Calma, eu tenho sim. Eu tenho Pix porque, na modernidade, no meu emprego, na rede em que convivo, viveria em uma bolha caso não tivesse. As pessoas me olhariam e, facilmente, perguntariam: – Como assim você não tem Pix? Mas vou trazer aqui alguns riscos de se ter Pix na sociedade atual e não são nem os casos de fraude a que estamos submetidos.

Não ter Pix significa perder o tempo indo ao banco, falando com a atendente, retirar dinheiro e dar valor a cada nota que sai do seu bolso; depois, ir na loja pessoalmente pagar o carnê e já olhar umas coisinhas que talvez estaria precisando. Conversar com a vendedora, pedir como estão as vendas, negociar um desconto, falar da vida. Na rua, quem sabe, você veria um conhecido, esbarraria em um affair, cruzaria por um inimigo, veria uma criança em situação de rua pedindo moedas e teria a oportunidade de ajudar, teria o prazer de ver as atualizações da cidade, acompanharia as mudanças da natureza através das estação do ano, olharia as ofertas que rodeiam o Centro da cidade.

Ter Pix significa que não preciso sair de onde estou, falo com um atendente pelo celular, peço o valor, faço um Pix e acabou o assunto. Ela agradece, eu mando uma figurinha. Ninguém vai olhar pra mim e me achar bonito, ninguém vai pedir como estou, nem sequer, muitas vezes, sabem com quem estão falando. Só pelo Pix. E todos saem satisfeitos. Eu porque paguei e não comprei mais nada. A pessoa porque recebeu. Mas só. Sem interação. Sem conversa. Fim de papo. Embora muitos vão dizer que isso é progresso, em muitos casos eu prefiro viver no retrocesso e continuar a vida que tinha há alguns anos. Sei que não é mais possível, mas a modernidade trouxe mais regresso que avanço em alguns casos. O consumismo desenfreado, a poluição, as redes sociais, a individualização, o Pix. Antigamente, na casa da minha vó, os amigos do meu irmão e, mais tarde, os meus, se reuniam embaixo de um pinheiro, sentados em um muro, todos os finais de tarde ou fins de semana para falar da vida, rir, trocar risadas, beber. Começou com três, quatro, chegou uma vez que tinham mais de vinte. Era uma comunidade de jovens vivendo a vida despretensiosamente. Com o tempo, o pinheiro caiu, o celular surgiu, as pessoas se mudaram, casaram, ninguém mais teve tempo, surgiram, então, os grupos de Whats App em que, volta e meia, alguém dá um “oi”, sugere uma janta e a resposta é sempre a mesma: ninguém mais pode! “Eu tenho academia, eu trabalho, tenho filho, tenho futebol”, um deixa no vácuo, outro sai do grupo. É bem diferente!

Entendem como o Pix é uma das modernidades que trouxe prejuízo? E a interação? E a negociação? Basta um clique e tudo foi pago, não tem mais pechincha, não é preciso ir à loja, sequer conversar com alguém. Pagamento aprovado, encaminha o comprovante e pronto. Sou cliente de alguns lugares que nem sabem que eu existo.

Às vezes dá saudade e vontade de voltar no tempo. Sentar no muro da minha avó, todo sábado, pra jogar conversa fora, ver a rua, opinar sobre algo que se vê, encontrar os amigos, ver os affairs na rua, alguns inimigos, mas estar lá mesmo sem ter Whats App pra combinar a hora. Todos estavam presentes. Sem desculpa. Essa era a evolução de que eu precisava.