Até 2050, metade da população mundial poderá ser míope. O uso prolongado de celulares, tablets e computadores contribui para esse cenário, a oftalmologista Dra. Camila Severa, alerta para os riscos e a importância de cuidados desde a infância

O uso prolongado de celulares, tablets e computadores pode causar diversos prejuízos à saúde ocular em todas as idades, com impactos ainda mais preocupantes entre crianças e adolescentes. A oftalmologista Dra. Camila Severa, do Tacchimed, chama a atenção para os riscos crescentes e reforça a importância de hábitos saudáveis desde a infância. “O contato intenso e contínuo com dispositivos digitais tende a gerar fadiga ocular, olhos secos, dores de cabeça e problemas de foco. Em crianças e adolescentes, o tempo prolongado em frente a telas pode prejudicar o desenvolvimento visual e contribuir para o aumento da miopia”, afirma.

Dra. Camila Severa

A miopia, condição em que a visão para longe fica embaçada, está diretamente relacionada ao excesso de atividades em que a visão próxima é mais intensa, como leitura e uso de dispositivos digitais. Estudos internacionais estimam que até 2050, metade da população mundial será míope, conforme a Organização Mundial da Saúde e o Instituto Brien Holden Vision. “Existem evidências que associam o aumento dos casos de miopia a longos períodos de tempo em atividades que exigem visão para perto, como o uso de telas. A falta de exposição à luz natural e às atividades ao ar livre também são fatores relacionados”, explica. “É como se o organismo entendesse que, como a criança vive em um ambiente fechado, sem se expor à luz natural, não precisa enxergar longe. Seu mundo está restrito ao perto e o olho acaba se adaptando a essa situação, ou seja, fica míope”, destaca.

Sinais de alerta

Alguns sintomas podem indicar que a saúde ocular já está sendo afetada. Entre os sinais mais comuns estão olhos vermelhos, secura ou lacrimejamento excessivo, queixas de visão embaçada, dores de cabeça frequentes e dificuldade para focar. “Se a criança se aproxima muito dos objetos para enxergar, tropeça com facilidade ou tem dificuldades de aprendizado, é essencial realizar uma avaliação oftalmológica”, recomenda a médica.

Limites de uso por idade

A Dra. Camila orienta os pais a seguirem as diretrizes da Sociedade Brasileira de Oftalmologia Pediátrica quanto ao tempo seguro de exposição às telas:

Menores de 2 anos: o ideal é evitar completamente o uso de telas. “Nessa fase, a interação com o mundo real e com outras pessoas é essencial para o desenvolvimento”, indica;

Dos 2 aos 5 anos: o tempo de tela deve ser limitado a no máximo uma hora por dia, sempre com supervisão e com conteúdo educativo;

A partir dos 6 anos: é importante estabelecer limites consistentes. “O tempo diante das telas nunca deve substituir o sono, a atividade física ou outras atividades fundamentais para a saúde”, orienta.

Sol, dopamina e prevenção da miopia

O tempo ao ar livre é um dos maiores aliados da saúde ocular. A exposição à luz solar estimula a produção de dopamina, neurotransmissor que ajuda a controlar o crescimento do olho e, com isso, previne a progressão da miopia. “Quando as crianças passam muito tempo ao ar livre, a dopamina ajuda a manter o crescimento saudável do globo ocular. Se o olho cresce demais, a visão para longe se torna prejudicada. Por isso, brincar fora de casa não só é saudável de várias formas, mas também protege contra a miopia”, explica a oftalmologista.

A recomendação é que crianças e adolescentes tenham pelo menos duas horas diárias, ou 14 horas semanais, de exposição à luz solar.

Pausas regulares e supervisão

Outro cuidado importante é evitar longos períodos contínuos diante das telas. A especialista reforça a chamada regra 20-20-20: “A cada 20 minutos, a criança deve olhar para algo a cerca de 6 metros de distância por pelo menos 20 segundos. Isso ajuda a descansar os olhos e prevenir a fadiga visual”, diz.
Além disso, os pais devem supervisionar o conteúdo acessado, manter diálogo constante com os filhos e incentivar atividades que não envolvam telas no tempo livre.

Efeitos entre os adultos

Os problemas também são frequentes entre adultos, especialmente em quem trabalha em frente ao computador. A chamada “síndrome da visão de computador” é comum e inclui sintomas como visão turva, ressecamento ocular, dores de cabeça e cansaço visual. “Ela pode ser prevenida com a mesma regra, ajustes ergonômicos no ambiente de trabalho e o uso de colírios lubrificantes. O uso de óculos com filtro de luz azul também pode oferecer mais conforto em algumas situações”, orienta Camila.

