Semanário analisa o cenário político e as divergências nos âmbitos municipal, estadual e federal depois das votações

Às 19h do domingo, dia 7 de outubro, duas horas após o encerramento das eleições, os brasileiros acompanhavam os números das apurações com atenção e surpresa. Afinal, a polarização apontada pelas pesquisas desde o último mês, quando Fernando Haddad foi oficializado como candidato do PT à presidência, poderia não resistir ao primeiro turno: Jair Bolsonaro, do PSL, despontava com mais de 49% dos votos válidos. Até então, 85% das urnas da região Sul já haviam sido apuradas; faltava, no entanto, uma fatia considerável de contagem nas regiões Sudeste e Nordeste.

Ao fim, ao passo que os votos dos estados nordestinos foram sendo contabilizados, a porcentagem do candidato petista subiu gradativamente, garantindo sua presença no segundo turno. O resultado apenas veio a confirmar algumas tendências vistas na última década, seja no âmbito municipal ou mesmo em um contexto nacional: o conservadorismo dos eleitores de Bento Gonçalves, e o despontamento do Nordeste como região de oposição, papel que, curiosamente, já foi do Rio Grande do Sul, nos anos 1990.

RS: do oposicionismo ao conservadorismo

Exceto no ano de 2002, quando Lula venceu em 26 dos 27 estados brasileiros (José Serra venceu em Alagoas), o Rio Grande do Sul sempre foi divergente aos resultados apresentados na Federação. Em 1989, enquanto Lula e Collor disputaram o segundo turno, os gaúchos votaram massivamente em Brizola. Em Bento, o candidato pedetista obteve 68% dos votos. O mesmo foi visto em todas as demais eleições: na era FHC, os rio-grandenses votaram em Lula; e nas últimas três eleições, vencidas pelo PT, votaram no PSDB. Dessa forma, a ampla vantagem do candidato do PSL, com 52,63% dos votos válidos contra os 22,81% de seu principal concorrente, no estado, destoam do sentimento rebelde que marca a identidade de seu povo.

Para o cientista político, João Ignácio, a questão oposicionista dos gaúchos é em essência cultural. Ele explica que desde a Revolução Farroupilha, o Rio Grande do Sul nutre uma relação de oposição ao plano federal. “Até pelo posicionamento geográfico há uma arrogância, por ser um estado periférico que teve um bom desenvolvimento político e econômico”, explica. Já o empresário

José Carlos Zortéa acredita que esse oposicionismo histórico se dá pela forte politização do povo gaúcho. “É uma gente que sabe o que quer e sabe se posicionar”, opina. Quanto a 2018, acredita que os eleitores da cidade, sobretudo, os empresários com quem tem maior contato, se guiaram pelo sentimento de mudança.

Já os expressivos 71,33% alcançados pelo presidenciável em Bento Gonçalves reforçam também um sentimento conservador da cidade e da região da Serra Gaúcha, como explica o sociólogo, Renato Zanella Filho. “Bolsonaro chama para si valores da família e da religião que são bem quistos da cultura italiana, fortemente ancorada na ideia do trabalho, da fé e da estrutura familiar clássica patriarcal. Com a globalização os valores tradicionais foram pulverizados, e na Serra Gaúcha, local de forte tradição, as pessoas se sentiram sem raiz e inseguras. Por isso, rejeitam a esquerda que é mais permissiva e idealista e enxergam no PSL uma proteção de seus valores diante de um mundo em mudança”, analisa.

Rejeição ao morno e renovação

Se a votação para a presidência não respondeu com precisão à última pesquisa do Datafolha, do dia 4 de outubro, onde Bolsonaro aparecia com 39% das intenções de voto, os números para o governo Estadual, porém, foram dentro do previsto: Eduardo Leite e José Sartori vão para o 2º turno com folga. A novidade, no entanto, fica por conta do fim da polarização partidária do Estado, tendo em vista que será a primeira vez que um candidato do PT não aparece entre os dois mais votados. Na mesma linha, à nível nacional, se enxerga um desgaste no PSDB que, de forma inédita, não terá um representante nas votações decisivas, perdendo espaço para o até então pequeno PSL.

Para Filho, o enfraquecimento de legendas tradicionais, para além dos projetos em discussão como as reformas trabalhista e da previdência e notícias de corrupção, se dá pelo tom dos partidos. “Na Bíblia há uma passagem que diz que o ‘morno é vomitável’, e isso pode ilustrar o que estamos vendo nas eleições. Neste momento político, econômico e social, a população quer uma definição clara de qual a linha ideológica de cada candidato e partido. Quem se alinha num discurso mais ao centro, como o PSDB e o MDB, acaba definhando. Por isso, o PT se manteve como maior bancada no Congresso e o PSOL cresceu, mas quem se declarou antipetista também ganhou força”, avalia. Explica também que boa parte dos votos de partidos antes pequenos ou mesmo que iniciaram agora como é o caso do Novo se dão simplesmente pela tentativa de experimentar uma nova visão. “A eleição é em síntese a renovação das esperanças”, finaliza.

Cenário político após os resultados do 1º turno

Racha no Congresso
O novo presidente não contará com uma base de apoio solidificada. O PT continua sendo a maior bancada no Congresso com 56 representantes. O PSL, por sua vez, subiu de 8 para 52 deputados. Além deles, há um aumento significante nos esquerdistas PDT, PSOL, PSB; e no conservador PRB. Os ditos partidos de centro como PSDB e PMDB perderam espaço, mas seguem com 52% dos nomes na casa (268).

Bento Gonçalves fica sem representação
Mais uma vez a Capital do Vinho não conseguiu eleger nenhum representante para a Assembleia Legislativa e nem para a Câmera dos Deputados. Eduardo Virissimo, do PP, foi o bento-gonçalvense mais votado para Deputado Estadual, com 16.248. Para federal, Paulo Vicente Caleffi, do PSC, alcançou 31.487 votos.

Alianças
Encerradas as votações, as alianças para o 2º turno começam a ser sinalizadas. Ciro Gomes e Guilherme Boulos já assinalaram aproximação com o PT. A vice de Alckmin, Ana Amélia, declarou apoio a Bolsonaro, enquanto o tucano deve se posicionar em breve. Marina e Meirelles ainda não se pronunciaram. Alvaro Dias e Daciolo não devem apoiar nenhum dos candidatos. Já Amoêdo estuda a possibilidade de ajuntamento partidário do Novo com o PSL.

Foco nas abstenções e indecisos
O resultado das urnas ressalta o espírito de indecisão e desconfiança política que ainda assolam grande fatia da população. Segundo os dados do Tribunal Superior Eleitoral, 29.719.056 pessoas não compareceram às seções eleitorais, ou seja, um em cada cinco brasileiros se absteve de votar. Além disso, cerca de 8% dos brasileiros votaram em branco ou nulo.

Por cidades e estados
Bolsonaro venceu em 17 estados e Haddad, em 9, todos da região Nordeste. Ciro venceu no Ceará.
Bolsonaro venceu em 2,8 mil cidades brasileiras, Haddad em 2,6 mil, e Ciro, em mais de 100. O candidato do PSL ainda teve maior votação em 23 capitais, enquanto o petista levou em 3, e o pedetista ganhou em Fortaleza.

 

Como e em quem votaram os bento-gonçalvenses