Enfermidade está presente na população mais jovem, entre 20 e 50 anos, e exige um diagnóstico precoce; saiba o que é e como identificar os sintomas
A esclerose múltipla (EM) é uma doença neurológica complexa e crônica que afeta o sistema imunológico, causando danos à substância branca e cinzenta do Sistema Nervoso Central (SNC). No Brasil a doença afeta cerca de 40 mil pessoas, segundo a Associação Brasileira de Esclerose Múltipla (Abem). O neurologista Ricardo Eli Matias explica, “a esclerose múltipla é uma condição inflamatória e desmielinizante que envolve fatores genéticos e ambientais, e se manifesta de diversas formas”, diz. Embora a causa exata da doença ainda não seja completamente compreendida, estudos indicam que suas interações podem estar ligadas a uma combinação de predisposição genética e fatores externos.
Tipos de Esclerose Múltipla
A EM pode se manifestar de diferentes maneiras, sendo dividida em quatro tipos principais. O mais comum é a Remitente-Recorrente (EMRR), que, conforme explica Matias, “é caracterizada por episódios agudos de piora neurológica, seguidos de recuperação total ou parcial”. A Secundária Progressiva (EMSP) ocorre quando a doença progride após um curso inicial de EMRR. Outro tipo é a Primária Progressiva (EMPP), que se caracteriza pelo agravamento contínuo da função neurológica desde o início. Por fim, a Síndrome Clinicamente Isolada (CIS) é a primeira manifestação clínica, que pode ou não evoluir para um diagnóstico completo de esclerose múltipla.
Primeiros sinais
O diagnóstico precoce é crucial para o tratamento da esclerose múltipla, já que a doença pode se manifestar de forma sutil. Entre os primeiros sinais, estão problemas visuais, perda de força nos membros, e alterações na coordenação e no equilíbrio. “A neurite óptica e a perda de sensibilidade nos membros são sintomas comuns e, muitas vezes, os pacientes demoram a procurar assistência médica, subestimando os sinais iniciais”, observa o médico.
O diagnóstico é realizado com base em dois ou mais episódios clínicos distintos, separados por pelo menos um mês, associados a exames complementares, como a ressonância magnética (RM), que auxilia na detecção das lesões típicas da EM.
Tratamento e acompanhamento
O tratamento da esclerose múltipla tem como objetivo principal a redução dos surtos e a progressão da doença. “Os corticoides são usados para tratar os surtos agudos, e as terapias modificadoras do curso da doença (MMCD) ajudam a reduzir a inflamação e a resposta imunológica”, explica o neurologista. Essas terapias incluem imunomoduladores e anticorpos monoclonais, que visam atenuar a resposta do sistema imunológico.
Matias ressalta que os avanços médicos têm permitido maior controle da progressão da doença. “O diagnóstico e o tratamento precoces podem evitar lesões mais graves e proporcionar uma qualidade de vida significativamente melhor ao paciente”, afirma. No entanto, ele destaca que o acesso a essas medicações, que ainda são de alto custo, é um desafio no Brasil, sendo necessária a liberação pelo Governo Federal.
As complicações da esclerose múltipla podem variar de sintomas leves a deficiências severas, como paraplegia e perda da visão. “O que evita complicações a longo prazo é o diagnóstico inicial precoce e o uso das medicações que modificam o curso da doença”, enfatiza. Ele também reforça a importância do acompanhamento regular com um neurologista: “Esse acompanhamento permite monitorar a progressão da doença e ajustar o tratamento de forma ágil, especialmente em casos de surtos”, destaca.
Embora a esclerose múltipla não tenha cura, manter um estilo de vida saudável pode ajudar a controlar os surtos. “Qualidade de vida é essencial, e isso inclui alimentação equilibrada, prática de atividade física, sono adequado e controle emocional”, orienta. Além disso, o apoio psicológico desempenha um papel fundamental no tratamento. “Os pacientes que aceitam a doença e buscam apoio, tanto familiar quanto profissional, geralmente têm um prognóstico melhor”, conclui.