Recomendações por faixa etária

A oftalmologista reforça que a prevenção deve acompanhar as diferentes fases da vida:

Crianças: limitar o tempo de tela e promover o contato com a luz natural por meio de brincadeiras ao ar livre.

Adolescentes: estabelecer rotinas com pausas regulares, boa postura e equilíbrio entre as atividades.

Adultos e idosos: adotar a regra 20-20-20, ajustar a iluminação e a ergonomia no ambiente de trabalho, além de acompanhar possíveis doenças preexistentes com um oftalmologista. “A tecnologia faz parte da vida moderna e não precisa ser vilã. Mas o equilíbrio e o cuidado com os olhos desde a infância são essenciais para evitar problemas sérios no futuro”, conclui.

Políticas públicas reforçam os alertas: manual nacional orienta uso saudável de telas

Com o avanço das tecnologias digitais e o uso cada vez mais precoce de celulares e tablets por crianças e adolescentes, o Governo Federal disponibilizou o guia Crianças, Adolescentes e Telas: uso de dispositivos digitais, um documento técnico e educativo que reúne orientações baseadas em evidências científicas para promover o uso equilibrado das telas durante a infância e adolescência.

O material, acessível gratuitamente no site do Ministério da Saúde e em formato inclusivo, é direcionado a pais, responsáveis, educadores, profissionais de saúde, formuladores de políticas públicas e até ao setor privado. A proposta é ajudar a sociedade a lidar com os desafios contemporâneos trazidos pela presença constante de telas no cotidiano infantojuvenil, sem desconsiderar os potenciais benefícios que o uso consciente pode trazer.

O que diz o guia

O conteúdo parte de uma premissa clara: o tempo excessivo em frente às telas pode comprometer o desenvolvimento físico, emocional, social e cognitivo das crianças. Com base em mais de 300 referências científicas nacionais e internacionais, o documento detalha recomendações por faixa etária:

Até 2 anos: Evitar totalmente o uso de telas, salvo em videochamadas supervisionadas.

De 2 a 5 anos: Uso limitado a, no máximo, 1 hora por dia, sempre com supervisão e voltado para conteúdos de qualidade.

De 6 a 10 anos: Reforça-se o limite de tempo, com ênfase no equilíbrio entre telas e atividades físicas, sono adequado e interação social.

De 11 a 18 anos: O uso deve ocorrer de forma crítica e com autonomia progressiva, mas sempre com diálogo e acompanhamento dos responsáveis.

O guia também recomenda que crianças até 12 anos não tenham celulares próprios, por não estarem plenamente desenvolvidas para lidar com riscos como desinformação, violência digital, publicidade abusiva e coleta indevida de dados.

Impactos do uso excessivo de telas

O material destaca que o uso não supervisionado e prolongado pode causar uma série de efeitos adversos, como problemas de sono, sedentarismo, déficit de atenção, irritabilidade, ansiedade, depressão, entre outros. Também chama atenção para o impacto das telas na qualidade dos vínculos familiares e no rendimento escolar.

Além disso, o guia traz um capítulo específico sobre direitos digitais, que aborda temas como privacidade, uso de dados, cyberbullying, discurso de ódio e os impactos da inteligência artificial na infância. Outro ponto importante é a ênfase na inclusão digital de crianças com deficiência, defendendo o uso de tecnologias como ferramenta de autonomia, comunicação e aprendizado.

Recomendações para diferentes setores

Famílias: Estabelecer rotinas, dialogar sobre os conteúdos acessados, evitar uso de telas durante refeições e perto da hora de dormir.

Escolas: Usar recursos digitais com intencionalidade pedagógica e evitar a banalização do uso de celulares em sala de aula.

Empresas de tecnologia: Desenvolver produtos e serviços digitais que respeitem a idade, a privacidade e os direitos da criança.

Gestores públicos: Formular e implementar políticas de proteção digital alinhadas ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e às resoluções do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda).

Um guia vivo e participativo

O desenvolvimento do documento foi liderado por um grupo interministerial com apoio de organismos como a Unesco, o Instituto Alana, o Instituto Veredas, o Conselho Federal de Psicologia, entre outros. Foram consideradas escutas com crianças de diferentes regiões do país, além de consultas públicas com especialistas e organizações da sociedade civil.

O governo afirma que o guia será um instrumento “vivo”, passível de atualizações periódicas conforme novas evidências científicas surjam e o cenário digital evolua.

Onde acessar

O Guia Crianças, Adolescentes e Telas está disponível gratuitamente em versões digital, acessível e impressa, no portal da Secretaria de Comunicação da Presidência da República (www.gov.br/secom) e nos sites dos ministérios envolvidos.