Projeto do IFRS, em parceria com uma vinícola da cidade, tem o objetivo de atender as demandas de pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida
O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS), em parceria com a Vinícola Salton, desenvolveu um projeto de acessibilidade no enoturismo. Em processo desde setembro de 2022, os pesquisadores e demais profissionais vêm dedicando seu tempo na elaboração de materiais e estruturas adaptadas para atenderem às necessidades de pessoas com deficiência, tornando a experiência mais completa e enriquecedora. Ainda que o trabalho seja desenvolvido entre IFRS e Salton, o material estará disponível para outras empresas e poderá ser replicado em outras vinícolas e empreendimentos interessados. No IFRS, a iniciativa é conduzida pelo Centro Tecnológico de Acessibilidade (CTA), que oferece soluções para ajudar pessoas com deficiência a terem mais autonomia em sua vida escolar ou nas atividades do dia a dia.
Com o resultado dessa pesquisa, surgiram o Guia de Acessibilidade no Enoturismo e o Glossário em Libras do Enoturismo. Segundo o coordenador do projeto, Anderson Dall Agnol, o Guia de Acessibilidade contemplará sugestões de iniciativas que possam melhorar a experiência enoturística de diferentes públicos, como pessoas com deficiência visual, auditiva, física, intelectual, múltipla, surdocegueira e Transtorno do Espectro Autista (TEA). Além de ser fundamental para a inclusão das pessoas com deficiência, a implementação da acessibilidade em locais e serviços beneficia a todos, inclusive pessoas idosas, com mobilidade reduzida ou com alguma limitação temporária. “A maioria das pessoas sem deficiência precisa pensar que pode um dia passar a ter alguma limitação ou dificuldade”, acrescentou ao defender a participação da sociedade como um todo na defesa dos direitos e das políticas voltadas a esses indivíduos.
Dall Agnol comenta que pensar em acessibilidade no ramo vitivinícola é algo inovador, já que ainda não há nada relacionado nesta área. Foram mapeadas as principais barreiras do setor, para desenvolver a acessibilidade atitudinal, ou seja, preparar as pessoas para receber melhor os visitantes com deficiência. Um exemplo é a acessibilidade arquitetônica, que vislumbra espaços físicos sem barreiras, que possam permitir a melhor locomoção e o uso dos espaços por todas as pessoas. Por isso, a Casa di Pasto Família Salton, empreendimento da vinícola inaugurado neste ano, dispõe de piso tátil, sinalização em Braile, elevador e mobiliário com dimensões que facilitam o acesso de cadeirantes com mais independência.
Outro diferencial quanto à acessibilidade naquele espaço são os cardápios em Braile e em Libras. Desta forma, pessoas cegas e membros da comunidade surda podem fazer seus pedidos sem precisar de ajuda ou intérprete, promovendo cada vez mais a autonomia do público. “O cardápio em Braile foi produzido por uma pessoa que tem deficiência visual (cegueira) e longa experiência como revisor e transcritor, Everaldo Carniel, que é servidor do IFRS. Ele diagramou, imprimiu e revisou todo o cardápio. A ideia é que este material esteja disponível nos estabelecimentos e seja oferecido para a pessoa cega quando esta chegar ao local. Ela poderá escolher o produto e solicitar ao atendente o que deseja consumir. Além do cardápio em Braille, temos também a versão digital”, pontua o coordenador.
Além da iniciativa voltada àqueles com dificuldades visuais, o projeto ainda traz o Glossário em Libras no Enoturismo. “A partir de conversas, visitas e experiências enoturísticas com a comunidade surda de Bento Gonçalves, foram identificados diversos sinais que não existiam na área. Com base nessa identificação, a comunidade surda elencou alguns sinais que inicialmente poderiam ser criados, como por exemplo, “espumante” e “cave”. Todo e qualquer sinal surge através de experiências sensoriais (uso da visão, olfato, tato) vividas pela comunidade de surdos e são eles que devem criar, discutir e validar os sinais” explica.
A coordenadora de Trade Marketing e Customer Experience, Nicole Salton, relata que a vinícola está tentando implementar o máximo de adaptações para que o maior número de clientes se sinta acolhido e possa desfrutar com excelência a visita ao local. “A empresa sempre busca equilibrar as dimensões de negócio com os valores humanos, então este é um trabalho que nos orgulha e inspira. As equipes que estão passando por capacitações compartilham vivências muito importantes de aprendizados e evolução quanto ao atendimento e inclusão das pessoas com deficiência”, revela.
Durante o plano, foram realizados dois momentos de formação com os colaboradores da organização, quando foram tratadas questões introdutórias, como conceito de deficiência, barreira, acessibilidade, inclusão, tecnologia assistiva, turismo e enoturismo acessível, dentre outras. Além da parte teórica, foram abordadas dicas sobre o atendimento de pessoas com deficiência no turismo, bem como atividades práticas com a participação desse público. A formação foi disponibilizada para diferentes setores da empresa. O objetivo é que a organização continuamente ofereça momentos de estudos sobre a temática, passando a ser uma ação contínua. “Acreditamos que os produtos do projeto sejam ações que ajudem a divulgar essas práticas e tornar o setor mais inclusivo. Para que aconteçam, precisamos de estabelecimentos que estejam abertos para o aprendizado e mudanças culturais e organizacionais. O diálogo constante com as pessoas com deficiência também é fundamental”, comenta Dall Agnol.
Para atestar os resultados e tornar as mudanças e aprendizados cada vez mais efetivos e assertivos, pessoas com deficiência participam de momentos de degustação e visitação na vinícola, entre outras atividades. A ideia é que as iniciativas possam estimular outras companhias, visto que os demais empreendimentos enoturísticos poderão ter acesso às informações e aos resultados, bem como órgãos públicos.
O projeto de acessibilidade no enoturismo deve seguir até o fim de outubro, deste ano, envolvendo profissionais, estudantes e bolsistas ligados a diversos segmentos. O objetivo é avançar por meio de boas práticas, pesquisa, ciência e vivências no tópico de direitos humanos. Isso irá contribuir para que a sociedade entenda e trabalhe em prol da inclusão das pessoas com deficiência no enoturismo. “Como perspectivas futuras, esperamos que, com o lançamento do guia e do glossário, outros estabelecimentos possam se inspirar em nossas práticas. A ideia é que outras vinícolas e empreendimentos turísticos possam ver na acessibilidade e na inclusão um caminho para aprimorar os serviços já oferecidos, atendendo de maneira equitativa a todos. Pensamos também que o glossário pode continuar a ser desenvolvido, incorporando novos sinais aos que já foram criados”, conclui.