Evasão escolar, desemprego, precarização das condições de trabalho, questões étnico-raciais, questões de gênero e sexualidade são os principais fatores que levam ao crescimento da população nem-nem
Num Brasil de desigualdades estruturais e oportunidades desiguais, cresce silenciosamente um grupo que escancara as fissuras do sistema: jovens de 15 a 29 anos que não estudam, não trabalham e não estão em formação profissional. Conhecidos como “nem-nem”, esse contingente desafia políticas públicas e levanta questões urgentes sobre o futuro da juventude brasileira.
Vale salientar que em algumas pesquisas a idade considerada é de 18 a 24 anos. Em pesquisa mais recente, da “Education at a Glance”, divulgado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o percentual caiu de 29,4% em 2016 para 24% em 2023, uma diferença de 5,4 pontos percentuais.
Em outra pesquisa que considera os jovens de 15 a 29 anos, Síntese de Indicadores Sociais 2024 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que ao todo, 10,3 milhões de jovens dessa faixa etária estavam nessa situação em 2023, o que representa uma taxa de 21,2% — a menor da série histórica. A pesquisa foi lançada em 2024, mas se refere a 2023.

Até então, o menor nível havia sido registrado em 2013, quando 11,2 milhões de pessoas (21,6%) dessa faixa etária não trabalhavam nem estudavam.
Os dados do IBGE mostram que houve um aumento da taxa entre 2016 e 2020 — atingindo as máximas, com quase 14 milhões de jovens (28%) nessa condição.
O movimento foi causado pela “recessão econômica que já vinha de 2014, agravada pela pandemia”, diz o instituto.
De 2020 a 2023, no entanto, houve uma mudança de rota, com uma sequência de quedas no índice. “O recuo no número de jovens que não estudam nem trabalham é explicado pelo dinamismo do mercado de trabalho”, diz Leonardo Athias, gerente de Indicadores Sociais do IBGE, que destaca o aumento no número de jovens ocupados.
No Estado
Estudo da PUCRS apontou que no RS a geração nem-nem já soma quase 230 mil jovens, entre 15 e 29 anos. O estudo focou nas características específicas dessa população no Rio Grande do Sul.
Utilizando a faixa etária definida pelo Estatuto da Juventude, que garante os direitos dos jovens no Brasil, a pesquisa revelou dados alarmantes. A faixa etária de 25 a 29 anos é a mais afetada, com quase 12% dos jovens nessa condição. Quando cruzados com dados socioeconômicos, os resultados mostram que a maioria desses jovens pertence à faixa de pobreza. Enquanto na Europa os nem-nem estão mais presentes em famílias com mais recursos, no Rio Grande do Sul apenas 3% dos jovens ricos estão nessa situação, contra 20% dos jovens pobres.

Números ainda altos
A professora Aline Passuelo de Oliveira, socióloga e docente na Universidade de Caxias do Sul (UCS), destaca que apesar de redução em nível nacional, o número ainda é muito alto. “O Brasil vem reproduzindo uma estrutura social que historicamente exclui — e os jovens nem-nem são reflexo direto desse sistema”, aponta.
O termo, importado da sigla NEET – “Not in Education, Employment or Training” (do inglês “Não está em Educação, Emprego ou Formação”), passou a ser utilizado, principalmente no Reino Unido, para descrever a exclusão juvenil nestes ambientes. No Brasil, contudo, o fenômeno ganha contornos ainda mais dramáticos, segundo a professora.
Para ela, o problema em grande parte, não é culpa dos jovens que não buscam as oportunidades, mas sim um problema estrutural. “É reproduzido por cada geração, mas não é imutável. Precisamos parar de usar ‘estrutural’ como sinônimo de ‘inevitável. Como resultado, continuamos com a tendência de concentração de renda em vigor e demais desigualdades étnicas e sociais”, frisa.
Evasão escolar e desemprego
Dados recentes apontam uma evasão preocupante no ensino fundamental e médio, especialmente no Rio Grande do Sul. Segundo dados do Inep, a taxa de abandono do Ensino Médio no RS, em 2023, foi de 8,9% dos alunos, bem acima das médias da região Sul (4,7%) e do Brasil (3,8%). O resultado do estado no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) no mesmo ano também ficou abaixo das médias regional e nacional. “São adolescentes que deixam a escola sem se inserir no mercado de trabalho, nem em formação técnica”, observa Aline.
Entre os que encontram ocupação, muitos se veem em relações de trabalho precárias, como os empregos por aplicativos. “Esse tipo de ocupação, apesar de parecer acessível, esconde uma série de vulnerabilidades. Basta um acidente para que tudo desmorone: sem seguro, sem direitos, sem amparo. A terceirização do trabalho em todas as esferas precariza os empregos. Esse tipo de serviço não é atrativo, pois não garante o mínimo. No entanto, a grande maioria não tem escolha a não ser se submeter a trabalhos precários”, alerta a docente.
E mesmo em cidades com vocação econômica evidente, como Bento Gonçalves, polo industrial e turístico da Serra Gaúcha, a juventude ainda enfrenta barreiras. “Existem oportunidades, mas será que elas são realmente acessíveis a todos? Transporte, alimentação, acesso à internet: tudo isso pesa na decisão de um jovem sair de casa para se qualificar ou trabalhar”, questiona Aline.
Redes sociais: esperança ou armadilha?
As redes sociais, por vezes, aparecem como uma alternativa ilusória. “Muitos jovens se inspiram em influenciadores e acreditam que o sucesso online é o caminho. Mas poucos se dão conta de que esses casos são exceções, não regra. E, pior, acabam abandonando os estudos por uma promessa de boa renda por outros meios”, diz Aline.
O papel da escuta e das políticas públicas
A professora é enfática: políticas públicas precisam ser pensadas a partir da realidade local, mas são importantes também as ações cotidianas, um trabalho de formiguinha para mudar a realidade. “Não adianta desenhar programas sem ouvir quem mais precisa deles. A escuta qualificada é o primeiro passo. A escola, por exemplo, precisa ser espaço de diálogo e acolhimento. Políticas municipais de qualificação também deveriam ser pensadas e incentivadas, de acordo com cada realidade, no âmbito municipal, estadual e nacional”, salienta.
Na opinião dela, o combate ao fenômeno dos nem-nem exige ações articuladas: educação, emprego, cultura, saúde mental, inclusão digital, e sobretudo, empatia. “Transformações estruturais só acontecem quando a sociedade se move, senão a estrutura continuará a ser reproduzida”, conclui.