Desde que começou a pandemia, tudo mudou, inclusive a forma de estudo de crianças e adolescentes. Do ensino à distância ao método híbrido, e agora, voltando às aulas presenciais, as mudanças repentinas têm afetado o aprendizado dos alunos. O Conselho Tutelar já entrou em contato com 181 famílias para resolver casos de evasão escolar.
A conselheira tutelar Silvana Lima tem algumas percepções sobre o assunto, tendo em vista os atendimentos que realiza diariamente. “Hoje a gente vê que o adolescente não quer mais estudar, a partir dos 15 anos não tem mais vontade e às vezes falta um pouco de incentivo dos pais. Também percebemos que falta algo na escola em relação à tecnologia, ter um atrativo para reconquistar esses alunos para o âmbito escolar”, revela.
Além disso, ela revela que em alguns casos, chamar a família para conversar sobre o assunto pode não provocar mudanças. “O adolescente simplesmente balança o braço e diz que não quer mais estudar. Falta reforço da instância maior, até em quem oferece emprego para o adolescente, que seja obrigatório ele estar na escola para permanecer naquele ambiente. Muitos acabam deixando de estudar porque trabalham, outros não querem nem trabalhar”, pontua.
Alguns dos adolescentes têm empecilhos que vão além do desejo de ir à escola. “A dificuldade também é o acesso quando é muito longe. Enquanto estão no modo online tudo bem, mas e quando for presencial, como vão fazer?”, indaga a conselheira.
Ela também explica que nas escolas do município, se o estudante não tem vaga nas proximidades, a Secretaria de Educação disponibiliza transporte. “O estado oferece quando os alunos moram na comunidade rural, se é dentro do zoneamento urbano a família tem que custear a ida”, explica.
Atualmente, por conta do coronavírus, não é possível obter informações concretas sobre quantos estudantes não estão indo para a escola. “Temos poucos dados para dizer quantos estão fora das salas de aula, devido à pandemia eles ainda não retornaram 100% presencial. Quando voltarem, acreditamos que a gente vai ter evasão escolar em um número significativo”, realça.
Uma das formas que anteriormente identificava a infrequência escolar era a Ficha de Comunicação de Aluno Infrequente (FICAI). Nela, quando o estudante não frequentava a escola por cinco dias consecutivos, a escola tomava nota e mandava ao Conselho Tutelar, para que o órgão aplicasse as medidas cabíveis. Com a pandemia, o Ministério Público Regional determinou que não haja ficha de infrequência escolar até que o decreto do governo estadual mude, pois os pais não são obrigados a enviar os filhos para a escola presencialmente.
Quando a infrequência chega a nível de repetência, os fatos também são encaminhados ao Conselho para que o órgão identifique as dificuldades e trabalhe junto à família para transpor os obstáculos. “Quando vem para nós a informação de que ele não está na aula, a gente pega outros tipos de violação de direitos daquele adolescente. Às vezes ele não vai porque tem problema de saúde, a gente tem também adolescentes com autismo, que chega uma certa idade e não quer mais ir. Como o pai vai obrigar ele? A gente só tem esses conhecimentos quando a família nos procura ou quando vem notícias da escola”, salienta.
As escolas estão relatando ao Conselho Tutelar que as dificuldades são as devolutivas dos trabalhos. “Eles não fazem a devolução das atividades, e quando a gente chama a família, vemos que tem outras coisas por trás que dificultam o acesso à internet, não tem o crédito para colocar no celular, várias coisas que a gente só descobre em contato com os familiares”, expõe.
Para Silvana, ao recordar os atendimentos que já realizou, em alguns casos a família é negligente. “Educação não é apenas a que o pai e a mãe dão, mas a escolar, que vai agregar para o conhecimento da criança e adolescente. Se o filho não quer ir, não são todos os pais, mas a maioria comenta com nós que eles não conseguem fazer o aluno retornar, que não obedece e não quer”, menciona.
