Então o cara leu a mensagem de sua companheira, que pedia a ele que fosse levar “requeijão” pra certo escritório. Mas antes deveria passar numa clínica e solicitar às moças “dá frente”…
Putz! Será que a guria estava querendo pular a fila da vacinação tentando comprar o pessoal com produtos lácteos e com insinuações maliciosas? Se fosse, a propina estava caindo na bolsa. Mas, como ele não era um duplo cego, resolveu agir, digitando rapidinho, sem pontuação, como era de praxe. Afinal, tempo não se gasta inutilmente:
“Amiga explica”
A reação dela foi imediata e contundente:
“AMIGA??? Desde quando???.”
Não estava entendendo mais nada… Bom, quase nada, já que os três pontos de interrogação valiam como um semáforo. Por isso ele recuou para ouvir o apito do trem, forte e inequívoco. Depois, o cara recolheu seus brios e tentou se impor, usando a estratégia da letra maiúscula:
“AMOR”
Ia digitar mais alguma coisa, mas foi interrompido pela chegada instantânea da raiva dela:
“ENTÃO AGORA VOLTEI A SER TEU AMOR?”
Menos mal que o sinal abrira… E ele arriscou:
“Querida, discutir a relação numa hora dessas é Rose, né?”
Uau! A suspeita demorou alguns segundos antes de chegar até ele, estranhamente contida, tipo uma marolinha:
“Quem é Rose?”
“O quê???” – O sinal de “pare, olhe e ouça” era dele agora.
Um silêncio aterrador no outro lado da linha. Depois de um tempo que lhe pareceu sólido como uma pedra, a risada dela, líquida e cristalina, rompeu as barreiras com o famoso “KKK”, acompanhado de três macaquinhos. Ele suspirou fundo.
“Decifrei o enigma. O problema são teus dedões, que pegam mais que uma letra por vez. Aí o corretor ortográfico reage de acordo com o que lhe der na telha. Daqui em diante, só áudios, credo, opa, “querido”.
Mas ela repensou…E ele também… Ruídos estranhos na gravação poderiam pegar mal. Como explicar, por exemplo, zoeira com música ao fundo? Ou conversas paralelas com o tinir de copos? Ou ecos de azulejos? Ou… pois é! Nunca se sabe o que o futuro guarda em sua caixinha de surpresas…
Ambos repensaram. E entenderam que desabilitar o robozinho enxerido da correção era muito mais do que confiar no próprio desempenho linguístico… Aquilo poderia suscitar narrativas insustentáveis. Que se danasse! Melhor não mexer em time que estava empatando.