Ontem estava eu numa livraria da cidade atrás de O Senhor das Moscas, quando adentrou a porta de vidro, uma senhora engalanada; muitas jóias, muito perfume, muito reboco no rosto, pisando na dura sombra que separa a idade da mulher a da avó.
Para o meu contragosto,não pude evitar de ouvir a conversa que ela entabulou com o jovem vendedor.
– Vou curtir minhas férias na praia de Jurerê Internacional. Pode me indicar um bom livro?
Mais que depressa ele objetou:
– É tarefa difícil indicar um bom livro. De repente, posso indicar um que a senhora não goste.
Ela espetou os cílios postiços como as gatas dos desenhos animados e disse:
– Quem sabe nossos gostos não coincidam…
– A senhora gosta dos clássicos? – desviou o jovem vendedor.
– Li alguma coisa no meu tempo de colégio.
– Que tal O Morro dos Ventos Uivantes de Emily Bronte?
– Acho os clásssicos pesados demais. Não tem uma leitura mais leve, moço?
– A senhora leu Pássaros Feridos de Colleen McCullough? São seiscentas páginas de uma história de amor bonita e comovente.
– Meu nome nome é Rosângela, mas pode me chamar de Rô – disse ela, botando veludo na voz – Seiscentas páginas são demais para a minha resistência. Se bem que as histórias de amor fazem um bem a um coração carente como o meu. Entende, moço?
O vendedor fez um esforço para resistir a tentação de sacudi-la. Ela prosseguiu:
– Sou preguiçosa para ler. E há coisas mais interessantes para fazer nas férias, não concorda?
– Senhora?
– Moço!
Achei que a conversa iria à pique após ter entrado numa zona de forte turbulência, mas me enganei. Uma manobra do vendedor, estabilizou tudo:
– Penso que a senhora gostará de ler O Alto da Colina de Irwin Shaw. É um best seller dos anos 70 se não me engano.
– Me desculpe, ga.. – ia dizer ‘gato’, mas engoliu a sílaba e falou – Como o título já diz, o Alto da Colina é uma leitura que exige fôlego.
– Quem sabe, a senhora não deseje ler um livro de poesia. A senhora pode pegar para ler a hora que quiser, de trás para a frente e vice-versa. Temos Um Por Todos do José Paulo Paes, Apontamentos da História Sobrenatural do Quintana, Vinte Sonetos de Amor do Neruda ou O Menino da Terra do Sol do Flávio Luis Ferrarini.
– Ferrarini? Flávio? Quem? Existe?… Nunca ouvi falar dele.
– É um escritor da nossa terra. Escreve bem. “O Menino da Terra do Sol” é um romance poético fragmentado com algumas das mais incisivas metáforas da literatura brasileira.
-Acho a poesia enigmática demais. Moço, não tem um livro assim…
– Veja que capa bonita, toda em couro com marca em relevo – exclamou o vendedor, mostrando-lhe uma agenda.
Saltei fora rápido da livraria imaginando aquela senhora na sacada do apartamento em Jurerê Internacional de frente para mar, suspirando longamente enquanto rabisca alguns bilhetes imbecis endereçados ao jovem vendedor.