Feitas com materiais de construção, as cincos peças do novo projeto de Aido Dal Mass serão instaladas na Linha São Pedro
No mundo das artes, catarse é o termo que expressa a liberação da tensão emocional que provoca fortes emoções. Se a palavra aparece, pioneiramente, nos estudos de Aristóteles sobre o sentimento provocado no público diante da visualização de uma obra, tratando-se do escultor Aido Dal Mass, 62, ela também está presente no processo de criação.
No quintal da sua casa e atelier, na rua Humaitá, no bairro homônimo da cidade, o artista plástico utiliza uma barra de ferro para golpear folhas de zinco, que ganham contornos e forma de escultura a cada impacto. “Trabalho em cima da hora, numa maneira geométrica abstrata. Tudo se manifesta no momento, depois só vou dando uns acertos nelas, fazendo os detalhes com martelo e alicate”, comenta.
“Ameaça ao futuro da nossa paisagem rural”
Assim foi nomeado o novo projeto de Dal Mass, contemplado pelo Fundo Municipal de Cultura e com patrocínio do Hotel Dall’ Onder, lançado oficialmente no atelier do artista no dia 29 de dezembro do último ano. No total, são cinco esculturas inspiradas na vida no campo, sendo dois móbiles (esculturas dotadas de movimento), e três stábiles (esculturas sólidas e fixas) de aproximadamente 2 m de altura cada.
Em fase de acabamento, as obras que levaram oito meses para ganharem forma, devem ser instaladas em fevereiro no distrito de São Pedro. “Vai ter uma na Casa da Erva Mate, um no Moinho Bertarello, e as outras vão ser distribuídas ao longo da via”, adianta.
Conta ainda, que embora não haja certeza quanto a logística de transporte e instalação das esculturas, as bases também já estão prontas, e complementarão a obra. “A base já foi trabalhada. Será cimentada, mas em cima dela vão ser colocados azulejos antigos, feitos ali mesmo em São Pedro. Vai chamar a atenção!”, projeta.
Sobre a criação e seu significado
“Eu nasci como surrealista, sou um homem surrealista”, exclama Dal Mass sobre a forma de suas obras. Embora no projeto “Ameaça ao futuro da nossa paisagem”, as esculturas representem cenas da vida do campo, como um pastor e suas ovelhas, um homem trabalhando no moinho, e um “nono’ em sua cadeira, os traços são quase abstratos, dando ao espectador a tarefa de interpretar-los. “Na arte há a questão da simetria e da estética, aqui estamos no meio, quase como abstrato. Mantenho a obra sem formas definidas, mas quem vê compreende a estética dela e ai se procura seu valor”, explica.
É a rapaziada que passa aí na calçada e se debruça no muro para conversar que faz o meu dia.
Dessa forma, cada pessoa pode interpretar a forma segundo seu próprio modo de direcionar o olhar. “Conforme muda a luz, a escultura muda também. Tem gente que vê coisa que nem eu mesmo vejo”, brinca.
O artista revela que sempre foi “eclético”, adjetivo que vai de encontro as matérias-primas que já utilizou em mais de quatro décadas de atividade, como ferro, madeira, pedra, argila, entre outros. A ideia segundo ele é “não se prender”, “desconstruir paradigmas”, e mostrar o “valor de todos os objetos”. E tudo isso é expressado nas escolhas de material para sua última obra, como zinco, pregos, cepos de eucalipto e arames para as “costuras”. “Escolhi matérias de construção pois queria criar algo nobre a partir de um material comum. As pessoas relacionam escultura com bronze, com mármore, mas toda matéria tem seu valor”, explana.
A escolha incomum por elementos encontrados em canteiros de obras, já lhe rendeu boas histórias, antes mesmo da exposição do projeto. “É a rapaziada que passa aí na calçada e se debruça no muro para conversar que faz o meu dia.Tem os peões ali debaixo que passaram aqui e me perguntaram se estava vendendo zinco, se podia dar umas folhas para eles usarem nas casas. Achei isso fantástico!”, conta em tom humorado.
A ideia é celebrar o imigrante, homem do interior, sua cultura e seus costumes.
O conjunto da escolha desses elementos e o formato indefinido da obra, segundo o artista, se traduzem, segundo Dal Mass, no que ele chama de “desconstrutivismo”, movimento artístico que, entre outras coisas, preza pela não linearidade das linhas, pela inconformidade com formalismos e regras acerca da forma e da matéria-prima.
Temas comuns em sua larga carreira, a vida campestre e a imigração italiana, foram também escolhidos para as esculturas que irão embelezar a paisagem de São Pedro. “A ideia é celebrar o imigrante, homem do interior, sua cultura e seus costumes. É valorizar o ser humano, reconhecer que sem eles nada disso aqui ia existir, nem comer iríamos”, destaca.
Fotos: Fábio Becker