deixou foi sobre a importância de cuidar mais da saúde emocional, uma vez que os efeitos foram muito mais duradouros que o quadro mundial do vírus em si. Com isso, as pessoas têm visto as ferramentas de suporte como pontos de conexão com a vida, como uma forma de cuidado, não exclusivamente como ‘fraqueza’ ou ‘doença’, ainda que o caminho siga sendo trabalhoso para que a conscientização sobre saúde mental aconteça de forma mais espontânea. Lembramos sempre que estes assuntos são atravessados pela cultura de cada comunidade, sendo algumas mais resistentes que outras”, afirma.

Redes sociais: vilãs ou aliadas?

As redes sociais podem ser ferramentas poderosas de apoio, mas também representam um risco, dependendo do uso. “Através das redes sociais, atualmente, podemos ter acesso de forma mais facilitada a conteúdos sobre saúde mental que contribuem como ferramentas de suporte e apoio. O lado positivo de termos o que buscamos em mãos serve para ajudar aqueles que talvez possam sentir receio de pedir ajuda pessoalmente ou buscar um suporte profissional. Há fontes seguras e eficazes de informação e orientação que podem ajudar a muitos”, comenta Franciele.

No entanto, ela alerta para os riscos. “Por outro lado, esse mesmo acesso facilitado a absolutamente tudo também reduz a filtragem que deveria ser feita quanto a conteúdos que podem não ser benéficos, que podem desinformar, reforçar tabus, que podem não fazer sentido, etc. É fundamental pesquisar por conteúdos de fontes conhecidas, que tenham credibilidade e que, principalmente, sejam respaldados por ciência, sobretudo quanto às questões de saúde mental”, reitera.

Práticas simples para o bem-estar

O autocuidado é central para a saúde mental. Segundo Franciele, é importante que cada pessoa encontre o que faz sentido para si. “Sempre digo que temos uma árdua tarefa de pensarmos em nós mesmos e nos descobrirmos no autocuidado. Não existe uma estratégia pronta que solucionará os problemas. Cada pessoa precisa se experimentar, se testar fazendo algo que surge por uma vontade própria. Às vezes, as pessoas descobrem que ler é relaxante, que escutar música ajuda a distrair, que meditar contribui para a fluidez de pensamentos. Outras pessoas apostam nos exercícios como forma de descarregar. Outras, ainda, gostam de programar algo com amigos”, enfatiza. Segundo ela, o segredo não é fazer e gostar como causa x consequência, mas ir se experimentando e entender, nesse processo, o que faz sentido para cada um. “Também não tem a ver com encher a agenda de atividades para distrair, mas apostar na qualidade e, principalmente, no significado daquilo que foi feito”, recomenda.

Sinais de alerta

A psicóloga destaca os indícios de que alguém precisa de ajuda com relação à saúde mental. Mudanças no humor, isolamento, dificuldade em cumprir rotinas, alterações no sono ou alimentação e pensamentos sobre morte podem indicar que alguém precisa de ajuda psicológica. “Alguns comportamentos que chamam mais atenção dizem respeito a isolamento e falta de vontade de socializar mesmo quando convidado, dificuldades em estabelecer rotinas e cumprir responsabilidades cotidianas, ainda que sejam coisas aparentemente simples, mudanças na alimentação e no sono, alterações de humor principalmente para irritabilidade ou tristeza, sensações de desânimo e desesperança, cansaço constante e letargia, uso aumentado de álcool ou consumo de outras drogas, reflexões constantes sobre morte, sintomas físicos com frequência também podem se manifestar”, pontua.

Ela indica que nem sempre os sinais são claros para todos. “Ocorre que, às vezes, nem a própria pessoa que está precisando de ajuda percebe que, de fato, precisa”, reforça.

O papel da psicoterapia

A psicoterapia é uma ferramenta tanto para quem busca autoconhecimento quanto para quem enfrenta transtornos mentais. “Ela vem como um meio de a pessoa poder se conhecer melhor, entender determinados pensamentos, crenças, valores construídos, comportamentos e condutas do dia-a-dia, reações aos eventos, etc. Nos casos de saúde mental comprometida, a psicoterapia auxilia como ferramenta de compreensão e fortalecimento interior, ajuda a entender melhor as defesas psíquicas e a controlar melhor emoções e reações a partir da compreensão daquilo que não pode ser visto no dia-a-dia com facilidade, que o que chamamos de inconsciente”, explica a psicóloga. Segundo ela, a psicoterapia é uma ferramenta de cuidado e apoio independentemente de a pessoa apresentar uma questão específica da qual quer ‘resolver’, embora ainda muito se tenha esse entendimento.

Engajamento coletivo

Franciele defende que a proposta do Janeiro Branco deve ser levada além de janeiro. “O mesmo acontece com o setembro amarelo, em que muitos engajamentos claramente funcionam de forma a cumprir protocolo. Para que as empresas tenham pessoas engajadas no trabalho, essas pessoas precisam se sentir investidas, reconhecidas. Apostar em momentos de cuidado, disponibilizar vivências, atividades que façam sentido para quem está lá, ainda que breves, podem ser formas de exercitar a consciência sobre cuidar de si mesmo”, sugere.

Ela afirma que o mais se encontra são conteúdos informativos e de conscientização sobre a importância de saúde mental, sejam dispostos pelas redes sociais de profissionais liberais, seja pelos sites de cada município. “É comum a disposição de cartazes pelos locais que oferecem cuidados à saúde geral das pessoas. É interessante que as pessoas interessadas em saber sobre atividades mais específicas e programações que envolvam autocuidado possam acessar as redes municipais ou também se informarem com profissionais que trabalham com áreas da saúde”, destaca.

Desmistificando sofrimentos

Nem todo sofrimento psíquico é um transtorno mental. “Entender isso é o primeiro passo para desconstruirmos tantos preconceitos e desassociarmos a ideia de que quem mostra o que sente é fraco, por exemplo. Algumas condições de saúde mental podem se desenvolver justamente porque não é dado o devido reconhecimento social e lugar para os sofrimentos. O que adoece a comunidade é a desinformação”, esclarece Franciele.

No entanto, fatores genéticos, sociais, ambientais e psicológicos estão interligados no desenvolvimento de transtornos mentais. “Entendemos que as predisposições genéticas podem aumentar o risco de a pessoa vir a desenvolver transtornos mentais, por isso na psicoterapia a gente faz todo um trabalho de conhecer e investigar o passado, o histórico familiar, etc. Mas fatores ambientais e psicológicos também desempenham um papel fundamental para a manifestação de sintomas. O desenvolvimento de transtornos mentais é geralmente uma combinação de fatores genéticos, biológicos, sociais e ambientais”, afirma a especialista.

Mensagem de esperança

Franciele aborda sobre como se pode, como sociedade, se criar um ambiente mais acolhedor e livre de estigmas para quem enfrenta transtornos mentais. “Entendo que precisamos falar mais sobre estes assuntos, não apenas quando os meses convidam a olhar para eles. É a informação que desmistifica tabus, que informa corretamente, que aproxima as pessoas de tomadas de decisões mais saudáveis”, confirma.

Para aqueles que enfrentam dificuldades emocionais neste início de ano, Franciele deixa uma mensagem: “Que as pessoas entendam o autocuidado como uma forma de se valorizar mais, de reconhecer que a vida é uma só e que cada um é importante, é único. E que, justamente por ser único, possa se cuidar melhor, não deixar para depois. Olhar para dentro e buscar suporte é corajoso, é apropriado, é dar valor a si mesmo”, finaliza.