Com estradas bloqueadas e aeroportos fechados, os turistas não conseguem chegar aos seus destinos e precisam cancelar as passagens aéreas e os pacotes com as agências de turismo
Os Municípios gaúchos afetados pelos temporais desde o fim de abril já contabilizam mais de R$ 8,9 bilhões de prejuízos financeiros, sendo R$ 2,4 bilhões no setor público e R$ 1,9 bilhão no setor privado. A maioria dos prejuízos, por enquanto, refere-se ao setor habitacional, com R$ 4,6 bilhões em perdas. A Confederação Nacional de Municípios (CNM), que acompanha diariamente a situação, reforça que os dados são parciais, uma vez que as gestões locais enfrentam dificuldades de inserir as atualizações nos sistemas.
Com a catástrofe climática, hotéis de municípios como Bento Gonçalves e Gramado, tradicionais destinos turísticos da Serra Gaúcha, passaram a registrar cancelamentos e remarcações de reservas nos últimos dias.
O setor de turismo sente um baque com os impactos das enxurradas no Rio Grande do Sul. As enchentes de proporções históricas bloquearam estradas e paralisaram o aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, o que trava o fluxo de visitantes. “As estradas estão sendo liberadas aos poucos. A principal questão agora é a do aeroporto”, diz Cristiane Mörs, diretora de vendas e marketing da rede de hotéis Laghetto, cuja operação está mais concentrada na Serra Gaúcha. Segundo a executiva, de 30% a 40% das reservas foram canceladas ou remarcadas nos últimos dias, o que traz preocupação. Ela também afirma que funcionários da rede foram prejudicados pelas enchentes. “Temos colaboradores que, infelizmente, foram muito afetados”, explica.
O cenário na Serra Gaúcha, porém, não é homogêneo. O presidente da União Brasileira de Vitivinicultura (Uvibra), Daniel Panizzi, exemplificou que nas áreas urbanas de algumas cidades da região, a rotina da população segue normalmente. Já nas propriedades rurais às margens de rios, a cerca de 30 quilômetros do perímetro urbano, passaram por catástrofes muito agressivas. Panizzi aponta para a interrupção abrupta do enoturismo após o desastre climático. Um levantamento do Sebrae mostra que mais de 85% das vinícolas brasileiras têm receitas advindas do enoturismo. Além do esvaziamento já registrado na rota do vinho, o calendário de eventos de todo o ano deve ser revisto, o que, consequentemente, pode atrasar ainda mais a recuperação econômica da região.
Para Ivane Maria Remus Fávero, Turismóloga e Consultora em Turismo, as enchentes afetaram profundamente o setor, inicialmente esvaziando estabelecimentos e detendo o fluxo de turistas. “Esta fase inicial é crítica, pois o foco está na salvaguarda de vidas e na segurança. A médio e longo prazo, o turismo enfrentará desafios significativos relacionados ao retorno das atividades normais, reconstrução de infraestrutura danificada e reavaliação do planejamento urbano. Contudo, a resiliência do setor e a gradual reconstrução de estradas e pontes permitirão a reativação do turismo, embora isso exija tempo e recursos consideráveis”, comenta.
Novas alternativas
Luiz Afonso Senna, professor da Escola de Engenharia da UFRGS e especialista em transportes, avalia que o fechamento do Aeroporto Internacional Salgado Filho, em Porto Alegre, tem um impacto “devastador” ou “extremamente forte” nas atividades econômicas do Rio Grande do Sul. A Fraport Brasil, concessionária responsável pelo aeroporto, informou na segunda-feira, 6, que ainda não há uma data definida para a reabertura.
Senna destaca que o impacto na economia e nas atividades em geral é significativo, considerando que o Salgado Filho é um hub crucial, um agregado de serviços, sendo o último grande aeroporto do país com diversas conexões, especialmente próximas a países como Argentina, Chile e Uruguai. Ele menciona a dificuldade para a chegada de visitantes que, após desembarcarem em Porto Alegre, geralmente seguem para municípios da Serra Gaúcha.
Desde sábado, 11, já operam no Estado os voos extras da malha área emergencial com destino a aeroportos do interior gaúcho. As rotas incluem voos para Passo Fundo, Santo Ângelo, Base Aérea de Canoas, Caxias do Sul, Pelotas, Santa Maria e Uruguaiana. Para Senna, são aeroportos de menor porte, com capacidade de atendimento mais restrita aos passageiros. “Não possuem o status de aeroportos internacionais, como o Salgado Filho. As operações de pousos e decolagens são mais limitadas”, explica.
