Com muitos alunos surdos e apenas um profissional com formação em Libras na rede municipal de Bento, famílias lamentam prejuízos no ensino dos filhos

Aprender o que os professores ensinam geralmente é um desafio diferente para cada estudante: alguns entendem o conteúdo com mais facilidade, enquanto outros, tem necessidade de estudar um pouco mais. Mas quando o profissional não fala a mesma língua que o aluno, como fica esse aprendizado? Ou quando sequer tem um docente com formação para dar aula?

Em Bento Gonçalves essa é a realidade dos surdos: muitos alunos, mas apenas um profissional com qualificação para atuar na área. É que diferente dos indivíduos ouvintes nascidos no Brasil, que tem o português na forma oral como primeira língua, para os surdos é a Língua Brasileira de Sinais (Libras).

Surdos e ouvintes se comunicando em linguagens diferentes, porém, inseridos no mesmo ambiente escolar, não é errado, desde que a escola cumpra o que está previsto na lei para quem não escuta: ter um profissional tradutor e intérprete de Libras na sala. Quando isso não acontece, o estudante surdo pode sofrer grandes prejuízos no aprendizado.

A Capital Nacional do Vinho, conta com a Escola Municipal de Ensino Fundamental Caminhos do Aprender, fundada inicialmente para atender pessoas com Espectro Autista severo. Porém, desde 2016, pela demanda, também presta atendimento para alunos surdos.

Um dos estudantes era o Pedro Henrique Mazurkevicz, 11 anos, que tem surdez severa e profunda. A mãe, Fabiane Rosa Garcia, 31 anos, afirma que apesar da idade, o filho não aprendeu a ler e nem a montar uma frase inteira. “Na escola existia somente uma professora formada em Libras, que era de educação artística. Tinha professores que não sabiam nem se comunicar com ele, não sabiam nem o que ele falava”, relata.

Pedro não frequenta nenhum colégio há dois anos, desde que deixou a escola citada. A mãe encontrou amparo na Associação dos Surdos de Bento Gonçalves (ASBG), local em que o pequeno convive desde os três anos. Lá, um jovem, também surdo, está dando aulas de forma voluntária para quem frequenta o espaço. “O que o Pedro aprendeu, foi lá. Ele ficou o ano passado inteiro indo duas vezes por semanas, para ter aulas”, assegura.

Pedro frequenta a ASBG desde que tem três anos

Questionada sobre o que ainda precisa melhorar quando o assunto é a educação dos surdos, Fabiane afirma que é a capacitação. “Eles precisam estudar em uma escola qualificada, com pessoas que saibam Libras, pois se esperar pela qualificação de profissionais em Bento Gonçalves, vão ficar analfabetos”, analisa.

Carência de profissionais

A Secretária de Educação, Iraci Luchese Vasques, assume que em toda rede municipal de ensino, não há profissionais tradutores e intérprete de Libras concursados. Entretanto, afirma que um grupo de docentes participou de formação básica na língua.

Iraci também confirma que na Escola Caminhos do Aprender só tem uma professora com formação em Libras, além de um profissional de apoio. Atualmente, três alunos surdos estão matriculados no local.

De acordo com Iraci, desde 2013 está sendo ofertada formação aos profissionais e sendo realizado acompanhamento ao trabalho da escola. A ação da SMED é em parceria com a Fundação de Articulação e Desenvolvimento de Políticas Públicas para Pessoas com Deficiência e Alta Habilidades no Rio Grande do Sul (FADERS) e com o Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS), com apoio do Núcleo de Inclusão e Diversidade.

Duas décadas de luta

A presidente da ASBG, Daniela Flamia, descobriu que o filho é surdo pouco tempo após o nascimento, quando ele tinha 34 dias. Foi então, que decidiu deixar a cidade. “Vi que não tinha oportunidades em Bento, para ele. Com dois meses já estávamos morando em Porto Alegre. Com nove meses ele começou a estudar em uma escola especial”, relembra.

Após 11 anos, voltaram para a cidade natal. Hoje, aos 22 anos, o filho é fluente em Libras. Daniela, como mãe de surdo e presidente da associação, diz que deseja para os outros surdos, o mesmo que sempre quis para o filho dela. “Ajudar na formação, que evoluam cada vez mais. Que a gente consiga dar maior suporte para eles e para as famílias”, frisa.

Em relação aos estudos, ela destaca que há prejuízos para os surdos. Ainda mais neste momento, onde a pandemia do coronavírus impediu temporariamente a realização das aulas de forma presencial. “Tudo é muito mais difícil e com certeza qualquer tempo que eles ficarem sem aprendizado é uma perda enorme. Sempre digo que se um ouvinte tem que estudar, um surdo tem que estudar o dobro”, aponta.