Prestes a se despedir da paróquia Santo Antônio, em Bento Gonçalves, para encarar um dos maiores desafios de sua trajetória como sacerdote, o padre Ricardo Fontana abre o coração e fala sobre sua caminhada a frente da maior paróquia católica da cidade
Foram quase sete anos de convivência em Bento Gonçalves. E, a partir de janeiro do ano que vem, a caminhada do padre Ricardo Fontana ganha novos rumos com a sua nomeação para reitor do Santuário Diocesano de Nossa Senhora de Caravaggio, em Farroupilha. Em entrevista exclusiva ao Semanário, o religioso falou sobre sua trajetória na Capital do Vinho, projetos e ações desenvolvidas, além de relembrar momentos alegres e de provações, principalmente durante o período de pandemia do novo coronavírus, onde, segundo ele, as pessoas puderam mostrar seu verdadeiro coração para com quem mais precisa.
Jornal Semanário – Desde que o senhor chegou, em 2015, a paróquia Santo Antônio passou por diversas mudanças. Desde a sua chegada até agora, quais foram os principais desafios?
Padre Ricardo – Foi um período muito difícil. Eu vinha de uma experiência de três anos como pároco de Carlos Barbosa. Até então, eu só tinha trabalhado na formação e como vigário paroquial na Catedral, em Caxias do Sul. Foi num momento em que eu estava na metade dos projetos lá na paróquia. Quem estava aqui, na época era o padre Adelar Baruffi. Ele veio para cá justamente para assumir como pároco, mas acabou sendo nomeado bispo de Cruz Alta. No dia 19 de dezembro de 2014, Dom Alessandro Ruffinoni, bispo da diocese na época, me chamou para conversar. Eu já fui de Carlos Barbosa à Caxias já enxergando a igreja de Santo Antônio. Haviam seis padres que não haviam aceitado vir à Bento Gonçalves. Eu seria o sétimo a dizer não. Naquele período, ninguém quis aceitar vir para a paróquia Santo Antônio. A gente não sabia como seria a realidade daqui. Depois de seis meses como pároco, eu entendi porque os outros seis colegas não haviam aceitado. Com o apoio de outros padres eu aceitei. Vim com muita alegria, porque Nossa Senhora de Guadalupe sempre esteve comigo e, naquele dia, ela me deu um grande sinal. E aí eu vim tranquilo.
Depois disso, tivemos que iniciar as transformações. Imagine: o padre Izidoro Bigolin estava em Bento Gonçalves há 32 anos, deixando um belíssimo legado, mas, porém, haviam algumas situações que precisávamos mudar, dar um sentido pastoral, espiritualidade para o ambiente como paróquia, valorizando as comunidades, harmonizando as equipes. Construímos cinco e reformamos treze igrejas nesse período. Demos um rosto novo para a catequese. Foi um trabalho muito intenso, grande. Saio de cabeça erguida e sensação de missão cumprida. As demandas são muito grandes.
Temos duas escolas católicas, um hospital, o presídio que damos assistência. Na época que eu cheguei, os haitianos estavam chegando em Bento Gonçalves. Tivemos um trabalho imenso de ajuda à regularização da situação deles por aqui. Os primeiros cinco anos foram de muitas transformações. Nesses dois últimos, veio a pandemia, que foi a manutenção dos atendimentos. E aí veio um desgaste muito grande, de pessoas que polarizaram situações. Hoje, nós temos dentro da Igreja grupos radicais, que parecem seitas dentro da própria instituição e que estão querendo voltar ao passado, que se acham no direito de julgar, discriminar. Que pensam que já estão no céu e isso me machucou muito. Nesses dois últimos anos. A Igreja tem um caminho de ir ao encontro e é totalmente ao contrário do que essas pessoas querem. Diante disso, acho que foi até por isso que Nossa Senhora me resgatou.
Mas, eu amo muito esse povo. Foi uma comunidade que eu senti muita generosidade, acolhimento. Aqui eu pude amadurecer muito.
JS – É comum quando um padre permanece por algum tempo na paróquia e acaba deixando alguns “órfãos”. O senhor está sentido isso nesses últimos dias por aqui?
Padre Ricardo – Eu fiquei impressionado. Na sexta-feira, quando saiu a informação sobre a nomeação, eu estava reunido com o Colégio Medianeira, e quando a irmã Isaura deu a notícia, eu ouvi o choro de algumas pessoas. Eu não tinha noção de quanto eu sou amado nessa cidade. O sentimento das irmãs, dos colaboradores. Eu não tinha noção de quanto eu era amado. Sempre fui muito focado na gestão, organização e não conseguia tempo para sentir isso. Vou levar na minha bagagem um afeto muito grande.
JS – Como foi receber a notícia da transferência?
