Direções de escolas de Bento Gonçalves demonstram preocupação com mau comportamento de estudantes após o retorno do ano letivo completo com aulas presenciais
A pandemia mudou muitas realidades, inclusive a de dentro das escolas. A educação foi afetada não apenas pelo ensino on-line, mas pela mudança de comportamento dos alunos que tiveram, durante praticamente dois anos, aulas apenas de maneira virtual para evitar o contágio com a covid-19.
Em 2021 a rotina voltou, mas direções de escolas têm identificado problemas semelhantes em seus corredores e salas de aulas. Na semana passada, a reportagem do Jornal Semanário acompanhou professores das redes municipal, estadual e privada que se reuniram na Escola Estadual Bento Gonçalves para compartilhar experiências e buscar soluções para situações recorrentes como indisciplina, violência, falta de comprometimento por parte de algumas famílias, além de crises de ansiedade e depressão se manifestando nos estudantes.
De acordo com a diretora da Escola Estadual Mestre Santa Barbara, Margarida Mendes Protto, as mudanças de comportamento dos alunos neste ano, estão sendo um desafio para os professores, orientadores, supervisores e direção. “Os estudantes demonstram dificuldades em se adaptar à rotina das aulas no ensino presencial, apresentam crises de ansiedade por não saberem lidar com as dificuldades, estão sem limites, reivindicando seus direitos sem se comprometer com os deveres”, relata.
Margarida ainda destaca que o interesse pelos estudos decaiu e que a busca pelo conhecimento está limitada por boa parte dos educandos. “Outro grande problema que as escolas estão enfrentando neste ano é a dependência dos alunos em relação ao uso do celular”, salienta.
Na questão da violência, a escola Mestre não registra números significativos de agressividade de forma física. “Praticamente não tivemos. Porém existem algumas situações de agressão verbal, utilizando termos de baixo calão”, ressalta.
Os estudantes estão relatando para alguns professores e orientação situações vividas fora das escolas com as quais não estão conseguindo lidar. “Problemas familiares, bem como dificuldades financeiras, falta de convívio com os pais, dificuldade de relacionamento em casa, ou superproteção dos pais para com os filhos, tornando-os muito dependentes, sem autonomia e sem responsabilidades”, conta.
O diretor da Escola Estadual Bento Gonçalves da Silva, Leonildo de Moura, destaca alterações comportamentais como depressão, distração, fome, desestrutura emocional, déficit de aprendizagem e dificuldades no convívio com o grupo. “A violência dentro das escolas passou a ser mais frequente por motivos cada vez mais irrelevantes. Isso tudo, no meu ponto de vista, se dá por uma série de problemas que antecedem a chegada na escola”, opina.
Sobre qual tipo de violência mais acontece entre os alunos, Moura evidencia que física, psicológica e verbal ocorrem no mesmo percentual. “Devido à intolerância propagada e por grande parte da população que crê em coisas mirabolantes, como o armamento, assim como intolerância a diversidade e às minorias”, expõe.
As soluções que estão sendo tomadas é conscientização por meio de rodas de conversas em momentos oportunos, junto a órgãos como a Patrulha Escolar. “Está sendo observado mais indisciplina, mas tudo leva a crer que seja em virtude do distanciamento que afastou o convívio entre aluno e comunidades. Na escola, normalmente se contorna essas situações com uma boa conversa com os envolvidos”, garante.
Segundo a orientadora da Escola Estadual de Ensino Médio Imaculada Conceição, Claudia Ana, diz que se faz necessário e o educandário vem desenvolvendo atividades e diálogo para que a cultura do bem e da paz se fortaleça. “A violência dentro da escola sempre foi combatida através de projetos e palestras que proporcionem uma convivência saudável Buscamos apoio das famílias, infelizmente nossos recursos humanos não são suficientes. Procuramos também auxílio com o Conselho Tutelar, a Coordenadoria da Educação 16 ª CRE e Patrulha Escolar para sanar alguns casos mais complexos”, cita.
Crianças estão em sofrimento psicológico
A psicóloga da Escola Estadual de Ensino Médio Elisa Tramontina, de Carlos Barbosa, Patricia Dotta, destaca que a volta às aulas é um desafio para as crianças, porque estavam acostumadas a ficar em seus lares. “Agora elas têm que se acostumar com a rotina, com as regras. Uma grande questão da pandemia foi que os alunos ficaram mais em casa com seus pais e, muitas vezes, as famílias têm problemas de vínculos, de violência e a escola é um ambiente em que essas crianças estariam um pouco mais protegidas. Estão refletindo a realidade que vivem no ambiente escolar”, realça.
