Entre 2014 e 2017, 13 agrotóxicos foram detectados na água de Bento Gonçalves, 11 deles considerados altamente ou extremamente tóxicos pela Pesticide Action Network (PAN), grupo que reúne centenas de organizações não governamentais mundiais que trabalham para monitorar os efeitos dos agrotóxicos. O levantamento, feito de forma conjunta pelo Repórter Brasil, Agência Pública e pela organização suíça Public Eye, por meio de informações públicas do Ministério da Saúde, alerta ainda para o fato de que quatro deles (carbendazim, diuron, mancozebe, DDT) estão associados a doenças crônicas como câncer, defeitos congênitos e distúrbios endócrinos.
Entre os 1.133 estabelecimentos agropecuários listados pelo IBGE na cidade, 1060 utilizam agrotóxicos em suas plantações. Enquanto para os ambientalistas, os números soam alarmantes e revelam a necessidade de conscientizar a população acerca dos químicos presentes em nossa água e em nossos alimentos, para técnicos e representantes de classe, a presença marcante do uso de fungicidas e pesticidas por grande parte dos produtores locais se faz necessária para garantir a produção em uma região marcada por intempéries climáticas e pela proliferação de pragas.
Segundo o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Bento Gonçalves, Cedenir Postal, o uso de agrotóxicos é necessário para garantir a produção e sustento dos agricultores. “Às vezes não precisa aplicar tanto, mas sem aplicar não tem como produzir. Somos um dos países que mais usa agrotóxicos no mundo, mas é em função do nosso clima, não temos as barreiras naturais de países da Europa, onde a neve, por exemplo, quebra o ciclo de pragas. Aqui é diferente, chove muito, impossível não usar”, frisa.
Acerca dos químicos encontrados na água de Bento, Postal reconhece pelo menos um deles como de uso comum pelos agricultores locais: o mancozebe. Classificado como altamente perigoso pela PAN e como provável cancerígeno pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA), o fungicida foi encontrado na água de 91% dos municípios brasileiros. Em Bento, de acordo com Postal, ele é utilizado em larga escala nas parreiras. “Ele é um dos produtos mais usados na videira, tem um registro para uma infinidade de culturas”, assinala. Postal ameniza ainda o perigo desse e dos outros agrotóxicos listados pela Agência Pública na cidade. “O que muda de ser perigoso ou não é a quantidade da dose e o respeito ao tempo de carência. Nenhum pesticida é liberado sem estudo, o maior problema é saber aplicar corretamente”, pontua.
Infelizmente o orgânico é caro em nosso país. E esse problema atinge, principalmente, a população de baixa renda, que precisa comprar alimentos mais baratos, mas depois gastar com remédio. Isso é o fim. (Gilnei Rigotto)
A opinião é compartilhada também pelo especialista em toxicologia, Claut Goellner. Segundo ele os produtos apontados como cancerígenos como carbendazim, diuron, mancozebe, não são perigosos nas doses apresentadas em nossa água. “Nenhum deles é problema, ainda mais nas quantidades encontradas. O efeito tóxico depende da concentração. O mancozebe, diuron e carbendazim são produtos com mais de 50 anos de mercado, usados em muitos lugares do mundo”, assinala.
Em contraponto, o secretário-geral da Associação Ativista Ecológica (Aaeco), Gilnei Rigotto, acredita que a presença desses agentes químicos deve ser vista com preocupação. “Se o produtor estiver com seu equipamento de segurança pode aplicar o quanto quiser de agrotóxico que não terá nenhum problema, mas nós que bebemos a água e nos alimentamos de produtos contaminados, não sabemos o efeito acumulativo desses venenos em nosso organismo”, protesta. Segundo ele, os números ainda revelam a ineficiência dos órgãos de fiscalização, bem como a falta de incentivo à produção orgânica. “Tem que fiscalizar toda a cadeia produtiva, desde as empresas que vendem esses produtos até quem os aplica. É um risco iminente”, conclui.
Opinião compartilhada também pela professora e coordenadora do Núcleo de Inovação e Desenvolvimento em Agricultura Sustentável da UCS, Valdirene Camatti Sartori, que acredita que as amostras de produtos sanitários encontrados na água são prova do uso excessivo de agrotóxicos nas lavouras. “Não só nos alimentos, na água para consumo humano encontramos uma série de substâncias que tem alterado todo nosso metabolismo. O agricultor precisa produzir e sustentar sua família, quem vende esses produtos necessita da comissão, mas no fim, quem lucra com isso são as grandes indústrias e grandes empresários”, opina.
Corsan garante qualidade da água
Para além da presença do coquetel de agrotóxicos encontrados nas águas do Brasil, outro problema elencado pelo estudo da Agência Pública foi a falta de monitoramento. Mais de 52% das cidades não haviam realizado testes na água entre 2014 e 2017. Em nota, a Diretoria Estadual da Corsan, empresa responsável pelo abastecimento de água em Bento, assinalou que faz acompanhamentos constantes, afirmando ainda que os números levantados pelo estudo são referentes à água bruta, ainda não tratada. “Sempre que detectado algum agrotóxico na água bruta, realizamos o ensaio na água tratada correspondente e não temos histórico de quantificações de agrotóxicos em água tratada dos sistemas que operamos”, afirma.
A Corsan assinalou ainda, que os limites de detecção e de quantificação dos métodos apresentados pelas cidades atendidas pela empresa, estão abaixo dos valores máximos permitidos definidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS). A informação vai de encontro ao levantado pela Agência Pública, que pontua que nenhum dos 13 componentes encontrados na água em Bento está acima do permitido pela legislação.
Os mais perigosos
De acordo com o levantamento da Agência Pública, entre os 13 agrotóxicos encontrados nas amostras de água do município, quatro são associados a doenças crônicas:
. Carbendazim: Considerado pela União Europeia como provável causador de problemas mutagênicos;
. DDT: Estudos da Agência Internacional de Pesquisa em Câncer, o associaram ao ao câncer testicular e câncer de fígado;
. Diuron: Classificado como “reconhecidamente cancerígeno” pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA);
. Mancozebe: Assinalado pela EPA como provável cancerígeno.
Chama a atenção ainda, o fato de que cinco dos elementos detectados são proibidos no Brasil: parationa, metamidifós, carbufurano, aldicarbe e o DDT.