Um encolhimento de 5,3% na economia nacional e uma taxa de desemprego recorde, na casa dos 14,7%, em 2020. Dados como o do relatório “Panorama Econômico Mundial”, lançado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), na terça feira, 14, refletem o que parece consenso entre os economistas: um cenário inevitável de retração. Por mais que esses números devam se modificar conforme a pandemia do coronavírus se desenrola no país, essa realidade deu pinta de se desenhar também na Capital do Vinho, onde mais da metade das empresas não conseguiu manter as contas em dia em março, o mês em que se iniciaram as medidas preventivas contra a Covid-19 no município.
A informação faz parte da pesquisa “Impacto do Coronavírus nos negócios – Bento Gonçalves”, feita pelo Campus Universitário da Região dos Vinhedos da UCS, em uma ação conjunta entre o curso de Ciências Contábeis da unidade e o Programa de Pós-Graduação em Administração da universidade, e a Associação dos Profissionais e Empresas de Serviços Contábeis de Bento Gonçalves (Apescont/BG), com o objetivo de avaliar os impactos econômicos da pandemia na cidade. Realizado entre os dias 31 de março e 1º de abril, o questionário online contou com a participação de 1.056 empresas, sendo 52% do setor de serviços, 24% indústrias e 24% do segmento do comércio.
Quedas de receita e o atraso nas contas
Elaborado quando a paralisação atingia a primeira quinzena, 90% das empresas que responderam o questionário se encontravam, na época, com atividades suspensas devido ao coronavírus. Dessas, 68% reportaram não terem conseguido pagar todas as contas do mês em dia. Enquanto 46% já contavam com perdas de receitas superiores a 40%.
Apesar da metade dos estabelecimentos citarem o aumento do endividamento como a maior dificuldade a ser enfrentada no futuro, entre as principais medidas adotadas para contornar os problemas acumulados nos primeiros 15 dias, foram citadas o atraso de pagamentos de impostos, de fornecedores e mesmo de salários.
Para o professor Fabiano Larentis, um dos responsáveis pela pesquisa, embora o questionário não tenha aportado a situação financeira das empresas antes da pandemia, isso pode ser reflexo da lenta retomada que o país vinha tendo. “Certamente dentro desse número deve haver negócios que já estavam com dificuldades, passando ainda por uma realidade externa complicada, onde estávamos nos recuperando de uma recessão e longe de alcançar o PIB de antes de 2014. Em nossa cidade, onde a economia depende de produtos vendidos ao consumidor final, como o polo moveleiro, o impacto é grande e muitas empresas não conseguem ter caixa para dar conta das atividades”, sublinha.
Por ter sido realizada antes das medidas de incentivo às empresas lançadas pelo Governo Federal e mesmo dos Decretos Municipais que permitiram a reabertura das indústrias e do comércio, outro fator que pode ter impactado as medidas tomadas pelas empresas foi a incerteza quanto às ações governamentais.
48% das empresas não possuem planos de recuperação
Para o professor, a demora na tomada de medidas de amparo financeiro pelo governo federal e as contradições de discursos ente ele e os governos do Estado e do Município também podem ter dificultado a tomada de decisões dos empresários. Dado alarmante da pesquisa, a inexistência de planos de recuperação por parte de 48% dos negócios, reflete isso. Dentre esses, 61% não tinham agido, pois esperava informações sobre o período da quarentena, enquanto 34% aguardavam informações sobre auxílio dos governos. Chama a atenção, ainda, que 20% nem ao menos sabiam como elaborar um plano de recuperação.
Indo além das quedas de receita, das dificuldades em manter o caixa e de elaborar planos para contornar situações adversas, um dos resultados que mais chama a atenção de Larentis na pesquisa é o percentual de empresas que não se preocupam em buscar fontes de informação seguras. Mesmo diante das dificuldades econômicas, 26% dos entrevistados admitiram que ficaram sabendo de apoios governamentais superficialmente, mas que não foram atrás de notícias. “Muita gente não percebe como a qualidade de informação pode impactar no negócio. Há empresas que logo que teve o isolamento, já começaram a demitir os funcionários. Certamente alguns empregos poderiam ser poupados se soubessem, por exemplo, dos auxílios do Governo”, finaliza.
“Em outros anos em que houve queda no PIB nacional, se percebeu prejuízo no município também. O setor moveleiro, por exemplo, que é o maior da cidade, já tem impactos nas exportações e também deve perder receita em mercados afetados pela pandemia como São Paulo e Rio de Janeiro. Outro segmento importante é o turismo, que depende exclusivamente da reação dos visitantes. Os danos são certos, mas ainda é incipiente para qualquer prospecção”
Foto: Franciele Zanon