Com estado permanente de greve decretado, trabalhadores da área realizam protestos e paralisações, visando a manutenção de melhores condições de trabalho e um piso salarial digno
Quem transitou pela área central de Bento Gonçalves na quinta-feira, 29 de setembro, pôde se deparar com um aglomerado de pessoas gritando palavras de ordem e exigindo algo. Na ocasião, trabalhadores da enfermagem se reuniram em frente ao antigo Hospital Tacchini, na Saldanha Marinho, para protestar em favor do piso salarial da categoria, que foi institucionalizado em lei, mas suspenso temporariamente. Situações como essa seguem ocorrendo em outros municípios da Serra, do estado e do Brasil.
Com placas de dizeres como “Enfermagem merece respeito e valorização!”, “Piso salarial para os que cuidam da sua saúde” e “Enfermagem em luto”, os profissionais da Capital do Vinho buscavam chamar atenção para a sua causa. Essa foi a terceira paralisação na região. Em Caxias do Sul, a categoria protestou por meio dos trabalhadores do Hospital Geral e do Hospital da Unimed.
Fotos: Márcio Schinoff
Vai e vem do piso
Nos últimos anos, trabalhadores da saúde passaram por momentos mais intensos e de grande exigência profissional por conta da pandemia de covid-19. A área da enfermagem, tampouco, não fugiu dessas condições. Por conta disso, o parlamento brasileiro buscou recompensar a categoria com algo que há anos ela buscava: um piso salarial condizente com a função exercida.
Ao longo de dois meses, dois dispositivos jurídicos foram aprovados para tornar realidade esse anseio. A Emenda Constitucional nº 124, de julho de 2022, e a Lei nº 14.434, de agosto, fixaram o piso em R$ 4.750 para os enfermeiros, R$ 3.325 para os técnicos em enfermagem e R$ 2.375 para auxiliares e parteiras. Além disso, se proibiu a alteração dessa base de pagamento por acordos individuais ou negociações sindicais.
A partir da publicação da Emenda e da Lei, o piso começou a valer, mas em 4 de setembro, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Roberto Barroso, entrou com uma ação direta de inconstitucionalidade, concedendo medida cautelar para suspender a vigência da Lei. A causa foi movida pela Confederação Nacional da Saúde.
Segundo o ministro, em sua justificativa para a suspensão, é necessário um maior esclarecimento sobre os efeitos que a nova Lei poderia causar na situação financeira de estados e municípios. Além disso, ele ressaltou que os riscos da empregabilidade, com demissões em massa de profissionais da saúde, e probabilidade de fechamento de leitos, com redução de enfermeiros e técnicos, deveriam ser levados em consideração.
Para sanar essas questões, Barroso concedeu um prazo de 60 dias para que esclarecimentos fossem entregues pelos ministérios da Economia e da Saúde, Conselho Nacional de Saúde, Conselho Nacional de Secretários de Saúde, Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde e Federação Brasileira de Hospitais.
Representantes da Presidência da República, Câmara dos Deputados e Senado tentaram pedir improcedência da ação, para revogar a cautelar, fazendo com que os pisos fossem aplicados imediatamente. No entanto, o STF, por sete votos a quatro, decidiu suspender a Lei até o encaminhamento dos estudos solicitados por Barroso.
Paralisação em Bento Gonçalves
A manifestação dos trabalhadores da enfermagem, que ocorreu essa semana em Bento, durou aproximadamente 24 horas, iniciando na manhã de quinta e indo até sexta-feira, 30. Representantes do Sindicato dos Profissionais de Enfermagem, Técnicos, Duchistas, Massagistas e Empregados em Hospitais e Casas de Saúde do Estado do Rio Grande do Sul (Sindisaúde-RS), estiveram presentes para auxiliar na organização e demanda das pessoas. De acordo com o secretário-geral do Sindisaúde de Caxias do Sul, que responde pela Serra, Danilo Teixeira, cerca de 70 profissionais estiveram presentes nas primeiras horas de paralisação.
Teixeira, em entrevista ao Semanário, informa que não se descarta uma greve, pois a categoria já deflagrou essa condição e pode, a qualquer momento, suspender as atividades sem um prazo para retornar. “[As manifestações] estão ocorrendo em todo o Brasil e nós aqui estamos fazendo escalonado para os trabalhadores que querem, de certa forma, mostrar sua indignação quanto ao descaso patronal em relação à aplicação do piso”, declara. Ele esclarece que nessas situações, 50% dos trabalhadores devem se manter no exercício da função, pois a enfermagem é uma atividade da categoria essencial, com proibição de paralisação em 100%.
O secretário-geral lembra que a classe busca esse piso salarial há mais de 40 anos. “Agora que se tornou realidade – a lei está valendo, só foi suspensa temporariamente – nós esperávamos que os empregadores cumprissem com elas, já que nosso trabalho é fundamental e essencial na instituição hospitalar. Esperávamos que as instituições patronais tivessem um pouquinho mais de respeito com os trabalhadores, afinal, se consegue investimento para todas as outras áreas”, lamenta.
Por fim, ele esclarece que em momento algum a enfermagem busca prejudicar a população com essas paralisações, pois, segundo Teixeira, a categoria está em uma luta por direitos, não somente pelo piso, mas por condições melhores de trabalho. Enquanto acontecia a manifestação de quinta, representantes do Sindisaúde estiveram no Tacchini para averiguar as condições de trabalho e discutir setores que necessitam de maior aporte.