Superação Diária
Franciele dos Santos, de 42 anos, compartilha com sensibilidade sua jornada com a Esclerose Múltipla Remitente Recorrente (EMRR), uma doença que alterou profundamente sua vida, mas não sua determinação de viver com qualidade. “Meus primeiros sintomas foram formigamento, perda de força e uma fadiga indescritível, mas eu não imaginava que fosse algo tão sério”, relembra. Foi em um check-up de rotina que, ao realizar uma ressonância magnética, surgiram as primeiras evidências da desmielinização. “O ortopedista disse que era uma lesão por trauma, o que acabou atrasando o diagnóstico. Isso me faz pensar na dificuldade que muitos de nós enfrentamos quando médicos não interpretam os exames com o cuidado necessário”, desabafa. Franciele só descobriu a verdade graças à preocupação de sua ginecologista, que suspeitou de algo mais grave e a encaminhou para um neurologista. “Se não fosse por ela, poderia ter demorado ainda mais para ter a confirmação”, diz com gratidão.
O diagnóstico final veio no dia 25 de dezembro de 2021, uma data simbólica e dolorosa para Franciele. “Era Natal, eu estava longe da minha família e recebi a notícia de que tinha uma doença sem cura. Meu primeiro pensamento foi: ‘E agora? Como vai ser a minha vida?’ Chorei muito”, confessa. No entanto, após o choque inicial, ela fez uma escolha que mudaria o curso de sua vida: “Percebi que tinha dois caminhos, me revoltar ou aceitar e lutar. Optei pelo segundo, e isso me afastou de uma depressão e me deu força para seguir em frente”, conta.
Mudança de vida
Desde então, Franciele teve que adaptar sua rotina para cuidar da saúde e minimizar os impactos da doença. “Trabalhava em confecção, mas tive que reduzir a carga horária. O esforço físico intenso me causava muita fadiga”, explica. Ela incluiu a prática regular de atividade física, sempre com acompanhamento profissional, e passou a priorizar seu bem-estar emocional, entendendo que o estresse poderia agravar a condição. “O autoconhecimento e as formações em terapia que já tinha feito foram cruciais para enfrentar a angústia e as incertezas desse momento”, revela.
O apoio da família e dos amigos tem sido um alicerce fundamental. “Eles foram e continuam sendo essenciais. Às vezes, é mais difícil para eles entenderem a gravidade dos meus sintomas, já que muitos são invisíveis, como a fadiga e as dores. Mas sem eles, eu não estaria tão bem”, admite com emoção. A solidariedade da sua rede de apoio é uma parte vital da sua jornada, permitindo que ela lide com as dificuldades diárias de forma mais leve.
Franciele está em tratamento contínuo com medicamentos e recentemente precisou trocar a medicação após um novo surto. “Também uso canabidiol, que tem me ajudado muito a controlar as dores e a fadiga”, conta. Embora alguns dias sejam mais desafiadores, com sintomas intensos que podem gerar tristeza e medo, ela mantém uma visão positiva e busca inspiração em histórias de superação. “Meu médico é muito presente, o que me dá muita segurança nos momentos difíceis. E a minha fé em Deus é o que me mantém firme. Sinto que Ele está sempre comigo”, diz com convicção.
Quando questionada sobre suas preocupações para o futuro, Franciele prefere não se concentrar nas incertezas. “Não gosto de pensar muito no que pode acontecer. Prefiro viver um dia de cada vez, mas é claro que, às vezes, a gente pensa. Minha principal preocupação é que o tratamento continue funcionando e que eu possa passar anos sem crises”, pondera.
Apesar de contar com o apoio dos seus entes queridos, Franciele não faz parte de grupos de apoio psicológicos, mas entende a necessidade deles para cada caso. “Esses grupos são importantes para trocar experiências e até ajudar quando falta medicação. Felizmente, ainda não precisei de ajuda psicológica, mas sei que, se precisar, estarei aberta a buscar”, reflete.
Ao longo dessa jornada, o amor pela vida tem sido sua maior fonte de força. “Logo após o diagnóstico, percebi o quanto amo viver. Esse amor, junto com a minha fé e o apoio dos meus filhos, Gabriel e Lucas, são minhas maiores motivações. São eles que me fazem seguir em frente”, afirma. Para Franciele, a esclerose múltipla não define quem ela é, apenas faz parte de sua história. “Um diagnóstico não me define. Eu sou muito mais do que isso”, conclui.