Padre Ricardo – O primeiro contato sobre a possibilidade foi no dia 19 de novembro, quando Dom José Gislon me fez o convite. Eu fiquei apreensivo, sem saber o que dizer. Mas, a gente está a serviço da Igreja, da Diocese e eu lhe devo obediência. Uma vez que eu tomei a decisão de ser padre, de continuar com o sacerdócio, onde o senhor achar que eu deva ir, eu vou estar à disposição. É um trabalho que ainda não tenho ideia da magnitude pois, o santuário de Caravaggio foge da região, das nossas mãos. Onde todas as pessoas gostam de ir e tem um sentimento especial. Dias depois, o bispo me ligou perguntando se eu gostaria de uma reunião para discutir sobre e eu disse: olha, se for para dar uma resposta, eu lhe dou o sim, sem problema. Fiquei muito apreensivo até sair a nomeação oficial, justamente no dia 26, dia votivo de Nossa Senhora de Caravaggio, às 17h, justamente no horário em que ela apareceu. Tenho certeza que ela me acompanha, me pega no colo e me leva para essa missão. Dou esse testemunho que, quando Nossa Senhora quer algo, a gente não consegue fugir dela.
JS – O que o senhor espera encontrar no Santuário Diocesano? O que entende que seja seu maior desafio nesta nova missão e como deve encará-lo?
Padre Ricardo – Assim que a nomeação saiu, os padres e o bispo emérito, Dom Alessandro, que residem em Caravaggio foram muito acolhedores. Então, isso já é um bom sinal, principalmente com as pessoas que vão estar morando junto com você, trabalhando.
Como Caravaggio é um ponto de convergência de muitas pessoas e setores, o desafio maior é tentar ter a habilidade de orquestrar e harmonizar as pessoas que estão lá vivendo e se doando. Temos uma história de mais de 140 anos e que precisa ser respeitada. Há pessoas e equipes que lá estão trabalhando. Além disso, milhares de pessoas vão até lá buscar um apoio, uma palavra, enfim, acolhimento, amparo.
JS – O senhor tem algum projeto pessoal que gostaria de desenvolver na paróquia?
Padre Ricardo – Meu desejo sempre é ser um bom padre. Atender e ouvir as pessoas. Mais do que reformar espaços é tentar reformar o coração das pessoas. Depois, alguns projetos estruturais existentes por lá e que vou tomar conhecimento para ver o que deve ser feito a nível de gestão.
JS – O senhor sente medo do que está por vir?
Padre Ricardo – Estou em paz. Saio daqui tranquilo, com o sentimento de missão cumprida. De ter dado o melhor, junto com tantas pessoas. Só fico imaginando que vou encontrar aquele local de silêncio, diferente da área central de Bento Gonçalves, que é muito agitada. Parece que lá eu vou poder, durante a semana, à noite, poder dormir bem, sem barulhos. Como padre, eu gosto desse olhar contemplativo com a natureza e me parece que lá eu vou ter isso. Viver um pouco mais a contemplação.
JS – Do que o senhor vai sentir mais falta daqui de Bento Gonçalves?
Padre Ricardo – Do amor e do cuidado das pessoas. Eu recebi muito afeto, generosidade. Sempre que a gente precisou, propomos algum projeto, a comunidade veio, aderiu alegremente ajudar a servir o santuário e as comunidades. Esse fervor, devoção à Santo Antônio eu vou levar pro resto da minha vida.
JS – Qual sua avaliação, considerando a fé cristã, para este cenário de pandemia que estamos atravessando?
Padre Ricardo – A pandemia revelou o coração das pessoas. Tem aqueles que não conseguem confrontar os problemas. A perversidade continua sendo escondida, mesmo na vida de fé e isso é muito triste. Por outro lado, vi que as pessoas do bem, são despojadas. Exemplo disso é a Casa Pão dos Pobres, junto com as Irmãs Pastorinhas, não parou nenhum dia em atender. Pessoas que compreenderam que a igreja tinha que estar fechada por motivos da pandemia. Essas pessoas, mais simples, nunca se queixaram pelo motivo da igreja estar fechada. Mas, justamente, as pessoas que se achavam prontas, aquelas que são presunçosas, foram as que mais criticaram, foram se revelando.
JS – Padre Ricardo pode vir a se tornar bispo?
Padre Ricardo – Olha, eu prefiro não pensar nisso. Aquilo que a Igreja pedir, eu vou estar à disposição. Mas, ser chamado a ser sucessor dos apóstolos é um chamado de Jesus. Se Ele quiser, eu vou querer também. Mas, hoje, pelo meu estilo de ser, de pensar, eu não me vejo no perfil de bispo. Já sinto dificuldade em ser padre. Não sei se me adaptaria a esse estilo. Essa nomeação não tem nenhuma forma de ascensão. É um serviço que surgiu dentro das necessidades da Igreja. A pessoa que pensa em querer ser bispo não tem a real noção da responsabilidade que esse cargo envolve. Não sei se estaria preparado para tal desafio.
JS – Qual mensagem o senhor gostaria de deixar aos paroquianos?
Padre Ricardo – Gratidão. Porque, quando Jesus curou 10 leprosos, apenas um voltou para agradecer. Esse sentimento, eu não posso deixar de ter para cada um dos cidadãos de Bento Gonçalves, dos devotos e peregrinos de Santo Antônio e das instituições. Todas as pessoas que vieram a essa cidade e tiveram um contato conosco. Levarei cada um de vocês no coração. É com esse sentimento que eu saio daqui. Agradeço a Deus e a esse povo maravilho que me ajudaram a progredir no caminho espiritual, intelectual e, sobretudo, no caminho humano.