Na rede estadual
O coordenador da 16ª Coordenadoria Regional de Educação, Alexandre Misturini, destaca que, mesmo na pandemia, o aluno precisa ter frequência e escolher por ir presencialmente às aulas ou fazer as atividades pela plataforma Google Classroom. “Se a família optar por mandar o aluno totalmente presencial, pode. A grande maioria das nossas escolas comporta todos os alunos de volta. Já tivemos reuniões, todas as escolas recebem orientações, tanto pedagógicas quanto do COE (Comitê Operacional de Emergência em Saúde) regional. A gente preza sempre pela saúde, que é o aferimento da temperatura quando ele entra na escola, não apresentar sintomas gripais, utilização de máscara obrigatória e o álcool gel quando entra”, sublinha.
Misturini calcula que cerca de 55% dos alunos da rede estadual estão frequentando as aulas de forma presencial, 45% em modo híbrido e a infrequência está beirando de 10% a 12%. “A gente sabe que a evasão aumentou, o que nos preocupa é a aprendizagem dos alunos e isso, para mim, acontece em todas as redes. A gente vai ver isso em uma prova do Exame Nacional do Ensino Médio e nos vestibulares”, acredita.
Alguns alunos não estão conseguindo retornar no turno da noite pois não têm como ir para casa. “Bastante alunos do noturno não estão conseguindo voltar por conta das linhas de ônibus, são vários aspectos que somados fazem acontecer um índice de evasão. Nós só vamos conseguir medir no próximo senso escolar”, prevê o coordenador.
Sobre a distância entre onde o estudante mora e o educandário, Misturini lembra que existe uma lei que impõe que a casa precisa estar a dois quilômetros da escola. “A nossa rede estadual oferta a vaga, a matrícula é online há três anos. Como primeira opção vai aparecer a escola mais próxima, como segunda a um pouco mais distante. A gente oferta vaga, não pelo turno, quem escolhe é o pai e o aluno”, ressalta.
No município
Secretária de Educação de Bento Gonçalves, Adriane Zorzi, explica que o parecer nº 19/2020 do Conselho Nacional de Educação normatizou que todos os alunos receberiam presença, por isso na pandemia não houve registro de evasão. Em 2021, porém, o parecer nº 06/2021 orienta que os alunos infrequentes recebam falta e propõe a busca ativa dos mesmos e quando não houver o retorno será comunicada a evasão.
Segundo ela, os casos de não retorno são baixos. “Tanto nas atividades, como às aulas presenciais é realizada a notificação das famílias e a busca ativa. Dos casos notificados na rede, várias saíram da cidade e ainda não matricularam em outras escolas”, afirma.
O primeiro passo, quando há infrequência, é a escola entrar em contato e informá-los da importância e obrigatoriedade. “Os casos em que a escola não tem sucesso são encaminhados para a Secretaria de Educação, que através das responsáveis pela busca ativa, procuram de várias formas verificar onde está este aluno. Se ainda não foi possível contato com a família, é realizado o envio deste caso para o Conselho Tutelar”, exemplifica.
Na visão do educador
Segundo o professor de matemática, Paulo Rusezyt, o retorno às aulas presenciais foi mais tranquilo e o desempenho dos que retornaram melhorou em muitos casos, principalmente dos alunos que não entregaram nada enquanto estavam de forma remota. Há, entretanto, alguns que não estão entregando as atividades e nem indo para a aula. “Essa, infelizmente, é uma coisa comum de acontecer. Claro que a maioria dos alunos realizam suas tarefas seja no presencial ou no remoto. Entretanto, conversando com muitos dos nossos colegas de outras escolas, é uma realidade que tem acontecido bastante”, lamenta.
Rusezyt conta que ao perceber que o aluno não está mais indo para a aula, é preciso alertar aos setores competentes. “Avisamos departamento da escola responsável por realizar o contato com essas famílias, no caso, supervisão escolar. Na sequência somos informados dos resultados desse contato”, frisa.
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