Segundo estatísticas da Telavita, os homens representam apenas 33,8% do total de pacientes que buscam ajuda mental
Cuidar da saúde mental ainda é um desafio para muitos homens no Brasil. Dados do Ministério da Saúde revelam uma realidade alarmante: a morte autoprovocada é quatro vezes maior entre homens. Apesar disso, a busca por terapia ainda é marcadamente menor neste público. Estatísticas da Telavita, clínica digital de psicologia e psiquiatria, apontam que os homens representam apenas 33,8% do total de pacientes atendidos. Entre as queixas mais comuns estão ansiedade, estresse, problemas financeiros e dificuldades de relacionamento.
Este cenário é resultado, em grande parte, de um estigma profundamente enraizado na sociedade. A masculinidade tóxica — a imposição cultural de que os homens devem ser fortes, inabaláveis e resolver tudo sozinhos — inibe a expressão emocional e dificulta a busca por ajuda profissional. Como reforça a psicóloga Daniela Faccin. “Desde cedo, os homens são condicionados a acreditar que devem ser fortes e resolver seus problemas sozinhos. Isso cria uma barreira emocional que os impede de expressar fragilidades”, reflete.
Impactos da negação do cuidado mental
A repressão emocional não apenas afeta a saúde mental dos homens, mas também impacta suas relações sociais e físicas. A psicóloga Júlia Mara Richetti destaca que “reconhecer e falar sobre nossas sombras, ilusões e sentimentos são movimentos essenciais para sermos melhores pais, amigos, maridos e colegas de trabalho”, explica. Quando sentimentos são reprimidos, o resultado pode ser um ciclo de isolamento e solidão, que alimenta condições como estresse, ansiedade e depressão.
A resistência masculina à terapia não é apenas cultural, mas também comportamental, com graves consequências. Além de contribuírem para altos níveis de estresse, ansiedade e depressão, esses padrões afetam relacionamentos interpessoais, gerando distanciamento e solidão. Conforme Júlia, “o silêncio emocional não apenas prejudica a saúde mental dos homens, mas também afeta suas conexões com amigos, familiares e parceiros(as), criando um ciclo de isolamento”, diz.
Júlia também enfatiza o impacto cultural e geracional na resistência masculina à terapia. “A dificuldade dos homens em buscar acompanhamento psicológico é fruto de um contexto que valoriza o ‘homem forte’, reforçado ao longo de gerações. Felizmente, vemos nas novas gerações uma maior abertura para discutir saúde mental e repensar padrões”, pondera.
Segundo Daniela a masculinidade tóxica condiciona os homens a reprimirem suas emoções e acreditarem que precisam lidar sozinhos com os desafios da vida. “Isso impacta diretamente sua saúde emocional e social”. Essa repressão contribui para índices alarmantes de suicídio entre homens.
Buscar ajuda não é um sinal de fraqueza, mas sim um ato de coragem e autocompaixão. “É sobre se conectar com quem você realmente é, sem máscaras ou julgamentos”, afirma Daniela. É necessário desmistificar a ideia de que a terapia é apenas para momentos de crise. “É uma oportunidade de crescimento, reflexão e desenvolvimento pessoal. Muitos homens que se permitem passar por esse processo relatam se sentirem mais confiantes, seguros e capazes de lidar com os desafios da vida”, explica Júlia.
Buscar terapia é, na verdade, um ato de coragem e amor-próprio. “A mudança começa com informação e acolhimento. Precisamos desmistificar a psicoterapia, mostrando que está tudo bem não estar bem e que procurar ajuda é um recurso poderoso para quem deseja autoconhecimento e qualidade de vida”, complementa Daniela.
Segundo dados da OMS (Organização Mundial da Saúde), os homens representam cerca de 75% das mortes por suicídio no mundo. Quando comparamos homens e mulheres, é quase quatro vezes mais incidente entre homens, conforme aponta o Ministério da Saúde. Neste público, são 9,9 mortes autoprovocadas por 100 mil habitantes. Já entre as mulheres são 2,6 casos por 100 mil habitantes. “Isso não significa que eles sofram mais, mas sim, que enfrentam maiores dificuldades em compartilhar suas angústias e buscar ajuda. A dificuldade dos homens em buscar ajuda psicológica não é apenas uma questão de comportamento: ela tem consequências diretas para sua saúde física, emocional e social. A repressão de sentimentos está associada a altos níveis de estresse, ansiedade e depressão, além de problemas relacionados ao abuso de substâncias, como álcool e drogas. Além disso, muitos homens enfrentam dificuldades para expressar emoções até mesmo em seus relacionamentos”, destaca Daniela.
Desde cedo, muitos homens são ensinados a reprimir emoções, sob a premissa de que demonstrar vulnerabilidade é um sinal de fraqueza. As psicólogas destacam que esse padrão é um dos maiores entraves à saúde mental masculina. “As novas gerações têm mostrado maior abertura para discutir saúde mental e repensar os padrões impostos. Essa transformação precisa ser incentivada, pois é ela que permitirá que os homens vejam o tratamento psicológico não como uma ameaça à sua masculinidade, mas como uma ferramenta de fortalecimento pessoal”, afirma Daniela.
Estamos diante de uma oportunidade de reescrever o que significa ser homem. O cuidado com a saúde mental não é apenas um benefício individual, mas um ato que impacta positivamente famílias, comunidades e a sociedade como um todo. “A força não está em esconder os sentimentos, mas em entendê-los”, conclui Júlia.