A profissional de saúde mental frisa que agressividade e violência são sintomas externalizantes. “É uma manifestação de um problema emocional que a criança está colocando para fora. Algumas causas são as questões dos vínculos parentais, a pandemia, a quantidade de trabalho, as aulas online, desse transtorno que foi esse momento que atingiu as crianças. Existe um aumento expressivo de 15% a 20% de ansiedade e depressão nas crianças decorrente do isolamento, ter que ficar em casa, muitas vezes em um ambiente que não é tão favorável. Elas acabam expressando na escola os problemas que vivenciam em casa”, esclarece.
De acordo com a psicóloga clínica, as crianças e adolescentes têm dificuldade de lidar com as emoções. “Às vezes não conseguem nomear seus sentimentos. A gente fica com esse contexto todo de preocupação, dificuldades de concentração, sensação de solidão, algumas crianças acabaram ficando sozinhas enquanto os pais iam trabalhar. Mas a pandemia colocou para fora um monte de problemas que já estavam guardados”, menciona.
Conforme Patricia, o estresse dos responsáveis em casa pode ocasionar a falta de assistência educacional às crianças, por exemplo, principalmente para as que estão no processo de alfabetização. “Esses problemas são decorrentes dessas falhas de compreensão sobre os sentimentos que decorrem da relação familiar, da questão do isolamento, da violência, do estresse do professor. São vários fatores”, indica.
A indisciplina, de acordo com ela, tem explicação. “Vamos pensar em uma criança que estava no 4º ano do ensino fundamental I, de repente ela está no fundamental II, que é mais avançado. No emocional, ela ainda está no infantil. É preciso esse olhar compreensivo sobre o que a indisciplina está dizendo, porque os estudantes não tiveram esse processo de adaptação ao crescimento”, sublinha.
Ela destaca que é necessário considerar que existe um problema emocional em alguns alunos, mas não são todos. “Sabe-se que, às vezes, tem crianças que são desmotivadas, independentemente da pandemia. Mas, por exemplo, a ansiedade e depressão, principalmente, podem afetar a memória, atenção, concentração e o processo de aprendizagem”, pondera a profissional.
Quando o estudante não consegue entender o conteúdo, tende a mudar o comportamento. “A criança fica hiperativa, faz bagunça, ansiosa, porque ela também não conseguiu, naquele período de pandemia, absorver o que precisava. O que fica aqui colocado é a importância do cuidado da saúde mental das crianças e adolescentes que estão em sofrimento psicológico. É preciso que a escola tenha profissionais psicólogos, assistentes sociais, para orientar os professores, trabalhar com os alunos, acolher esses sentimentos, fazer os encaminhamentos, quando necessário”, aconselha.
Patricia destaca o quão importante é desmistificar as reações infantojuvenis, pois algumas vezes podem ter causas maiores envolvidas por trás de uma indisciplina e de outros problemas. “Esse olhar singular, humano e acolhedor que algumas crianças precisam ter e, muitas vezes na escola, a gente observa estudantes com quebras de vínculo muito graves que acabam influenciando as demais. É importante que esses profissionais estejam presentes proteger os mais vulneráveis das influências negativas”, sustenta.
A psicóloga reitera que o trabalho deve ser realizado com a família, escola, profissionais da saúde e psicólogos. “Porque cada vez mais a gente vai ter isso, a gente espera ter uma epidemia de saúde mental. De ansiedade, depressão e ataques de pânico, porque é muito difícil, psicologicamente, processar tudo o que aconteceu na pandemia”, finaliza.
Conselho de pais orienta a ampliar o diálogo
O grupo de pais do Conselho Escolar da Mestre Santa Barbara, afirma que foi percebido mudanças no comportamento dos filhos. “Mas é importante que tanto os responsáveis quanto a escola abram espaços de diálogo com os estudantes e filhos, para apoiá-los neste retorno. Sentimos muitas restrições, inseguranças e perdas. Além de pensarmos no cognitivo, primeiro temos que acolher nossos alunos e alunas, apoiar a escola, que precisou se reinventar para atender nossos filhos no ensino remoto”, frisam.
Quando percebidos casos de violência, o conselho enfatiza que as famílias são chamadas e as situações são resolvidas rapidamente. “Os adolescentes encontram-se num processo de construção, por isso temos que ter muita escuta e orientá-los. Se eles têm incerteza, vamos ter um padrão ansioso, quando há perdas, vamos ter o padrão da tristeza, se houver injustiça, vamos ter padrões da raiva. Então nós, enquanto adultos e responsáveis por nossos filhos, temos que observar, cuidar e amar nossas crianças e adolescentes para que se tornem adultos felizes”, argumentam.
A respeito da maior preocupação sentida pelos pais atualmente, eles mencionam que é o desejo de que os filhos sejam seres humanos do bem. “ Não se evolvam com algo que os prejudique e que façam a diferença no mundo”, declara.