O Governador Eduardo Leite diz que “a gente quer ver tudo o que possa ser feito de ações emergenciais em aeroportos que têm estrutura, como o de Caxias do Sul, para que a Serra Gaúcha não sofra um segundo impacto com a dificuldade de acesso para os turistas”, reforça. A Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) diz que monitora os impactos da situação no Rio Grande do Sul. A agência afirma que está trabalhando para identificar alternativas que podem ser oferecidas aos passageiros afetados.
As medidas propostas ao Ministério do Turismo e à Secretaria de Estado do Turismo, como aumento da cota Fungetur (Fundo Geral de Turismo), facilitação de procedimentos financeiros, apoio direto aos municípios, redução de IPI, e incentivos fiscais específicos, são essenciais para recuperar e fortalecer o setor turístico.
“Precisamos de mais, precisamos ir além disso. A colaboração multilateral e a alocação de recursos adequados serão fundamentais para a eficácia dessas medidas”, considera Ivane Fávero.
Mesmo com a massificação dos esforços, o Rio Grande do Sul pede doações e mais ajuda do governo federal. No dia 3 de maio, Celso Sabino, ministro do Turismo, informou a liberação de R$ 100 milhões para empreendedores do setor afetados pelas enchentes. O crédito será disponibilizado de modo emergencial, por meio do Fungetur, programa direcionado, principalmente, para micro, pequenas e médias empresas do país.
Os recursos poderão beneficiar meios de hospedagem, agências de turismo, transportadoras turísticas, organizadoras de eventos, parques temáticos, acampamentos turísticos, restaurantes, cafeterias, bares e similares registrados no Cadastur (Cadastro de Prestadores de Serviços Turísticos).
De acordo com a especialista, a atividade turística na região será restabelecida, mas o tempo necessário dependerá da velocidade e eficácia das medidas de recuperação implementadas.
O fechamento de empreendimentos devido à falta de recursos financeiros é uma realidade, e a rápida intervenção para apoiar e revitalizar o setor é crítica para evitar uma crise prolongada no turismo. “Exemplos de outras regiões que enfrentaram catástrofes mostram que a recuperação do turismo depende de uma estratégia robusta que inclua marketing eficaz para reconstruir a imagem do destino, incentivos para atrair turistas e eventos que possam gerar interesse e movimento econômico. Locais como Nova Orleans após o furacão Katrina e a região de Fukushima no Japão implementaram campanhas intensivas de relações públicas e desenvolveram infraestrutura para assegurar que o turismo desempenhasse um papel vital em suas recuperações econômicas”, expõe.
Para finalizar, Ivane reforça que é fundamental que haja uma conscientização pública contínua sobre os esforços de recuperação e as oportunidades de envolvimento comunitário no apoio ao turismo. “A promoção de produtos e experiências locais, juntamente com uma narrativa que destaque a resiliência e a atração da região, ajudará a atrair visitantes e a revitalizar o setor mais rapidamente”, pondera.
Maristela Lerin é dona de um empreendimento nos Caminhos de Pedra, um dos roteiros turísticos e culturais de Bento Gonçalves. Ela comenta que o movimento de visitantes está baixo, tanto pela dificuldade de transporte, uma vez que o maior aeroporto do estado está fechado e estradas e pontes estão danificadas, quanto pelo receio de vir à região, duramente afetada pelas fortes chuvas.
Segundo Maristela, o momento é bastante complicado, mas o povo gaúcho é muito resiliente e forte e vai superar as adversidades. “Tudo o que nosso Estado está passando é muito triste, mas não podemos desistir. O futuro é retornar no turismo ainda mais competentes, oferecendo experiências que encantem o visitante, honrando a história que nossos antepassados trouxeram”, ressalta.
O apelo do setor hoteleiro e gastronômico é para que os viajantes não cancelem os pacotes, mas, sim, remarquem a viagem para os meses seguintes. “A nossa região terá um papel importante na reconstrução do Estado, mas para isso precisamos trabalhar. Temos que restabelecer as moradias, os acessos e, principalmente, manter os empregos”, finaliza.