Então o joelho resolveu cobrar o preço. Dívida antiga, sabe como é, sempre empurrada com a barriga. Na verdade, sempre, não! Neste período pandêmico, resolvi assumir minha responsabilidade ante o Universo. Mas décadas de negligência foram acumulando o passivo numa equação matemática exponencial – quando as dobradiças, terrivelmente enferrujadas, começaram a ranger, eis que o dano já estava feito. Com a articulação comprometida, passei a pesquisar o assunto, afinal, de médico e de louco, todo mundo tem um pouco. E – adivinhem – fiquei na mira dos algoritmos, que são espiões tecnológicos que fazem um dossiê da tua vida e, a partir daí, tua privacidade já era.
Acho que começou com eles me oferecendo cookies, que aceitei, é claro. Não se desdenham biscoitos importados. Mais tarde, descobri que não eram feitos de chocolate com amêndoas.
Apesar de alguma dose de boas intenções na receita dos cookies – que agem como farol pra facilitar a navegação pelas ondas da Internet – o rastreamento de nossas buscas fornece a eles tanta munição que, a partir disso, somos bombardeados com propostas mirabolantes e solução para tudo. De dores a amores.
A guerra de ofertas se encarnou em mim invadindo todas as páginas que eu abria, feito flashes, alguns instantâneos, outros em forma de vídeos, tão longos que daria pra ir até o mercado e voltar. A cada flash, surgia nova tecnologia em joalheira magnetizada, ortopédica, com infravermelho, com absorção de impacto, com sistemas de compressão sofisticados, com forro de silicone massageador, com travas para limitação de movimento… Como se eu já não estivesse bem limitada. O bom é que todas prometiam “abraçar o joelho”. Nesta carência de abraços, até que gostei da ideia.
Aí foram chegando complexos vitamínicos das mais variadas searas, pílulas mágicas que regeneram a cartilagem, suplementos totalmente naturais, adesivos revolucionários e – pasmem – uma receita chinesa que destrói pra reconstruir, cuja eficácia é comprovada cientificamente. Mas não é só! Agora mesmo recebi a imagem de um suco chinês – a China se superando – que limpa juntas e ligamentos danificados em quatro dias. E um aparelho que pulsa fazendo a dor disparar campo a fora como se fosse o Lázaro fugindo da polícia.
Desculpe, Dr. Somavilla, mas se o senhor não deixar meu joelho novinho em folha, vou ter de optar pelas ofertas do Dr. Google, que me permitirão disputar as Olimpíadas do Japão, em julho próximo.